A esquerda brasileira
Zander Navarro
(1) Trata-se de campo político com graves "problemas de
nascença", os quais marcaram (e vem marcando) a sua trajetória e
operacionalidade no país. Dois desses problemas: sempre fomos uma esquerda que
não lê, não reflete e é extremamente paroquial, ignorando o que ocorre no
mundo. Segundo, sempre foi uma esquerda marcadamente autoritária, refletindo a
nossa cultura conservadora e hierárquica;
(2) Por tais razões, é um campo político (em todos os seus subgrupos)
que jamais valorizou devidamente o tema "democracia", entendido pela
maioria como sendo não mais do que uma "forma de governo", ou um
aspecto apenas coadjuvante;
(3) A pobreza política da esquerda brasileira é, desta forma,
fortemente influenciada pela pobreza política da vida social brasileira, sempre
aberta ao pensamento mágico, ao autoengano e aos delírios programáticos - que o
digam as tantas edições do FSM realizadas em Porto Alegre, os quais, longe de
serem momentos de debate real e crescimento político, foram apenas
"happenings" de divertimento e de reafirmação das ilusões perdidas;
(4) Ao desprezar a democracia e sequer conhecer a história do
"ideal democrático", é um campo político que reitera como único ente
transformador o Estado, rebaixando as possibilidades da ação cidadã e a
participação social autônoma;
(5) Por ser muito fraco em termos de reflexão e análise, é também um
campo político incapaz de confrontar-se com as necessidades de interpretação
sobre as mudanças contemporâneas, os novos processos econômicos e sociais e a
verdadeira revolução tecnológica da qual somos protagonistas. Deixo um exemplo:
quem ainda usaria, seriamente, uma das categorias fundantes das narrativas da
esquerda - o conceito de "classe social"?
(6) Sem outros diagnósticos adicionais (e seriam inúmeros), três temas
bastariam para indicar a incapacidade do campo político da esquerda de se
analisar devidamente e, ao assim proceder, analisar a sociedade onde está
situado.
Primeiro: a noção de "exclusão social", tão incensada pela
esquerda, por ser meramente um indicador de carências de indivíduos e nunca
relacional (como o conceito de classe social) contribuiu (e vem contribuindo)
fortemente para despolitizar a sociedade e rebaixar inteiramente os conflitos
sociais no imaginário coletivo.
Segundo: "nunca antes na história desse
país" houve tanta concentração da riqueza, ampliando espantosamente a desigualdade
social, como ocorreu nos anos mais recentes, quando se expandiu a economia
brasileira. Mas o campo político da esquerda prefere fechar seus olhos para tal
fato e prefere, com ingenuidade igualmente espantosa, valorizar a redução das diferenças
de renda pessoal, de acordo com os levantamentos que conseguem apurar os níveis
de renda. Ignorar as diferenças (práticas e reais) entre riqueza e renda é um
dos tantos erros da esquerda brasileira.
Terceiro: quando alguém terá a coragem de desmitificar os anos
recentes da esquerda no poder e analisar com mais frieza o (também espantoso)
processo de despolitização que observamos (corretamente deveria ser dito: a
"idiotização" dos cidadãos), infantilizando a vida política com
alianças absolutamente espúrias, acordo de todos os tipos, "bolsas"
que apenas cooptam e amordaçam os indivíduos, a inacreditável cooptação da
maior parte da intelectualidade (e assim a ausência de vozes independentes e
críticas), entre tantas ações organizadas apenas a partir da estratégia do
"poder pelo poder";
(7) Tudo somado, é sombria a conclusão mais geral: a esquerda
brasileira foi ferida mortalmente e parece agonizar definitivamente. Como antes
enfatizado por outro comentário, a postura em alguma proporção anticapitalista
(ainda que levemente) foi totalmente abandonada na prática, nada ficando em seu
lugar, exceto a mera postura reivindicatória em relação ao Estado. A política
macroeconômica é estritamente a mesma de um receituário que se tornou
mundializado, a vida política banalizou-se a níveis deploráveis e o significado
transformador da democracia jamais foi sequer percebido por este campo
político. Significaria apenas "garantir direitos", como antes
afirmado? Sim, faz parte esse objetivo, mas as democracias eleitorais com economias
liberais alcançaram o mesmo resultado, nos países do capitalismo avançado e,
portanto, o que diferenciaria a esquerda?
2 comentários:
Tenho uma série de discordâncias com as colocações de Navarro nesse texto, que tendem a considerar principalmente o microambiente universitário e estudos históricos quanto a posição da esquerda no Brasil entre o Tenentismo e a "Nova República", o que além de ser uma visão reducionista, considera pouco a transição política mais recente, tendendo seja para a linha da "social-democracia" seja para a linha do puro e simples populismo.
Tenho sérias discordâncias quanto a este texto, por ele considerar de forma muito parcial a conjuntura política da "esquerda" brasileira no momento mais recente.
Há um reducionismo gritante na análise colocada, que me parece uma visão bem reduzida no entorno das discussões no microcosmo universitário, permeadas ora pela análise histórica, ora pelas posições políticas expressadas seja pelos radicais, seja pelos representantes do status quo hoje governante.
Tal análise sintetizada comete várias injustiças ao não considerar os vários fatores que entram na composição do complexo quadro político brasileiro atual.
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