domingo, 23 de junho de 2013

As manifestações não falam das desigualdades sociais ou regionais

Interessante perceber como o tema da desigualdade social não entrou nos cartazes e palavras de ordem das manifestações. Aparecem timidamente (e indiretamente) em uma ou outra demanda sindical. Talvez se explique pelo dado divulgado pelo IBOPE: 75% dos brasileiros apoiam os protestos, mas 71% se dizem satisfeitos com sua vida atual; 43% têm expectativas positivas sobre o futuro do país.
Então, acabou a pobreza, de fato? As mazelas sociais e as distâncias regionais já são paisagem do passado?
Estamos vivendo, portanto, um fenômeno social de massas que pode estar formando a opinião política dos brasileiros, a despeito de sua sensação de melhoria. Um fato que aparentemente parece ser paradoxal. Não acredito que signifique a superação das necessidades materiais, indicando que agora a agenda seria pós-material, ou seja, para além das necessidades básicas de sobrevivência.
Acredito que a melhora de vida de tantos milhões de brasileiros não foi percebida como conquista social ou política. Foi compreendida como justiça, talvez divina, um merecimento. Caso contrário, como explicar que alguém sinta que sua vida melhorou e vai melhorar ainda mais e, mesmo assim, apoie manifestações de rua que atacam generalizadamente todas instituições políticas e governos?
A classe média tradicional teria motivos para se irritar. Nos últimos dez anos, não recebeu os benefícios que as classes mais e menos abastadas ganharam. Este é o segmento social que mais se politizou no período, construindo pontes para uma leitura conservadora, muitas vezes emoldurada por arroubos reacionários, como as manifestações indignadas sobre a piora dos serviços antes acessados por uma pequena elite, caso dos aeroportos e shoppings.
A desigualdade social permanece em nosso país.
Contudo, as demandas que aparecem nas manifestações não aparecem embaladas pela generosidade que funda a exigência de justiça social. Aparecem, quase sempre, aliadas ao rancor, até mesmo ódio sobre como "eles" agem e se locupletam. Algum cheiro de udenismo no ar, mais uma vez.
Talvez, por aí, alguns analistas mais à esquerda sustentem que se trata da voz da classe média brasileira. Ainda que seja, é necessário compreendermos que pode estar se formando uma onda que se espraia por outras classes sociais e forma uma opinião ou sentimento de indignação. Algo difuso, não racional, mas que reverbera subjetivamente como algo que se aproxima da certeza de que "poderia ser melhor".
Antes que digam que se isto estiver ocorrendo seria um retrocesso, até mesmo a expressão de certo fascismo societal, sustento que é legítimo. A democracia é disputa. Diária. Norberto Bobbio afirmava que se trata de um movimento oscilante, de formação de consensos que se formam no interior dos dissensos e, que logo, se desmancham para convergirem mais uma vez. Este movimento faz da democracia algo pulsante, imprevisível, que impele todos agentes políticos ao trabalho incansável de contato com o cotidiano dos cidadãos. Administrar a política dos gabinetes pode durar alguns anos. Mas, sem as ruas, desmorona.
Aliás, era isto que Maquiavel tentou ensinar aos Médices no Século XV.

Um comentário:

AF Sturt Silva disse...

Rudá, seria interessante também fazer uma ponte, com cuidado e com dados quantitativos (as pesquisas estão ai)e dados qualitativos sobre o que Singer, Saflatle e vc mesmo afirmava dias atrás sobre um processo de crescimento conservador presentes em setores da cultura, da classe média e da nova média(classe C).

Outra coisa, acho que os filhos da "classe C" estaria nos protestos. Como analisamos estes? Da mesma forma do que analisamos a classe média tradicional? Pautas que a assembleia de hoje de BH se recusa, como luta contra corrupção sem objetivos claros, tem força nesse setores, afinal eles são conservadores tb.