Partidos sob ataque
O sociólogo Rudá Ricci e o cientista político
Francisco Fonseca analisam os ataques feitos contra militantes partidários
durante as recentes manifestações pelo Brasil
Por Felipe Rousselet
Nas últimas semanas, protestos reuniram milhares de pessoas nas
ruas de cidades de todo o país. O que inicialmente era uma manifestação
organizada pelo Movimento Passe Livre contra os aumentos nas tarifas do
transporte público logo se transformou, insuflada pela violenta repressão
policial, em uma mobilização de massa com uma enorme variedade de causas.
Na última quinta-feira, 20, protestos ocorreram simultaneamente em
150 municípios brasileiros. Houve repressão da polícia em alguns
lugares, como já vinha acontecendo nas manifestações anteriores, mas o
confronto que ganhou força, especialmente em São Paulo, foi entre manifestantes
que não concordavam com a presença de nenhuma bandeira de partido político nas
manifestações contra manifestantes partidários. Militantes foram agredidos,
bandeiras queimadas e sedes de partidos depredadas.
O Movimento Passe Livre, que foi o estopim desta grande
mobilização, anunciou que não irá mais convocar novos
atos devido a hostilidade contra partidos que estiveram nos protestos desde o
início e pela inserção de pautas conservadores, como a redução da maioridade
penal, durante as manifestações.
Para o cientista político Francisco Fonseca, a atuação de grupos
de extrema direita nos protestos fez com que uma manifestação diferenciada se
tornasse um motivo de preocupação. “Aquilo que nasceu como uma
manifestação não tradicional, que poderia estar apontando para uma mobilização
não tradicional, sobretudo dos jovens, me parece que foi rapidamente
substituído por uma grande preocupação. Eu, particularmente, estou muito
preocupado”, pondera. “O movimento que nasceu como uma organização pelo passe
livre e que teve como pauta imediata a redução das tarifas, que foi vitoriosa,
acabou catalisando um conjunto de outras manifestações. Uma parte delas,
bastante conservadoras, que não é do passe livre, mas de um conjunto de
extrema-direita, de grupos não partidários com um discurso anti institucional.
Observamos a expulsão e queima de bandeiras de partidos políticos, o que mostra
uma perspectiva anti institucional que lembra o pré-64. Uma crítica a
democracia, uma crítica ao conflito”, analisa Fonseca.
Para ele, a extrema direita quer tumultuar as manifestações para
que a repressão da polícia seja ainda maior. “Em larga medida a violência que
estamos vendo é a extrema direita, que é oportunista, lembrando a Marcha da
Família com Deus pela Liberdade em 1964, que quer tumultuar para que haja mais
resposta violenta das polícias, para que haja um estado de sítio e as
liberdades democráticas sejam encerradas. Fala-se agora no impeachment da
presidenta Dilma, um golpismo aos moldes do Paraguai”, disse Fonseca.
De acordo com o sociólogo Rudá Ricci, os partidos políticos
tradicionais e centrais sindicais cometeram uma série de erros por não
entenderem a mobilização nas ruas, o que colaborou com os ataques contra as
instituições representativas da sociedade. “Ontem, o que ficou bem claro é que
os movimentos políticos tradicionais, que são os partidos políticos clássicos e
centrais sindicais, cometeram um erro atrás do outro. Não estavam entendendo o
que estava acontecendo. O Rui Falcão [presidente nacional do PT] cometeu
um erro histórico ao propor a onda vermelha. O PT tinha que sair na rua, não
tenho dúvida nenhuma, é um partido que nasceu das ruas, não podia ficar de
fora. Agora, quando você, em um movimento em que as lideranças desde o começo
da semana convocam as pessoas a irem de branco, de verde amarelo ou deixavam
livre para ir com a roupa do corpo, lança uma onda vermelha, você está se
contrapondo, indo para o embate. Ele poderia ir para o embate contra a direita,
mas, ao falar de uma onda vermelha, se destingiu e ficou em minoria”, avalia.
“Acho que o Rui Falcão tem de ser responsabilizado politicamente pelos 20
sindicalistas da CUT que apanharam por sair de vermelho no Rio de Janeiro. Foi
uma irresponsabilidade de gente que não sabe ler as ruas”, afirmou o sociólogo.
Ricci considera ainda que existem posições distintas no ataque aos
partidos políticos. Para ele, quando estas posições distintas se juntam nas
ruas parecem maioria, porém, existe uma disputa entre elas dentro das
manifestações. “Acho que, primeiro, existe sim uma postura fascista, inclusive
de extrema direita, no ataque a todos os partidos. É uma postura que se
alimenta desse neofundamentalismo que vivemos no Brasil, que é mais forte no
centro sul e que estava latente no Brasil desde 2010, quando a Marina Silva
cresceu com um discurso muito radical de lideranças religiosas
fundamentalistas, católicas e evangélicas. Temos um segundo grupo que está de
maneira oportunista tentando pegar a onda dessa manifestação, evidentemente
oposicionista e crítica, para abalar as estruturas dos partidos tradicionais. O
problema é que, à medida que vem radicalizando o discurso, está perdendo o
controle sobre o ataque a alguns partidos, e passa a ser algo generalizado”,
explica.
O sociólogo acrescenta ainda que existe um terceiro e um quarto
grupos dentro desse espectro de manifestantes. “Acho que tem um terceiro
agrupamento que é de gente muito desorganizada, de pessoas completamente sem
cultura política, que expressam um rancor contra quem tem poder. Acham que os
partidos políticos existem só para roubar e que depois de eleitos não estão nem
ai. É uma postura muito ingênua. Existe ainda um quarto bloco que realmente
acha que os partidos políticos não representam mais a sociedade. Ai já é uma
postura mais intelectualizada. Ou seja, os partidos políticos não se fazem
presentes em nada, nem nas redes sociais, eles estão ausentes. São grupos muito
difusos que, quando se juntam, parece que são maioria, mas acho que ainda está
ocorrendo uma disputa dentro dessas manifestações”, acredita.
O sociólogo ainda critica aqueles que acham que a mobilização
social no Brasil começou somente agora e ignoram a luta histórica dos
movimentos sociais “tradicionais”, muitos deles ligados ou que contam com o
apoio de partidos políticos. “O Brasil do ponto de vista da ação política
de massas nunca dormiu. Você tem uma história recheada. Envolvendo os jovens
você tem a campanha pelas diretas, pelo impeachment do Collor, nós nunca
ficamos parados. Agora, recentemente, esse pessoal que está falando que o gigante
acordou, que aliás é uma expressão usada na campanha publicitária da Johnnie
Walker, basta eles irem para a zona leste para eles verem que a zona leste
nunca parou. O gigante lá da zona lesta e da zona sul de São Paulo sempre
esteve de pé. Tanto que eles ganharam a briga pela extensão da saúde pública, a
extensão da Universidade Federal de São Paulo para a zona leste. Isso é luta
popular, de enfrentamento, tanto com o Kassab como com o Haddad depois da
posse. Acho que esse pessoal desconhece o país. Eu até relevo porque a grande
maioria nunca agiu politicamente e nunca foi em mobilização social nenhuma.
Acham que o Brasil começou agora”.
Por fim, Ricci considera que atos de violência contra qualquer
partido político é um ataque a democracia. “Qualquer ato violento,
principalmente contra as instituições de representação, mesmo que elas não
sejam tão representativas, além de desnecessário, porque você não bate em
cachorro morto, é um ataque a democracia. Sem dúvida nenhuma”.
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