Minha esposa, que é historiadora, sempre me corrige dizendo que todo dia é histórico. Ela tem razão. Mas peço licença ao rigor teórico para afirmar que hoje é um dia histórico. Daqueles que podem marcar uma virada no rumo dos acontecimentos políticos. Por quê?
Porque espera-se a maior manifestação de rua deste século em nosso país. Aqui em BH, os organizadores (agora concentrados no Comitê Popular dos Atingidos pela Copa/COPAC) estimam 100 mil pessoas. Aliás, o COPAC apresentou uma pauta de reivindicações enxuta, de quatro pontos, com nítida presença do SindUTE (que está na organização desde o primeiro minuto): a) redução de 20 centavos no valor das passagens de ônibus e passe livre imediato na capital e Grande BH; b) reversão das verbas destinadas à Copa para educação, saúde e moradia; c) pagamento do piso nacional aos professores da rede pública estadual mineira; d) repúdio à proibição do trânsito de pessoas no chamado Território Fifa.
Voltando ao nosso tema, o primeiro desafio é superar a marca de 1,2 milhão de manifestantes da última quinta-feira. Se for menos, dará sinais de esgotamento.
O segundo desafio é reduzir ao máximo os casos de vandalismo e violência que ocorrem sempre ao final das passeatas, a partir das 20h00. Se a onda de violência atingir grande parte do país, a pressão para uma ação mais enérgica será inevitável.
O terceiro desafio é dar um salto organizativo. Sair às ruas é interessante, é dar uma tinta pública aos espaços que deveriam ser sempre públicos. Mas não se muda instituições e práticas políticas institucionalizadas sem a negociação de alternativas. Neste sentido, os manifestantes chegaram ao ponto de superar a demonstração de força. A queixa não altera nada. Precisam ser mais criativos que as frases escritas nos cartazes. E precisam aprender a transigir. Porque a única saída é a composição de pautas. Precisam negociar entre si e afunilar o discurso político. Somente assim se tornam um sujeito coletivo nítido e constituído. Mas não há indícios que isto ocorra hoje. Pelo contrário, a pluralidade que marca este carnaval político dos últimos dias, agora vai ganhar a presença de grupos organizados que se preparam para engrossar o caldo depois do almoço. Igrejas, partidos, sindicatos, organizações populares, anunciam a ida de milhares de militantes que "descerão do morro".
Espero que os últimos dias tenham ensinado o que não deve ser feito.
Não são apenas os jovens que revelaram ingenuidades e despreparo, mas nossas velhas organizações políticas e populares. Os jovens precisam dialogar com o século XX, aprender com o que já foi feito. As velhas organizações precisam dialogar com o século XXI, aprender que o que faziam só tem valia para eles mesmos.
Talvez, pelas redes sociais, será possível construir uma agenda. Talvez, não será preciso uma liderança que saia artificialmente das ruas, mas as próprias redes se apresentarem coletivamente aos governantes. Um comando virtual, acolhido pelos que acessam estes espaços. Talvez este seja o passo seguinte.
Hoje será um dia histórico, para o bem ou para o mal. Mesmo que contrarie minha esposa.
Um comentário:
Depois do visto nas ruas de Belo Horizonte na quinta-feira, a respeito mesmo de despreparo político popular, pautas conservadoras, da intolerância com organizações e movimentos sociais, e da saída do MPL em SP, na sexta, muitos simpatizantes da esquerda estão sem saber como agir, sem saber se entregam o movimento e se retiram ou se vale a pena continuar na rua para disputar espaço com a 'direita fascista' e a 'mídia hegemônica'. Como avalia esse cenário? Além disso, muitos comparam o que ocorre no Brasil com as mudanças no Egito e a Primavera Árabe. Vemos que eles usaram teorias de luta não violenta (ex. Gene Sharp) para derrubar ditaduras, mas o que esperar desse movimento dentro da nossa democracia?
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