domingo, 23 de junho de 2013

Relato de um observador-manifestante

Pablo Cândido é membro do Instituto Cultiva, entidade que dirijo. Esteve, todos estes dias, observando e relatando as manifestações de rua, em especial, as de Belo Horizonte. Ontem, cumpriu com este compromisso e acompanhou o desenrolar dos acontecimentos na capital mineira. Trata-se de um jovem sociólogo que está fazendo sua pós-graduação nas ruas. O interessante do relato é que ele apresenta a perspectiva do manifestante pacífico que se depara com o início do conflito com a PM. O embate, agora sabemos, se deu a partir da ofensiva de uma parte pequena dos manifestantes. Um grupo de mais ou menos vinte mascarados e vestidos de preto, quase marchando, avançou rapidamente sobre o pelotão de choque. Outro tanto, postado à frente do cordão montado pela PM, aumentou a provocação. Bombas, rojões e pedras foram atiradas. A PM, por sua vez, reagiu de maneira descontrolada. Se as TVs filmaram a chegada daquele grupo de provocadores, juntos, por tanto tempo, por qual motivo a PM não os conteve antes? Sabemos que há todo um esquema de inteligência policial, monitorando de dentro toda a manifestação. Ontem, desde o início, policiais fortemente armados andavam, lado a lado, com os manifestantes. Para que, afinal, se tem informações sobre a composição de uma passeata, se nada se faz com este dado?
O fato é que Pablo relata a perplexidade da maioria dos manifestantes. Não entendeu e ainda foi atingido de maneira irresponsável. Quem assegurou sua segurança foi um manifestante solidário. Mais uma vez, não foi o Estado.

MANIFESTAÇÃO
Pablo Cândido da Silva

A garota canta música do comercial da Coca-Cola e veste blusa do movimento Fora Lacerda. Entra no ônibus e pergunta ao trocador se poderia afixar no vidro do coletivo uma tarjeta com os dizeres "E aí trocador?! Seu salário aumentou?" Ele, sem graça, declina da oferta.
Em frente ao CEFET alunos fazem uma fila no passeio. Fecharão a Avenida Amazonas nos dois sentidos como fizeram ontem à noite? Ou estariam se concentrando para descer para a Praça 7? 
Como ocorreu durante toda essa semana, o ônibus altera o itinerário.  Ao invés de seguir como de costume, pela Avenida Amazonas, passa pela Augusto de Lima, em frente ao MinasCentro. A paisagem da cidade, vai se alterando, me remetem aos fins de tarde de domingo. Trânsito livre e bares esvaziados, agitação de jovens que caminham  em grupos ou se aglomeram em determinados pontos da cidade.
Não tenho dúvidas: se um ET, sabedor da nossa paixão por futebol, da realização da Copa das Confederações e, ainda, das poucas horas que faltam para o terceiro jogo da primeira fase, diria que estamos todos muito empolgados com nossa seleção ao ver tantas bandeiras, camisas e rostos pintados.
"Fora Collor, mais calça legging"... São alguns cartazes que vemos. "Contra Impostos", "Contra a PEC 37". Pelos rostos percebe-se que é uma moçada secundarista ou cursando os primeiros períodos da faculdade. Apertamos o passo. Na Antônio Carlos,  primeiros coros contra Lacerda e primeira bandeira LGBT.  Vejo uma faixa: #FelicianovemproHorto!
Ao percorrer mais um quilômetro, avistamos bandeiras que estavam presentes em outros dias: Fora Lacerda, UNE, ANEL e LGBT. A impressão que eu tenho é que a manifestação está setorizada. Manifestantes, em cima das laterais, flamulam bandeira em que se pode ler: ônibus sem catraca. Advogados usam blusas amarelas, com faixa negra do braço. Na blusa vê-se escrito: advogado voluntário.
Impressiona a quantidade de gente. Não sou bom de estimativa, mas, parece haver mais de 100 mil. Público muito mais heterogêneo que nos outros dias. Conhece a expressão “ mar de gente?”. 
No perímetro Mineirão ouvem-se os primeiros estampidos. O pau vai cantar? Pessoas que estão na pista superior do Viaduto José de Alencar recuam ao sinal de embate.
Helicópteros, estampidos, gente correndo... Ferrou! Embate na entrada da avenida Abrãao Karan entre PM e manifestantes. PMs jogam gás na nossa direção, olhos ardem, corre-corre. Pessoas gritam pedindo para todos pararem de correr e chegam a ensaiar sentarem no chão. Mas, não há mais clima para isso.
Quebraram o vidro da agência da Kia.  Estou há uns 200 metros destes manifestantes. De onde vejo, não entendo muito bem a movimentação. Correm em direção ao foco do embate e recuam em seguida. Parece uma sanfona.
A polícia começa a jogar gás na minha direção. Tento ver uma possibilidade de fuga e vejo uma rampa da agência do Banco do Brasil, situada ainda na avenida Antônio Carlos, mas, para meu azar, a rampa não se liga à nenhuma rota de fuga. Então, me deparo com um muro e um tubete de gás, perto de mim. Olhos voltam a arder, boca seca... Alguém me ajuda a pular uma pequena mureta. Sinto que vou desmaiar. A pessoa que me ajudou a pular a mureta joga vinagre em minha blusa e fala para aspirar. Começo a me recuperar. Entro na rua paralela, Francisco Flores, e tomo água.
Vinte minutos depois, o clima parece menos tenso. Desço a Rua Francisco Flores, entro na Professor Magalhães Penido (rua que leva ao aeroporto da Pampulha), e sinto forte cheiro de fumaça. Carros de bombeiros passam por mim e vejo policiais do batalhão de choque. Em frente à loja da Toyota, que foi apedrejada, uma garota é atendida. Ali perto, vejo o rapaz que caiu do viaduto.
Vou para a casa de um amigo e fico lá. Quando retorno para casa, num táxi, percebo que a avenida Antônio Carlos virou terra arrasada. A cerca da UFMG no chão, bancos e lojas depredadas. Policiais aos montes em cada esquina. O motorista do táxi vibra ao falar que os radares foram quebrados.

Um comentário:

Osires disse...

A impressão que dá é que temos dois estados, um dentro do outro. Um militar, com suas regras e estratégias próprias, e suas valorações e vacinas com relação a regras do outro estado. Por outro lado esse outro estado, com suas orientações mutáveis e condução cambiável por eleições, etc, ou não controla o estado militar" ou se usa dele e suas características, independente "da condução ideológica ou composição partidária que tenha.
Osires