Entrevista para estudantes de jornalismo da UFMG:
1) Após a agitação de 1984, com a eleição
de Tancredo Neves, o fracasso do governo Sarney no combate a inflação e fracas
instituições políticas, veio em 1989 a expectativa de um novo “salvador da
pátria”, simbolizado na figura de Fernando Collor. Atualmente vemos uma relação
de desilusão do eleitorado com a política no Brasil.
O
que levou a população ao desinteresse generalizado com a vida política? De que
forma a atuação da imprensa influenciou nesse quadro?
R:
Acredito
que duas situações que acabaram convergindo. A primeira, frustração pelo
resultado final de toda esta mobilização. Os mesmos continuaram e até Collor
retornou, como senador. Há, ainda, a inclusão social de 40 a 45 milhões de
brasileiros pelo consumo, via Bolsa Família, crédito consignado e aumento real
do salário mínimo. Esta situação já havia ocorrido nos EUA durante a década de
1950. Quando uma massa imensa é inserida pelo consumo, e não pelo direito ou
pela política, emerge um profundo individualismo das famílias que procuram
garantir este novo padrão de vida. Sobressai o pragmatismo e a despolitização
geral. Os dados que temos sobre o perfil desta “Classe C” (na verdade, não
podemos afirmar que se trata de uma nova classe social, mas de elevação da
renda dos trabalhadores) retrata exatamente isto. O que conta, hoje, é o
cinismo e não o engajamento. A revolta, que alimentava as mobilizações de rua,
diminuiu em muito. Veja o caso das centrais sindicais ou movimento estudantil:
ambos são financiados pelo Estado.
2) No dia 13 de dezembro daquele ano, a
Folha divulgou uma pesquisa feita pelo Datafolha entre os leitores do jornal, que
indicava que 58% julgaram que a cobertura da Folha era imparcial, enquanto 20%
consideraram pró-Lula e 12% pró-Collor.
Como
você, que viveu intensamente aquele período, avalia a atuação do veículo
paulista?
R:
Naquele
período a Folha assumiu uma postura liberal clássica, de defesa dos direitos
civis e da liberdade de imprensa. Não estava partidarizada até então. Mas, com
o advento do lulismo a grande imprensa foi se partidarizando mais e mais.
Recentemente, o publicitário Gaudêncio Torquato divulgou como o Estadão (jornal
paulista que compete com a Folha) avaliava que a Folha confundia dado com fato
real durante a Campanha das Diretas. Tancredo dizia que a Folha não sabia
contar e que a emenda Dante de Oliveira não passaria. Era o tempo de
engajamento civil da Folha.
3) O criador da campanha do PT em 1989,
Paulo de Tarso, afirma que foi um erro do partido ter optado por não aceitar o
apoio do PMDB, que detinha votos que poderiam alterar o resultado do pleito. Nas
últimas eleições, o apoio do PMDB se não foi decisivo, assegurou vitórias mais expressivas
ao Partido dos Trabalhadores na disputa presidencial.
Levando
em consideração que com isso o Partido do Movimento Democrático Brasileiro
ganhou mais espaço na pauta de decisões do governo, você vê como equivocada a
decisão do PT em 89? Atualmente ela se justifica pelo jogo político?
R: São dois PTs muito distintos. O PT
dos anos 1980 que vai até meados dos anos 1990 era dirigido por lideranças que
tinham inspiração direta ou indireta na Teologia da Libertação e autores
libertários. O nome do PT vem daí, de uma clara necessidade de existir um
partido DOS trabalhadores e não PARA os trabalhadores. Esta era a diferença com
os partidos comunistas e socialistas existentes no país. Era uma tentativa de
organização de base, com ampla democracia de base, horizontalizado. Daí a ideia
de núcleos de base do partido, instalados em locais de moradia e trabalho (algo
que, afinal, não vingou). A partir de 1994, o partido passou a ser comandado
pela burocracia construída por ex-militantes de organizações clandestinas. A
formação deste pessoal não é de organização de massas ou respeito à
participação, mas de partido de quadros, de vanguarda. Em outras palavras, não
vejo possibilidade alguma do PT ter se aliado com o PMDB a partir do ideário
que tinha naquele período. Ele era um partido transformador, cuja prática
política no interior do partido já indicava as mudanças que pleiteava. A
aliança com o PMDB já indicou, como é perceptível, que o PT não se colocava
mais como partido da mudança, mas sim, partido da ordem.
