A frase é batida e está na obra de Shakespeare, O Mercador
de Veneza (Ato II, Cena II).
Uma frase muito citada nas redes sociais neste Dia dos Pais. Melhor ainda,
porque a obra trata do julgamento ao pé da letra ou como fato a ser
interpretado e contextualizado, o que remete a um julgamento famoso aqui em terras tupiniquins.
Mas poucos se atêm ao que a passagem diz. No caso, a frase é
dita por Lancelot a seu pai biológico (que no texto aparece como “pai carnal”),
embora o filho tenha sido criado por Shyrlock. A forma como Shakespeare retrata
Shirlock, judeu que empresta dinheiro a juros, chegou a ser invocada como
anti-semita, para se ter uma noção da maneira como é retratado o “pai não
carnal”. Lancelot foi criado pelo agiota. Na passagem, que reproduzo a seguir,
Lancelot apresenta-se indeciso. Alguns críticos sugerem que o diálogo retrataria
o conflito bíblico entre Esaú e Jacó, marcado pela falta de lealdade.
Lancelot, inicialmente, pensa em pregar uma peça em seu pai,
Gobbo, que não o reconhece e pergunta como chegar a um determinado lugar.
Lancelot cria um caminho imaginário, extremamente confuso. Em seguida, ao ser
perguntado por Gobbo sobre seu filho (o que o engana naquele momento), Lancelot
brinca dizendo que morreu. Gobbo se desespera e é aí que Lancelot se apresenta.
Depois de algumas trocas de palavras, finalmente Gobbo acredita – ainda sem
reconhecer – estar com seu filho legítimo, a quem quer presentear. Mas ainda
argumenta que estaria muito diferente (a diferença estaria na alma, embora
Shakespeare faça a analogia com o físico) e sugere que sua barba estaria maior
que o rabo de seu cavalo.
Enfim, a passagem é mais complexa do que os que divulgam
tanto a frase (agora um quase chavão) imaginam:
LANCELOT (à parte) - Estarei com a aparência de alguma
estaca, ou de mouro, de algum bastão ou de escora? Não me conheceis, pai?
GOBBO - Ai de mim! Não vos conheço, jovem gentil-homem. Mas,
por obséquio, dizei-me: meu filho - Deus lhe conserve a alma - está vivo ou
morto?
LANCELOT - Não me conheceis, pai?
GOBBO - Ai, senhor; sou muito míope; não vos conheço.
LANCELOT - Realmente, ainda que tivésseis vista, não
poderíeis conhecer-me. Sábio é o pai que conhece seu próprio filho. Pois meu
velho, vou dar-vos notícias de vosso filho. Dai-me vossa bênção; é preciso que
a verdade apareça; um crime não pode ficar por muito tempo encoberto; o filho
de um homem o pode; mas, no fim, a verdade terá de aparecer.
GOBBO - Por obséquio, senhor, ficai de pé. Tenho certeza de
que não sois meu filho Lancelot.
LANCELOT - Por obséquio, acabemos de vez com essas tolices,
e dai-me vossa bênção. Sou Lancelot, que foi vosso pequeno e vosso filho e que será
vosso descendente.
GOBBO - Não posso crer que sejais meu filho.
LANCELOT - Não sei o que deva pensar do caso; mas, em
verdade, eu sou seu filho.
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