Pablo Cândido da
Silva
1. Pensamos que
éramos europeus
Talvez, – eu
assumo meu quinhão de culpa! - tenhamos nos voltado em demasia para a realpolitik e nos esquecido da utopia.
Da política não só voltada para a manutenção ou preservação do status quo, para o índice de
popularidade e a gestão eficiente dos recursos. Sonhamos em ser Europa?
Sonhamos com um
país grande, com economia vibrante, que no atual momento disputa com o Reino
Unido, a posição de quinta maior economia do mundo. O país proporcionou um
ganho de renda real para aqueles que antes viviam excluídos das grandes lojas e
isso, diga-se de passagem, é fantástico! Mas, não é o bastante. Como as ruas
vem nos mostrando nos últimos dias...
Seria uma
reinvindicação posterior à melhoria da renda? Pode ser... Sinceramente, não me
sinto capaz de responder, nesse momento, essa questão, em meio ao furacão que
nos pegou, sem que ao menos soassem, o sinal de alerta. O que as primeiras
pesquisas apontam é que grande parcela do eleitorado /beneficiados pelos
programas de transferência de renda, não estão presentes nas manifestações.
Mas, isso quer dizer que o governo federal pode ficar tranquilo? Duvido! Que a não participação implica em não
concordância? Será? Duvido.
2. Carnaval está
sempre nas ruas brasileiras
Lá no primeiro
paragrafo falei sobre utopia e gostaria de falar aqui sobre uma das questões
que mais me chama a atenção nas manifestações: o seu caráter visivelmente
festivo; que em muitos momentos nos remetem aos períodos de Copa do Mundo e
Carnavais. Isso é algo necessariamente ruim? Não acho. Acredito, que justamente isso que nos faz tão
distintos do velho mundo. Não somos nada cartesianos.
Estou cada vez
mais convencido que para se entender o Brasil devemos conferir maior destaque
às festas. Elas constituem em objeto incontornável para explicar como as coisas
se dão nesse país. Lembro uma vez, ainda na faculdade, fazendo matéria com uma
intercambista, cai na besteira de lhe perguntar, o que estava achando do país.
E ela, uma americana texana, começou a desfiar o rol de pontos que acreditava
inaceitáveis. A começar, pela mania que teríamos de levar as coisas tão pouco a
sério. Naquele momento, me coube um sorriso amarelo. Hoje, diria sem pestanejar: “você não
entendeu nada! Mas, quando achar que não nos entende, começará aí sim, a nos
entender”. Chacrinha, aquele velho, que arremessava bacalhau na plateia estava
coberto de razão: confundimos, não explicamos.
Estamos
insatisfeitos com a gestão pública, como as coisas são decididas, do
apartamento existente entre sociedade e aqueles que tomam as decisões. Aliás,
representação significa tutela?
Mas, o que me
chama a atenção e muitas vezes, me causa claro desconforto. Está na forma como
expressamos nossa profunda insatisfação. Fazendo panelaços? Ficando em silencio
em frente às casas legislativas? Não. Mas, levando bandas que tocam marchas de
carnaval e maracatu às ruas. Levando cartazes, que não apenas, reivindicam a
saída de um parlamentar da presidência de uma comissão, por não representar a
população que está sob o guarda chuva daquela comissão. Mas, fazem isso de
forma irônica e até mesmo debochada, como estamos acompanhando nesses dias em
que nos bate o vento do inverno.
3. Um país
dionisíaco
Nossa sociedade
é profundamente dionisíaca. A diversidade de modos de organização é
constitutiva da nossa formação histórica marcada e modelada por uma pluralidade
de registros e códigos; pela multiplicidade de vozes e de paisagens, numa
organização que seria responsável por nos conferir essa face tão pouco
inteligível aos desavisados. Segundo Léa Perez,
A sociedade brasileira seria formada como uma nação em que seus habitantes se afirmam brasileiros,
[na] multiplicidade de grupos e de solidariedades originais [que] não se funda
numa imagem global que seria abstrata e vaga porque o vivido coletivo resiste à
redução na medida em que uma superabundância afetiva, sensual, passional,
acompanha o comércio dos homens da violência à ternura frequentemente desafiando estatísticas ou
classificações. E é por isso, que essa potência popular, essa massa
informe, não mais que de repente, se irromper e faz-se ouvir, por meio de
levantes, revoluções e como é mais do nosso feitio das festas.
As festas não
devem ser interpretadas como alienação ou forma mais dócil de mostrar a
insatisfação. Aliás, não há doçura
alguma! Quando milhares de jovens vão às ruas protestarem estão expondo a festa
como um evento trágico, o caótico choque com a realidade e com uma lógica excessivamente
planejada – e nesses dias, pragmática de se fazer política. Sendo assim os
eventos festivos que estão ocorrendo esses dias, se constituem emo espaços
privilegiados para se pensar a vida humana em termos de coletividade em sua
dupla dimensão: agregação – o estar junto ; o fazer parte – e o imaginário – o
lúdico, a utopia.
As festas, como propõe Roberto DaMatta, expressam o lugar onde se é colocado frente à liberdade de morrer, assim como da esperança, o lugar onde as respostas abrem espaço para outras respostas (DaMatta apud Perez, 2008: 01) ou ainda, nos termos de Jean Duvignaud, as festas constituem espaços em que é dado aos homens a possibilidade de mudar a si mesmos, uma vez que são nelas que se inventam. Atrevo-me a dizer que a fuga da realidade está justamente naqueles dias (antes da sexta-feira e após a terça-feria gorda ou ainda, naqueles entre uma festa e outra) chamada convencionalmente de dias úteis.
A festa no que ela tem de inesperado, de efêmero, de gratuito e de espontâneo é o motor da existência coletiva. Momento em que é permitido se expressar plenamente, na medida em que abre espaço para a expressão do cômico.
Não por outro motivo, faz sentido para nós, brasileiros, que num momento aparentemente tão dramático para a política nacional, seja tão pertinente a blague de um internauta que posta no twitter a seguinte frase: "o clima anda tão politizado que hoje eu espirrei na rua, uma mulher falou Saúde!, outro gritou Educação! e todos cantamos o Hino Nacional". Mais brasileiro que a frase, só a festa que ocorre nos últimos dias, a cada jogo do Brasil.
REFERENCIA
BIBLIOGRÁFICA
DUVIGNAUD,
Jean. El
sacrificio inutil. México. Fondo de Cultura Económica, 1997.
MAFFESOLI, Michel. A
transfiguração do político: a tribalização do mundo, Porto Alegre, Ed.
Sulina, 1997.
_______. O tempo das tribos. Rio de Janeiro. Ed.
Forense Universitária, 2006.
PEREZ, Léa
Freitas. . Breves
notas e reflexões sobre a religiosidade brasileira. Brasil 500 anos, Belo Horizonte,
01 jun. 2000.
________.
Dionísio nos trópicos: festa religiosa e
barroquização do mundo - por uma antropologia das efervescências coletivas. In:
Mauro Passos. (Org.). A festa na vida: significado e imagens. 1 ed. Petrópolis:
Vozes, 2002.
________.
Festas e viajantes nas Minas
oitocentistas. Espaço virtual da internet: Comunidade
virtual de antropologia, 2008.
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