Alguns anos atrás, Marshall Berman, professor da Universidade da Cidade de New York e autor do badalado "Tudo o que é sólida desmancha no Ar" afirmou que Brasília só poderia ter sido feita por um stalinista. A crítica ácida pode parecer ainda mais desagradável no dia de hoje. Mas me parece importante relembrar porque é do debate político que a esquerda se alimenta (ou deveria se alimentar). Portanto, recuperar esta crítica me parece um quase tributo à Niemeyer porque dialoga com sua produção.
FOLHA – Ainda acha que Brasília é um mau exemplo de modernidade?
MARSHALL BERMAN - Com certeza. Quando ouvi falar pela primeira vez da cidade, pareceu-me que havia grande coisa lá. Mas os moradores viram que era um desastre levar a vida em uma cidade cujos segmentos não interagem.Se, ao sair do trabalho, você quisesse se reunir com alguém para tomar um café, precisaria tomar um ônibus para outra parte da cidade. Pareceu-me uma coisa perversa, pois, na maioria das vezes, as pessoas não acham que vale a pena.Brasília é construída de modo a evitar que as pessoas se encontrem. Perde-se muito do excitante, do especial da vida moderna. Ironicamente, a América Latina começa com algo como o modelo espanhol de urbanismo, as cidades construídas ao redor da “plaza mayor”.Em Brasília, Niemeyer [que organizou o concurso para escolha do Plano Piloto, vencido por Lucio Costa] não queria funis aonde todos confluíssem. É importante ver o que isso tem de antidemocrático
FOLHA – Projetos “extremos”, como o de Brasília, são uma coisa do século 20 ou ainda há demanda?
BERMAN – Será que Brasília era apropriada mesmo para os tempos de ontem? Só se você aceitar o modelo de Luís 14 em Versalhes, de o governo manter distância do povo. Luís 14 era um dos heróis de Le Corbusier. Para Niemeyer, seguidor de Le Corbusier e de Stálin, esse estilo de autocracia fazia sentido. Quando as pessoas exigem democracia (e cada vez mais povos fazem isso no mundo), querem o governo a seu alcance.
5 comentários:
Eu apenas lamento que até hoje ainda se faça a incrível confusão entre o autor do Plano Piloto de Brasília (que é, na realidade, o projeto urbanístico da cidade, cuja concepção e traços é de Lucio Costa) e os monumentos que foram, estes sim, projetados por Niemeyer. Lúcio Costa escrevera no Plano Piloto que a cidade deveria ter uma artéria monumental e, assim, nasceu o Eixo Monumental, cujo conjunto arquitetônico de prédios públicos é assinado por Niemeyer. Lucio Costa, se inscreveu quase que por aventura juvenil no concurso de projetos da nova capital.
Me parece um equívoco do Berman pq o projeto urbanístico de Brasília não é do Niemayer mas do Lúcio Costa. De resto, o modelo instalado em Brasilía de urbanização (que de fato é ruim)é o mesmo "carro centrado e anti-rua" que vemos hoje em todo projeto de bairro recente (o exemplo máximo no Rio de Janeiro é a Barra da Tijuca)que me parece que tem em Los Angeles o modelão. Portanto de "estalinista" não tem nada.
Reiterando esse espírito de diálogo crítico com a produção de Niemeyer, recomendo um excelente debate entre arquitetos brasileiros (com destaque para a fala de Pedro Arantes) sobre Niemeyer.
O debate pode ser visto no seguinte link do Youtube:
Parte 1
O vídeo é dividido em 5 partes, mas quem quiser ver as outras, acha-as facilmente a partir do link aqui informado
Olá Rudá,
Nunca tinha ouvido falar na crítica desse professor aí. De fato, conheço vários estudantes da arquitetura da UnB, onde Niemeyer foi professor, que não gostam das propostas dele. Sempre me pareceram críticas rancorosas, simplistas. O projeto geral de Brasília é sim um fracasso. Mas é preciso conhecer que na sua implantação, Lucio e Niemeyer não eram nada mais que funcionários do governo.
A gritante desigualdade socioespacial de Brasília, manifestada, principalmente, pela distância dos outros núcleos entre si e sua dependência do Plano Piloto em relação a serviços e empregos, é um fenômeno que vem sendo construído ao longo de décadas, para muito além das intervenções tanto de Niemeyer quanto de Lúcio Costa.
O Plano Piloto original era um documento simples, com linhas gerais, e que sofreu muita interferência do governo, pressão das construtoras, além da grande imigração a qual Brasília sujeitou-se no período da construção. Os critérios de resolução dos problemas habitacionais da Brasília pré-1960 não eram muito diferentes dos de hoje e, novamente, não eram objeto de avaliação do Lucio ou do Oscar, ficando a cargo dos tecnocratas da NOVACAP de então.
abraço,
Juliano Berquó,
Geógrafo formado pela UnB.
Primeiro, parabenizo você pela ousadia, de, neste momento, lançar um debate em algo que já virou um Mito, muito nocivo a cultura brasileira.
Importante notar que não há qualquer rancor a pessoa de Oscar Niemeyer da minha parte mas acho que seu post sublinha algo evidente e que os comentários até aqui confirmam nas entrelinhas: "uma quase unanimidade de que a Obra de Niemayer é genial e intocável".
Como dizia o genial frasista Nelson Rodrigues: " a unanimidade é burra".
Niemeyer pode ter mutas qualidades mas a que melhor identificou a pessoa foi a frase que ecoa por aí: " a vida é um sopro".
Há uma construção, muitas vezes por uma falta de opção induzida de um Genio da arquitetura brasileiro. Não é ´tão genial na arquitetura. Pode-se dizer que foi genial na autopromoção profissional.Estéticamente tem muitas obras discutíveis e mal realizadas no desenho. Algumas como o pilar da passarela do memorial da américa latína beira o ridículo até como escultura.Há muito a ser dito que não pode ser dito quando alguem é transformado em unanimidade.
Muitos observaram que o plano piloto é de lucio costa e não de Oscar.Mas a arquitetura é também de cunho e estética "stalinista". A pesar da iconografia das curvas livres todo modelo é neoclássico e imperial. A arquitetura de Oscar trabalhou em parceria com o "stalinismo" do plano piloto.O transporte público já era um fato quase centenário e criou=se uma monumentalidade para ver com os cavalos(hp) correndo. A cidade de brasília e seus monumentos são sim um panfleto, a crítica tem fundamento só se inclui a obra do Niemeyer. Ver um descolado do outro é um contrasenso.
Postar um comentário