Senadotur: O esquema das passagens mais caras do mundo
Por: Revista IstoÉ
Agência de turismo contratada pelo Senado para fornecer bilhetes aéreos aos parlamentares cobra mais que o dobro do preço de mercado e vira alvo do Ministério Público
Izabelle Torres
Em uma pequena sala no subsolo de um dos anexos do Senado funciona a empresa Turismo Pontocom. Criada há cerca de dois anos, com quatro sócios e capital social de R$ 200 mil, a pequena e desconhecida agência conseguiu o que tantas outras grandes do setor anseiam: fechou em agosto passado um contrato para fornecer passagens para os senadores, num concorrido negócio de R$ 2,6 milhões, que deve chegar a R$ 6,5 milhões até 2013, após a assinatura de dois termos aditivos. O que se descobre agora, 11 meses depois, é que a empresa só conseguiu desbancar a concorrência graças a uma manobra. Durante o processo de licitação, a Turismo Pontocom ofereceu desconto final de 5% sobre o volume total das vendas. Até aí, aparentemente, nada havia de irregular. O problema é que parlamentares e órgãos de fiscalização interna fizeram as contas e constataram que, para cumprir a meta do desconto e acumular lucros, a agência está vendendo passagens aos senadores com preços no mínimo 50% mais altos do que os de mercado. Mas há vários casos em que seus preços mais do que dobram. A tabela da agência que atende ao Senado parece ser uma estratégia para driblar as promessas contratuais e enriquecer à custa do erário.
O Ministério Público do Distrito Federal está de olho na agência prodígio. Um procurador ouvido por ISTOÉ disse que a contratação pode esconder o crime de superfaturamento, geralmente praticado com o aval do órgão. No Senado, essa conivência já rendeu à Turismo Pontocom mais de R$ 1,3 milhão só este ano. "É preciso ficar atento aos exageros cometidos por essas agências. E os órgãos precisam impor limites de gastos nos editais de contratação", disse o integrante do MP. O primeiro-secretário da Casa, Cícero Lucena (PSDB-PB), responsável por avalizar a contratação da agência no ano passado, disse à ISTOÉ que vai instalar uma comissão de sindicância para investigar a legalidade dos preços cobrados pela novata Turismo Pontocom. "Vamos apurar cada compra", disse ele. Procurados pela reportagem de ISTOÉ, os donos da agência de viagens que opera no Senado preferiram não se pronunciar. A reação do primeiro-secretário do Senado foi resultado de um pedido formal de apuração encaminhado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). O parlamentar ficou indignado ao constatar que o preço da passagem emitida pela agência do Senado para o trecho Brasília-Montevidéu era mais que o dobro do que a comprada por sua esposa no mesmo voo. Enquanto seu bilhete custou R$ 3.414, o dela saiu por R$ 1.654. "Isso é apenas uma amostra do abuso que vem sendo praticado com o dinheiro público. E essa não foi a primeira vez, não é o único caso", critica. E não é mesmo. Os pacotes de viagens fornecidos pela empresa para parlamentares que viajam frequentemente ao Uruguai para participar das reuniões do Parlasul custam 25% a mais do que se a compra fosse feita no mercado por qualquer cidadão comum.
A agência do Senado abusa ainda mais nos preços dos voos nacionais, que deveriam ser adquiridos diretamente pelos gabinetes, como a Mesa Diretora já havia orientado em situações anteriores. Ao emitir bilhetes para os senadores viajarem a seus Estados, os preços pagos são escandalosos. Para Maceió, por exemplo, um passageiro comum encontra bilhetes não promocionais que custam em média R$ 350. Os políticos alagoanos, no entanto, não viajam por menos de R$ 1 mil. Para Porto Velho, os abusos não são diferentes. Enquanto empresas aéreas registram opções de voo a partir de R$ 600, o registro dos preços pagos pelo Senado mostra valores que passam de R$ 2.900. Alarmada com a situação, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) orientou seu gabinete a emitir suas passagens diretamente, evitando a Turismo Pontocom. "Isso já resultou em economia. Dos R$ 35 mil mensais que tenho para usar em passagens, gasto cerca de 30%. Dá mais trabalho porque é preciso fazer pesquisas. Mas acho que essa deveria ser a regra para todos", diz a senadora. Ana Amélia é autora de um projeto que proíbe a cobrança de multas para remarcações de passagens. Para ela, a mudança seria boa também para o Senado, já que a alegação mais usada para justificar os preços altos é a necessidade de remarcar voos.
