domingo, 9 de dezembro de 2012

Versão francesa do lulismo?

Recebo mensagem do José Jesus, um dos mais engajados educadores da área rural do país, questionando se o recente artigo publicado no Le Monde sobre o "hollandismo" não teria paralelo com o lulismo.
Vou dar dois passos. O primeiro, divulgo excertos do artigo destacado (abaixo, numa tradução livre) e em outra postagem, respondo à questão-provocação. Vamos ao artigo

Qu'est-ce que le "hollandisme" ?

Por Laurent Bouvet, professor de Ciência Política
 
(...) Depois de seis meses no poder, quem pode dizer com certeza o que o hollandisme? (...) O tempo político vem sofrendo uma aceleração dramática - agravada pela prática Sarko - a partir das informações contínuas difundidas na Internet. As atividades intensas também refletem a perplexidade com a ação do chefe de Estado.(...)  Emmanuel Todd [cientista político, demógrafo, historiador e ensaista francês] levantou, durante a campanha,  a provocativa hipótese do surgimento de um "hollandisme revolucionário", a partir de um método de governo prometido e da personalidade do candidato. Seria a possibilidade do mandato de um grande presidente de esquerda que, graças à eficácia de suas ações, mais do que seu senso de história trágica, mudaria a sociedade francesa, reorientando suas escolhas econômicas, definindo o destino europeu e garantindo uma maior igualdade entre os seus cidadãos. Em suma, a reconciliação da França que estaria divorciada de si nos últimos anos.
A despeito da hipóteseo método de administração do Presidente da República continua em suspeição: é mais eficaz, porque mais flexível do que os outros, e em particular, de seu antecessor? As transformações em curso são mais promissoras por serem mais conservadorsas É mais "revolucionária" por ser menos espetacular?
O que impressiona em primeiro lugar no método de governo do chefe de Estado, é o seu senso de equilíbrio e sua busca permanente de compromisso entre interesses opostos, se não antagônicos. Todas as interpretações são possíveis: sentido tático agudo, cautela excessiva, indecisão crônica ...
O mais recente episódio, o Florange [envolvendo negociações muito duras entre governo, centrais sindicais e a Arcelor Mittal a respeito da manutenção - e garantia de empregos - da planta industrial de Florange), deu um exemplo paradoxal. O presidente pareceu concordar com Arnaud Montebourg e Jean-Marc Ayrault [ministro da recuperação produtiva e primeiro ministro], enquanto eles expressaram posições difíceis de conciliar.
A recusa em permitir a imposição de escolhas é provavelmente o que melhor caracteriza Holland. Daí a posição permanente de ser o ponto de encontro de forças diferentes, muitas vezes conflitantes. A recusa de conflito aberto (...).
Essa prática de poder, que já era visível no primeiro-secretário do Partido Socialista por dez anos, destaca um segundo recurso de hollandisme: a rejeição de qualquer posição doutrinária definitiva e fixa.
O pragmatismo da ação não é cinismo, no entanto. Está ancorado no reformismo socialdemocrata, como o dos países do norte da Europa. É, ainda, seu compromisso a construção européia, como herdeiro de François Mitterrand e de Jacques Delors. (...) Este reformismo socialdemocrata é visto como uma traição por parte esquerda que exige pureza ideológica. (...) Para alguns de esquerda, não se trata de sinal de mente prudente, mas fraqueza doutrinária, fadada ao fracasso.
Contudo, o hollandisme se propõe a ratificar, no exercício do poder, o fim da história de uma esquerda francesa marcada por sacrifícios tão dramáticos quanto as suas promessas. Em resumo, não promete o que tem chances de não ser alcançado.
Se hollandisme é principalmente uma prática pragmática do poder, é tambémexercício de uma particular sociologia de Estado. A chegada da esquerda ao poder, de fato, resultou em um retorno de ex-alunos da ENA (e simbolicamente, alguns colegas do presidente). É provavelmente neste reversão sociológico da elite dominante que a mudança foi mais dramática. Sarkozy deslocou o centro de gravidade da elite dominante para o setor privado. A diferença de perfil e experiência dos dois presidentes desempenha um papel crucial neste sentido. Mas também podemos ver uma diferença estrutural emergente nos últimos anos, entre uma linha reta, mais agressiva, contra o público e o papel do Estado em si, e o governo de esquerda, cujo fundamento sociológico é focado nos funcionários públicos e comunidades locais.
O hollandisme sugere, ainda, uma questão relacionada à perspectiva histórica: o da esquerda francesa e sua relação com o poder. É um pragmatismo cauteloso, desideologizado, que se propõe às mudanças que a esquerda continua a ser portadora, ou uma mero voluntarismo, confrontado com a realidade cujo alcance é limitado?
Uma questão aguda num momento histórico crucial para a esquerda e para a França.

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