Carta Aberta a um
Delegado de Polícia ou Respondendo à Intimidação por parte do clube militar.
Delegado,
Dois policiais vieram ontem à minha residência entregar intimação para
prestar declarações a fim de apurar atos de "Constrangimento ilegal
qualificado – Tentativa - Autor", informa o ofício recebido. Meu advogado
apurou tratar-se de denúncia ou queixa ou sei lá o quê, por parte do
"presidente do clube militar" (em letra minúscula mesmo, de
propósito).
Informo que na data da manifestação, 29 de março de 2012, estava
recém-operado, infelizmente impedido de participar de ato público contra uma
reunião de sediciosos, os quais, contrariando à determinação da Exma. Sra.
Presidenta da República, comemoravam o aniversário da tenebrosa ditadura, que
torturou, matou, roubou e desapareceu com opositores do regime. Entre os
presentes estava o matador do Grande Herói da Pátria, Capitão Carlos Lamarca, e
seu companheiro Zequinha - doentes, esquálidos, sem força, encostados numa
árvore. Zéquinha e Lamarca foram fuzilados sem dó, nem piedade, quando a lei e a
honra determinam colocá-los numa maca e levá-los para um hospital para prestar
os primeiros socorros. Essa gente estava lá, não eu. Eles é que devem ser
investigados. Eu farei um filme enaltecendo o Capitão Lamarca e seu bravo
companheiro Zequinha.
Tenha certeza, Delegado, de que, enquanto eu tiver forças, me
manifestarei contra o arbítrio e a violência das ditaduras e, já que o Sr. está
conduzindo o inquérito, procure apurar se o canalha que prendeu, torturou e
humilhou minha mãe nas dependências do Doi-Codi participou do "festim
diabólico". Isso sim é Constrangimento Ilegal. E já que se trata de
assunto de polícia, aproveite para pedir ao "constrangedor ilegal"
que ficou com o relógio da minha mãe - ela entrou com o relógio no Doi-Codi e
saiu sem ele - que o devolva. Processe-o por "apropriação indébita,
seguida de roubo qualificado (foi à mão bem armada)". É fácil encontrar o
meliante. Comece pelo Comandante do quartel da Barão de Mesquita em janeiro de
1971. Já que eles reabriram o assunto, o senhor pode desenterrar o processo. É,
Delegado, o que eles fizeram durante a ditadura é mais assunto de polícia do
que de política!
Pergunte ao queixoso presidente do clube militar se ele tem alguma
pista do paradeiro do Deputado Rubens Paiva. Terá sido crime cometido por algum
participante da festa macabra, onde, comenta-se, havia vampiros fantasiados de
pijama?
Tudo o que fiz foi um chamamento pelo youtube convidando as pessoas a
se manifestarem contra as comemorações do golpe de 64. Se este general
entendesse ou respeitasse a lei, não teria promovido a festa e, tendo algo
contra mim, deveria tentar me enquadrar por "delito de opinião" mas
aí, na fotografia, ele ficaria mais feio do que é, não é mesmo?
Por fim, quero manifestar minha solidariedade aos que protestaram
contra o "festim diabólico" e foram tratados de forma truculenta, à
base de gás de efeito moral, spray de pimenta e choque elétrico - como nos
velhos tempos. Bastaria umas poucas grades para separar os manifestantes do
povo, que estavam na rua, aos sediciosos que ingressavam no clube. Há muitos
poderia causar a impressão de estar visitando um zoológico e assistindo a um
desfile de símios. Não perca tempo comigo e com a ranhetice de um bando de
aposentados cri-cri, aporrinhando a paciência de quem tem mais o que fazer.
Pura nostalgia da ditadura, eles se portam como se ainda estivessem em posição
de mando.
Atenciosamente,
Silvio Tendler
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