No Ministério Público do DF tramitam 19 investigações contra agências de turismo que mantiveram contratos com a administração pública nos últimos anos. Na maioria dos casos, as licitações são ganhas com a promessa de preços "impraticáveis". O modo de operar é semelhante ao da Turismo Pontocom. Há consenso entre os procuradores do MP de que alguma medida deve ser adotada para frear a gastança com viagens. Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens, Carlos Vieira, o esquema dos descontos virtuais tem sido um grande problema enfrentado por quem opera legalmente. "Casos como esse acontecem em muitos órgãos. Para ganhar a licitação e pegar o contrato, agências propõem descontos no preço final que, se concretizados, fariam com que elas pagassem para funcionar. Como ninguém topa trabalhar no vermelho, o jeito encontrado por elas é burlar as regras e buscar outras formas para ter lucro. Somente uma lei pode parar isso", diz Vieira. Pelo menos seis processos estão em fase final de investigação no Ministério Público. Enquanto isso, algumas agências continuam prestando serviços a órgãos do governo. A Distak Turismo, por exemplo, apesar de investigada, assinou contrato com o Ministério do Trabalho no inicio deste ano. As apurações caminham a passos lentos devido a dificuldade para provar a ficção dos descontos oferecidos.
O esquema do desconto fictício não é novidade no Senado. Em dezembro de 2010, o então primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) instaurou uma investigação para apurar o superfaturamento nos serviços prestados pela Sphaera Turismo, que por seis anos atuou sozinha na emissão das passagens para senadores, graças à promessa de conceder desconto final de 17%. Os três servidores que analisaram os gastos e os valores pagos concluíram que os preços estratosféricos das passagens emitidas pela agência eliminavam as vantagens oferecidas pela Sphaera Turismo durante o processo licitatório. Os detalhes da auditoria foram encaminhados no ano passado ao primeiro-secretário Cícero Lucena (PSDB-PB). Apesar de o relatório apontar dados que mostram um prejuízo estimado em R$ 300 mil, nenhuma providência foi tomada. A sindicância repousa em uma gaveta sem sanções aos envolvidos. A expectativa, agora, é que a nova sindicância aberta para investigar a legalidade dos preços cobrados pela Turismo Pontocom não tenha o mesmo destino.
Izabelle Torres
Em uma pequena sala no subsolo de um dos anexos do Senado funciona a empresa Turismo Pontocom. Criada há cerca de dois anos, com quatro sócios e capital social de R$ 200 mil, a pequena e desconhecida agência conseguiu o que tantas outras grandes do setor anseiam: fechou em agosto passado um contrato para fornecer passagens para os senadores, num concorrido negócio de R$ 2,6 milhões, que deve chegar a R$ 6,5 milhões até 2013, após a assinatura de dois termos aditivos. O que se descobre agora, 11 meses depois, é que a empresa só conseguiu desbancar a concorrência graças a uma manobra. Durante o processo de licitação, a Turismo Pontocom ofereceu desconto final de 5% sobre o volume total das vendas. Até aí, aparentemente, nada havia de irregular. O problema é que parlamentares e órgãos de fiscalização interna fizeram as contas e constataram que, para cumprir a meta do desconto e acumular lucros, a agência está vendendo passagens aos senadores com preços no mínimo 50% mais altos do que os de mercado. Mas há vários casos em que seus preços mais do que dobram. A tabela da agência que atende ao Senado parece ser uma estratégia para driblar as promessas contratuais e enriquecer à custa do erário.
