Embora eu tenha rejeição quase física ao discurso pós-moderno, tenho a impressão que nós (eu tenho 50 anos), que nos formamos na lógica moderna, de compreensão universalizada do mundo, a partir de estruturas verticalizadas, com força de mando sobre os associados, estamos com muitas dificuldades para compreender este novo que está nas ruas.
O mundo moderno é racional (embora contraditório), procura explicar tudo e todos através de conceitos e chaves teóricas, admira à distância (e reservadamente) a intuição. É marcado por um forte chamamento ao discurso ético. O discurso pós-moderno é fragmentado, muito mais afeito ao estético que ao ético. Não se fia por uma ordem racional porque é multifacetado, quase irresponsável porque acolhe o quebra-cabeças como o real. Algo como "o aqui e o agora", onde o futuro se constrói na própria caminhada. Para os que se formaram a partir dos lastros modernos (meu caso), é difícil se abrir para algo tão próximo do intimismo, beirando o egoísmo. Muitos de nós, sociólogos, tivemos uma admiração velada ao discurso psicanalítico justamente porque não conseguimos pensar o mundo a partir do indivíduo. O indivíduo, em grande parte das nossas teorias, é subproduto. Continuo rejeitando emocionalmente (e racionalmente) o discurso pós-moderno, mas ele parece explicar, ainda que parcialmente, o que vemos nas ruas do Brasil nos últimos dias. Aliás, as manifestações são parte do Brasil, já que a grande massa, até aqui silenciosa, que alimentou seu orgulho próprio com o consumo desenfreado dos últimos dez anos, não esteve presente em nenhuma manifestação dos últimos dias. Falo dos 40 milhões de brasileiros que saíram da pobreza e foram incluídos socialmente pelo consumo. É o Brasil do outro lado, aquele sobre quem o discurso moderno se alimenta.
Estamos presenciando o imponderável tomar conta das manchetes da grande imprensa.
E é óbvio que o imponderável leva ao risco.
É possível ter certeza que as manifestações não desaguarão em algo irresponsável? Não.
Mas já existem sinais neste sentido? Não.
Então, o temor ou receio de alguns que se expressam (legitimamente) nas redes sociais (quase sempre próximos de minha idade) não têm motivos para não se abrirem ao novo. Vamos acompanhar e procurar compreender. Talvez seja um primeiro sinal, não definitivo como tudo o que é ainda mero sinal, de uma virada de página nas formas institucionalizadas de representação social. Talvez, as formas modernas de organização social estejam revelando seu esgotamento. Nas ruas.
Um comentário:
Excelente! Meu pai, que é da sua geração, ainda tem seus receios - agora só me chama de baderneira. Espero que ele também se abra para o novo.
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