quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Entrevista sobre a eleição de Collor e o papel da imprensa

Entrevista para estudantes de jornalismo da UFMG:


1) Após a agitação de 1984, com a eleição de Tancredo Neves, o fracasso do governo Sarney no combate a inflação e fracas instituições políticas, veio em 1989 a expectativa de um novo “salvador da pátria”, simbolizado na figura de Fernando Collor. Atualmente vemos uma relação de desilusão do eleitorado com a política no Brasil.
O que levou a população ao desinteresse generalizado com a vida política? De que forma a atuação da imprensa influenciou nesse quadro?
R: Acredito que duas situações que acabaram convergindo. A primeira, frustração pelo resultado final de toda esta mobilização. Os mesmos continuaram e até Collor retornou, como senador. Há, ainda, a inclusão social de 40 a 45 milhões de brasileiros pelo consumo, via Bolsa Família, crédito consignado e aumento real do salário mínimo. Esta situação já havia ocorrido nos EUA durante a década de 1950. Quando uma massa imensa é inserida pelo consumo, e não pelo direito ou pela política, emerge um profundo individualismo das famílias que procuram garantir este novo padrão de vida. Sobressai o pragmatismo e a despolitização geral. Os dados que temos sobre o perfil desta “Classe C” (na verdade, não podemos afirmar que se trata de uma nova classe social, mas de elevação da renda dos trabalhadores) retrata exatamente isto. O que conta, hoje, é o cinismo e não o engajamento. A revolta, que alimentava as mobilizações de rua, diminuiu em muito. Veja o caso das centrais sindicais ou movimento estudantil: ambos são financiados pelo Estado.


2) No dia 13 de dezembro daquele ano, a Folha divulgou uma pesquisa feita pelo Datafolha entre os leitores do jornal, que indicava que 58% julgaram que a cobertura da Folha era imparcial, enquanto 20% consideraram pró-Lula e 12% pró-Collor.
Como você, que viveu intensamente aquele período, avalia a atuação do veículo paulista?
R: Naquele período a Folha assumiu uma postura liberal clássica, de defesa dos direitos civis e da liberdade de imprensa. Não estava partidarizada até então. Mas, com o advento do lulismo a grande imprensa foi se partidarizando mais e mais. Recentemente, o publicitário Gaudêncio Torquato divulgou como o Estadão (jornal paulista que compete com a Folha) avaliava que a Folha confundia dado com fato real durante a Campanha das Diretas. Tancredo dizia que a Folha não sabia contar e que a emenda Dante de Oliveira não passaria. Era o tempo de engajamento civil da Folha.


3) O criador da campanha do PT em 1989, Paulo de Tarso, afirma que foi um erro do partido ter optado por não aceitar o apoio do PMDB, que detinha votos que poderiam alterar o resultado do pleito. Nas últimas eleições, o apoio do PMDB se não foi decisivo, assegurou vitórias mais expressivas ao Partido dos Trabalhadores na disputa presidencial.
Levando em consideração que com isso o Partido do Movimento Democrático Brasileiro ganhou mais espaço na pauta de decisões do governo, você vê como equivocada a decisão do PT em 89? Atualmente ela se justifica pelo jogo político?
R: São dois PTs muito distintos. O PT dos anos 1980 que vai até meados dos anos 1990 era dirigido por lideranças que tinham inspiração direta ou indireta na Teologia da Libertação e autores libertários. O nome do PT vem daí, de uma clara necessidade de existir um partido DOS trabalhadores e não PARA os trabalhadores. Esta era a diferença com os partidos comunistas e socialistas existentes no país. Era uma tentativa de organização de base, com ampla democracia de base, horizontalizado. Daí a ideia de núcleos de base do partido, instalados em locais de moradia e trabalho (algo que, afinal, não vingou). A partir de 1994, o partido passou a ser comandado pela burocracia construída por ex-militantes de organizações clandestinas. A formação deste pessoal não é de organização de massas ou respeito à participação, mas de partido de quadros, de vanguarda. Em outras palavras, não vejo possibilidade alguma do PT ter se aliado com o PMDB a partir do ideário que tinha naquele período. Ele era um partido transformador, cuja prática política no interior do partido já indicava as mudanças que pleiteava. A aliança com o PMDB já indicou, como é perceptível, que o PT não se colocava mais como partido da mudança, mas sim, partido da ordem.