O Ministério Público do Distrito Federal está de olho na agência prodígio. Um procurador ouvido por ISTOÉ disse que a contratação pode esconder o crime de superfaturamento, geralmente praticado com o aval do órgão. No Senado, essa conivência já rendeu à Turismo Pontocom mais de R$ 1,3 milhão só este ano. "É preciso ficar atento aos exageros cometidos por essas agências. E os órgãos precisam impor limites de gastos nos editais de contratação", disse o integrante do MP. O primeiro-secretário da Casa, Cícero Lucena (PSDB-PB), responsável por avalizar a contratação da agência no ano passado, disse à ISTOÉ que vai instalar uma comissão de sindicância para investigar a legalidade dos preços cobrados pela novata Turismo Pontocom. "Vamos apurar cada compra", disse ele. Procurados pela reportagem de ISTOÉ, os donos da agência de viagens que opera no Senado preferiram não se pronunciar. A reação do primeiro-secretário do Senado foi resultado de um pedido formal de apuração encaminhado pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). O parlamentar ficou indignado ao constatar que o preço da passagem emitida pela agência do Senado para o trecho Brasília-Montevidéu era mais que o dobro do que a comprada por sua esposa no mesmo voo. Enquanto seu bilhete custou R$ 3.414, o dela saiu por R$ 1.654. "Isso é apenas uma amostra do abuso que vem sendo praticado com o dinheiro público. E essa não foi a primeira vez, não é o único caso", critica. E não é mesmo. Os pacotes de viagens fornecidos pela empresa para parlamentares que viajam frequentemente ao Uruguai para participar das reuniões do Parlasul custam 25% a mais do que se a compra fosse feita no mercado por qualquer cidadão comum.
A agência do Senado abusa ainda mais nos preços dos voos nacionais, que deveriam ser adquiridos diretamente pelos gabinetes, como a Mesa Diretora já havia orientado em situações anteriores. Ao emitir bilhetes para os senadores viajarem a seus Estados, os preços pagos são escandalosos. Para Maceió, por exemplo, um passageiro comum encontra bilhetes não promocionais que custam em média R$ 350. Os políticos alagoanos, no entanto, não viajam por menos de R$ 1 mil. Para Porto Velho, os abusos não são diferentes. Enquanto empresas aéreas registram opções de voo a partir de R$ 600, o registro dos preços pagos pelo Senado mostra valores que passam de R$ 2.900. Alarmada com a situação, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) orientou seu gabinete a emitir suas passagens diretamente, evitando a Turismo Pontocom. "Isso já resultou em economia. Dos R$ 35 mil mensais que tenho para usar em passagens, gasto cerca de 30%. Dá mais trabalho porque é preciso fazer pesquisas. Mas acho que essa deveria ser a regra para todos", diz a senadora. Ana Amélia é autora de um projeto que proíbe a cobrança de multas para remarcações de passagens. Para ela, a mudança seria boa também para o Senado, já que a alegação mais usada para justificar os preços altos é a necessidade de remarcar voos.
No Ministério Público do DF tramitam 19 investigações contra agências de turismo que mantiveram contratos com a administração pública nos últimos anos. Na maioria dos casos, as licitações são ganhas com a promessa de preços "impraticáveis". O modo de operar é semelhante ao da Turismo Pontocom. Há consenso entre os procuradores do MP de que alguma medida deve ser adotada para frear a gastança com viagens. Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens, Carlos Vieira, o esquema dos descontos virtuais tem sido um grande problema enfrentado por quem opera legalmente. "Casos como esse acontecem em muitos órgãos. Para ganhar a licitação e pegar o contrato, agências propõem descontos no preço final que, se concretizados, fariam com que elas pagassem para funcionar. Como ninguém topa trabalhar no vermelho, o jeito encontrado por elas é burlar as regras e buscar outras formas para ter lucro. Somente uma lei pode parar isso", diz Vieira. Pelo menos seis processos estão em fase final de investigação no Ministério Público. Enquanto isso, algumas agências continuam prestando serviços a órgãos do governo. A Distak Turismo, por exemplo, apesar de investigada, assinou contrato com o Ministério do Trabalho no inicio deste ano. As apurações caminham a passos lentos devido a dificuldade para provar a ficção dos descontos oferecidos.
O esquema do desconto fictício não é novidade no Senado. Em dezembro de 2010, o então primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) instaurou uma investigação para apurar o superfaturamento nos serviços prestados pela Sphaera Turismo, que por seis anos atuou sozinha na emissão das passagens para senadores, graças à promessa de conceder desconto final de 17%. Os três servidores que analisaram os gastos e os valores pagos concluíram que os preços estratosféricos das passagens emitidas pela agência eliminavam as vantagens oferecidas pela Sphaera Turismo durante o processo licitatório. Os detalhes da auditoria foram encaminhados no ano passado ao primeiro-secretário Cícero Lucena (PSDB-PB). Apesar de o relatório apontar dados que mostram um prejuízo estimado em R$ 300 mil, nenhuma providência foi tomada. A sindicância repousa em uma gaveta sem sanções aos envolvidos. A expectativa, agora, é que a nova sindicância aberta para investigar a legalidade dos preços cobrados pela Turismo Pontocom não tenha o mesmo destino.
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