Trabalhei, logo no início da minha carreira como sociólogo, como consultor do CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores, vinculado à Camargo Correia). Fazia parte de uma equipe que analisava as características de sociabilidade das comunidades que seriam desapropriadas para construção de hidrelétricas. Lembro de um caso que me marcou muito, na fronteira do Paraná com Santa Catarina, quando da construção da Hidrelétrica de Segredo. Em determinado momento, algumas famílias pararam de produzir, muitos meses antes da região onde estavam ser inundada. A diretoria da COPEL, concessionária paranaense, ficou de cabelos em pé e nos pediu para analisar o que ocorria. Fizemos várias entrevistas em profundidade e percebemos que a principal motivação era de cunho religioso porque a população imaginava que a inundação seria, de fato, um dilúvio divino que encerraria a aventura humana. A resignação vinha daí. A diretoria da COPEL ficou estarrecida e não entendia nada. Porque engenheiros foram formados para não entender humanos e seus sentimentos.
Pois bem, acabo de ser entrevistado por um jornalista de Juiz de Fora que me informa que as famílias que foram transferidas, de vários lugares, para as casas do PAC estão enfrentando a revolta de um bairro próximo. As famílias sorteadas e beneficiadas pelo Minha Casa, Minha Vida não se conhecem. E os vizinhos também não reconhecem neles alguém confiável. O Estado, mais uma vez, comete os mesmos erros do regime militar, quando daquele ciclo de grandes obras: não reconhece que a vida não se resume à casa, comida e médico. A identidade social se faz por meio de equipamentos culturais que geram unidade e identidade: igrejas, praças, cinemas, farmácias. Algo que Ítalo Calvino já nos ensinou ao dizer que as marcas de mãos continuam inscritas em cada corrimão, assim como as marcas dos sapatos continuam nas calçadas. Mas o Estado desconsidera isto ao pensar no mero assentamento urbano. E desconhece o vizinho que acolhe quando um idoso adoece ou quando um casal precisa de alguém confiável para deixar o filho à noite. Isto não entra no planejamento do Estado brasileiro, marcado pela burocracia e pelo patrimonialismo.
Tudo parece se repetir. Até o nome do bairro em Juiz de Fora onde ocorre a tragédia, conflito aberto, com polícia enfrentando coquetéis Molotov.
O nome do bairro, em Juiz de Fora, é Sagrado Coração de Jesus.
Um comentário:
Professor Rudá,
Isso me lembra o curso que fiz na GTZ sobre Metodologia de Planejamento de Projetos por Objetivos (MPPO), lá pelos anos 90. Eles contaram sobre as experiências da GTZ na África e mostraram como isso acontece. Não é possível planejar a vida do outro...Sem que esse "outro" participe do planejamento.
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