4) A exibição pelo Jornal Nacional de uma
versão editada do último debate entre os presidenciáveis foi geradora de muita
polêmica na época. Pesquisa Datafolha de intenção de votos anterior ao debate indicava
empate técnico entre os candidatos.
Na
sua opinião, a edição que foi ao ar pelo JN distorceu o desempenho dos candidatos?
Esse debate e seus desdobramentos foram decisivos para a derrota petista no dia
17 de dezembro?
R:
Em
parte, mas não saberia dizer com precisão qual o peso. O fato é que Lula perdeu
fôlego no final de campanha. E havia uma orquestração para disseminar que a
vitória dele seria a implantação de algo similar ao bolchevismo, distribuindo
cômodos de casas particulares para famílias mais pobres, fazendo reforma
agrária em pequenas propriedades. A orquestração foi muito forte nas duas
últimas semanas da eleição. Também é importante afirmar que o PT não tinha
estrutura partidária no nordeste. Grande parte da campanha foi desfechada por
pessoas vinculadas à igreja católica, próximos à Teologia da Libertação. O
pobre só começou a votar de maneira expressiva no PT a partir de 2006, já com todos
programas de transferência de renda implantados por Lula.
5) No período que antecedeu a eleição de
Collor, a revista Veja publicou matérias que reforçavam determinados
preconceitos elitistas, sobretudo o medo em relação às esquerdas. Os
nomes que representavam as legendas de esquerda, principalmente Lula e Brizola Lula, receberam
críticas mais constantes que os outros políticos.
Mais
de 20 anos depois, o que mudou na abordagem de assuntos políticos pela revista
da Editora Abril?
R: Piorou. Ela se partidarizou
profundamente. Faz campanhas, não jornalismo. Infelizmente. A questão é que a
grande imprensa, como um todo, continua baseando sua linha editorial nos
valores da classe média tradicional. Mas o fato é que este segmento social não
forma mais opinião no país da “Classe C” (54% dos brasileiros estão, hoje,
nesta faixa de renda). Os consumidores emergentes não leem jornais e revistas.
Desconfiam delas (além de não terem hábito de leitura) porque foram ignorados
quando não tinham significado econômico. Os editores de política não inovam,
não percebem como atingir este segmento, como dialogar com seus valores, a não
ser com jornais populares, que continuam trabalhando com a velha tríade
sensacionalista: sexo, futebol e sangue.
6) Pouco tempo antes de eleito presidente, o
ex-governador do pequeno estado de Alagoas passa a ser reconhecido em todo país
como alguém capaz de fazer uma política diferente. Após eleição, com a sucessão
de escândalos sobre o governo federal, a Rede estadunidense ABC chega a dizer
que Collor começou como um John Kennedy brasileiro e acabou como Richard Nixon.
Em um artigo postado no seu blog, você diz que Collor introduziu uma forma
moderna de fazer campanha, focada no marketing político.
Sendo
assim, Fernando Collor pode ser considerado um factoide, reforçado pelos
grandes veículos de comunicação e sustentado por um contexto, para ser o candidato
da direita?
R:
Sim,
foi um factoide. Havia uma crise dos partidos conservadores naquele período.
Lembremos que praticamente todos partidos lançaram candidatos à Presidência da República,
demonstrando que o campo estava absolutamente aberto, sem qualquer hegemonia de
um agrupamento ou bloco. Collor soube construir um discurso para as massas
excluídas, percebeu e traduziu o sentimento de revolta em relação à desigualdade
social, sem ruptura com a ordem. Aliás, algo que o lulismo vai incorporar
somente no final da década de 1990. Porque até o momento, os petistas
vinculavam ruptura com a ordem com fim da desigualdade. Mas as pesquisas
apontam que quando menor a renda, maior o medo com a ruptura, com manifestações
de rua, com as greves (que geram desemprego). O binômio popular articula desejo
de mudança com preservação da ordem. Collor soube traduzir este pensamento em
discurso, com energia, como outsider (não contaminado pelos donos do poder), a
partir de um cenário de crise de lideranças e de absoluta ausência de
hegemonia.