4) A exibição pelo Jornal Nacional de uma versão editada do último debate entre os presidenciáveis foi geradora de muita polêmica na época. Pesquisa Datafolha de intenção de votos anterior ao debate indicava empate técnico entre os candidatos.
Na sua opinião, a edição que foi ao ar pelo JN distorceu o desempenho dos candidatos? Esse debate e seus desdobramentos foram decisivos para a derrota petista no dia 17 de dezembro?
R: Em parte, mas não saberia dizer com precisão qual o peso. O fato é que Lula perdeu fôlego no final de campanha. E havia uma orquestração para disseminar que a vitória dele seria a implantação de algo similar ao bolchevismo, distribuindo cômodos de casas particulares para famílias mais pobres, fazendo reforma agrária em pequenas propriedades. A orquestração foi muito forte nas duas últimas semanas da eleição. Também é importante afirmar que o PT não tinha estrutura partidária no nordeste. Grande parte da campanha foi desfechada por pessoas vinculadas à igreja católica, próximos à Teologia da Libertação. O pobre só começou a votar de maneira expressiva no PT a partir de 2006, já com todos programas de transferência de renda implantados por Lula.


5) No período que antecedeu a eleição de Collor, a revista Veja publicou matérias que reforçavam determinados preconceitos elitistas, sobretudo o medo em relação às esquerdas. Os nomes que representavam as legendas de esquerda, principalmente Lula e Brizola Lula, receberam críticas mais constantes que os outros políticos.
Mais de 20 anos depois, o que mudou na abordagem de assuntos políticos pela revista da Editora Abril?
R: Piorou. Ela se partidarizou profundamente. Faz campanhas, não jornalismo. Infelizmente. A questão é que a grande imprensa, como um todo, continua baseando sua linha editorial nos valores da classe média tradicional. Mas o fato é que este segmento social não forma mais opinião no país da “Classe C” (54% dos brasileiros estão, hoje, nesta faixa de renda). Os consumidores emergentes não leem jornais e revistas. Desconfiam delas (além de não terem hábito de leitura) porque foram ignorados quando não tinham significado econômico. Os editores de política não inovam, não percebem como atingir este segmento, como dialogar com seus valores, a não ser com jornais populares, que continuam trabalhando com a velha tríade sensacionalista: sexo, futebol e sangue.

6) Pouco tempo antes de eleito presidente, o ex-governador do pequeno estado de Alagoas passa a ser reconhecido em todo país como alguém capaz de fazer uma política diferente. Após eleição, com a sucessão de escândalos sobre o governo federal, a Rede estadunidense ABC chega a dizer que Collor começou como um John Kennedy brasileiro e acabou como Richard Nixon. Em um artigo postado no seu blog, você diz que Collor introduziu uma forma moderna de fazer campanha, focada no marketing político.
Sendo assim, Fernando Collor pode ser considerado um factoide, reforçado pelos grandes veículos de comunicação e sustentado por um contexto, para ser o candidato da direita?
R: Sim, foi um factoide. Havia uma crise dos partidos conservadores naquele período. Lembremos que praticamente todos partidos lançaram candidatos à Presidência da República, demonstrando que o campo estava absolutamente aberto, sem qualquer hegemonia de um agrupamento ou bloco. Collor soube construir um discurso para as massas excluídas, percebeu e traduziu o sentimento de revolta em relação à desigualdade social, sem ruptura com a ordem. Aliás, algo que o lulismo vai incorporar somente no final da década de 1990. Porque até o momento, os petistas vinculavam ruptura com a ordem com fim da desigualdade. Mas as pesquisas apontam que quando menor a renda, maior o medo com a ruptura, com manifestações de rua, com as greves (que geram desemprego). O binômio popular articula desejo de mudança com preservação da ordem. Collor soube traduzir este pensamento em discurso, com energia, como outsider (não contaminado pelos donos do poder), a partir de um cenário de crise de lideranças e de absoluta ausência de hegemonia. 

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