1) Historicamente o Senado
Federal cassou apenas dois membros da Casa. O que pesou mais contra Demóstenes?
As evidências (em ligações telefônicas gravadas) ou o perfil moral que ele
sustentou durante todos esses anos?
R: O jurista Dalmo Dallari sustenta que o Senado foi criado para representar
as oligarquias regionais, espelhado nos EUA. Se ele está correto, estamos
diante de uma casa parlamentar com vícios em sua origem. Há uma certa tradição
em se criar um fortíssimo espírito de corpo. O caso Demóstenes foi, assim, um
sacrifício para salvar os dedos. O Senado, agora, se recompõe e a CPI entra em
Banho Maria.
2) Os senadores vítimas do
discurso moralista de Demóstenes não pouparam críticas ao "personagem que
ele criou". Há também certo revanchismo?
R: Claro que sim. Ainda mais em ano eleitoral. Se há um código de convivência
e auto-preservação no Senado, Demóstenes foi o primeiro a romper. Bebeu na água
que ofereceu, ao final. Aliás, esta foi uma das poucas passagens no seu
discurso final que fazia sentido.
3) O sr. compartilha da visão
de outros estudiosos que avaliam o Senado como uma instituição fraca e
moralmente corrompida?
R: Sim. Não há motivo algum para termos um sistema bicameral no
Brasil. Como já afirmei, sua origem é anti-democrática. Aliás, somente a
América possui mais países com sistema bicameral que unicameral. A cada dois países,
no mundo, com Câmara Baixa e Câmara Alta, existem outros três com apenas uma
casa parlamentar federal. Manter um senador custa 5 vezes mais aos brasileiros
que um deputado federal. Não tem sentido algum. Mesmo porque, o Senado não
defende os interesses das federações. Não consegue decidir sobre a partilha dos
royalties, sobre a guerra fiscal (e a reforma tributária), sobre a dívida dos
Estados com a União. Aliás, já se trata de uma pretensão um representante de um
território, se sabemos que todo território é um espaço de disputa de
interesses. Representa quem, cara pálida?
4) O sr. acha que a população
vê com descrédito o Congresso brasileiro?
R: Obviamente. Só 21% dos brasileiros crêem no Congresso. Apenas os
partidos (com 8%) estão abaixo do Congresso Nacional, segundo levantamento realizado
pela Escola de Direito da FGV de São Paulo, em fevereiro deste ano.
5) O Senado sai fortalecido
após a cassação de Demóstenes? A partir do fato, a percepção da população em
relação à Casa pode mudar?
R: De maneira alguma. Digamos que há um enorme déficit histórico em relação
à representação e fidelidade com valores, crenças e aspirações da população
brasileira.
5) Com a saída de cena de
Demóstenes, a Monte Carlo se esvazia ou ganha fôlego para investigar outros
quadros políticos, como é o caso dos governadores do DF e GO e do deputado
federal tucano Carlos Alberto Leréia?
R: O esvaziamento será a tônica. Fruto de um acordão entre todos envolvidos,
que perpassa por quase todo sistema partidário, governos estaduais e
municipais, muitas entidades e instituições. Assim como a reforma política,
este tema é por demais importante para os cidadãos para deixarmos o Congresso
decidir sozinho.
6) Demóstenes teve dois milhões
de votos em Goiás, e Goiânia foi seu principal reduto eleitoral. A queda dele
tem maior impacto no Estado?
R: Imagino que sim. Mas perceba que não se trata de uma pessoa, mas de
uma esquema, com muitas ramificações. Poderíamos até afirmar que se trata de um
Estado paralelo, mas é algo pior. É um parasitismo sistêmico, que vive ás
custas da apatia do cidadão e da total falta de controle social sobre os órgãos
públicos. Vou mais longe: temos uma rede de conselhos de gestão pública (saúde,
educação, direitos da criança e adolescente, desenvolvimento rural sustentável,
meio ambiente, entre outros) que não consegue nem mesmo fiscalizar este desvio
das políticas públicas. São 30 mil conselhos no Brasil. Não daria para fazer
uma rede de controle social? O que fazem, afinal? Vários deles possuem fundos
especiais, oriundos de recursos públicos e doações. Qual é a transparência e
uso deste dinheiro? O problema não está apenas no Estado. Está na nossa
sociedade.
7) Foram 56 votos favoráveis à
cassação, 19 contra e 5 abstenções. Como o sr. analisa o placar final tendo em
vista que 24 senadores se mostraram contrários à cassação.
R: Espírito de corpo e, quem sabe, preservação.
Num país sério, a imprensa e órgãos de representação da sociedade civil
deveriam interpelar esses representantes para sabermos seus motivos. Este voto
não pode ficar impune ou sem explicação
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