sexta-feira, 29 de março de 2013

A morte de Clô Orozco e a vida escancarada no século XXI

A morte de Chorão bombou nas redes sociais. Juventude, músico popular, uso de drogas, estilo de vida, compõem (ou repõem) aquilo que, desde os anos 1970, sobressai no mundo dos ícones da produção artística jovem. Mas, hoje, ao ler a manchete que noticia a morte de Clô Orozco, o sinal amarelo acendeu. Fui apresentado à produção de Clô pela amiga Hedla Tebet, cujo olhar para moda é, em si, uma arte.
Mas não é a produção em si que me chama a atenção, mas o fato de Clô aliar beleza, moda e pensamento progressista. Filha de pai comunista, se dizia a contradição em pessoa. Sofria de esquizofrenia paranoide e há registros de duas tentativas de suicídio. A Folha sugere que os custos de produção e a concorrência aberta instalaram crise no nicho de luxo brasileiro. Pode ser, mas acredito que esta é a ponta do iceberg.
Há muitos ensaios que indicam que se o século XX tinha como problemas de saúde mais frequentes os esforços repetitivos, de natureza física (afetando articulações e músculos), o século XXI teria como problemas de saúde em escala questões mentais (ansiedade e depressão).
O mundo contemporâneo encurtou o tempo de produção e a exigência de reconhecimento pelo sucesso. Não basta olhar algo na vitrine e se encantar. É preciso ser sucesso comprovado (ou seja, reafirmado de tempos em tempos) para ser objeto de desejo. Algo além do que os estudos sobre fetiche e consumo sugeriam. Trata-se de uma vertente da "sociedade excitada" de Christoph Turcke.
Diria que esta exigência ou expectativa externa diminui os espaços entre vida pública, privada e íntima. Não pela exposição de paparazzis, que ainda não chegamos ao ponto extremo do Big Brother para todos. Mas porque somos impelidos a ligar nosso estilo e modo de pensar e viver com a inserção social e nossa produção no mercado. Veja o caso do depoimento de Alcino Leite Neto, editor de moda da Folha (página C3 da edição da Folha de hoje). Ele começa relatando que assim que assumiu esta editoria, resolveu entender a produção de Clô e a visitou. E narra, como é comum nos dias de hoje, a maneira de ser desta estilista, ingressando na sua vida pessoal, nos seus traços de personalidade. Uma linha invisível que procura amarra a expressão pública com as contradições pessoais, privadas. Algo que o facebook parece executar com maestria. No facebook, não basta postar a intimidade, é preciso estar preparado para o escárnio sem ética, às ofensas pessoais e à intolerância em relação à diferença e, paradoxalmente, sucesso alheio, o mesmo sucesso que esta sociedade do espetáculo exige que cada um revele. Caso contrário, não merecerá nem mesmo um olhar enviesado, de esguelha.

11 comentários:

maribel dias Kroth disse...

A FAMA SUCESSO E ESTAR NOS DEGRAUS MAIS ALTO DE UMA ELITE, CANSATIVA E SEM PERSPECTIVAS DOS VALORES QUE TRANSCENDEM OS VALORES REAIS DA VIDA, CHEGA UM MOMENTO QUE ESSA DUALIDADE COBRA VALORES INEXISTENTES EM SEU MUNDO MATERIALIZADO E CONSUMISTAS. HOJE É UM BOM DIA PARA AS ELITES SE VOLTAREM PARA SUA VERDADEIRA NATUREZA INTERIOR, E PROCURAREM DEUS DENTRO DE SI.

Rudá Ricci disse...

Maribel,
Gostaria que a vida fosse tão cristalina como sugere. Muitas vezes, são as pessoas que amamos que nos empurram para esta escalada do sucesso. Nem sempre é apenas consumo, mas uma projeção ou até transferência. O problema maior é quando se torna um valor social. Ser outsider o tempo todo também tem um preço. E dos grandes.

Claudio Solon disse...

Muito elegante seu texto. Podemos escolher aonde ir e para onde não ir. Nossos valores e nossa forma de encarar a existencia são o esteio de nosso modelo de vida. Rudá, perdoe-me a liberdade, mas discordo que as pessoas nos empurram. Nós nos deixamos empurrar e não conseguimos, muitas vezes, sair do centro da manada. A existência é uma dádiva, quer ela termine aqui, quer se prolongue pela eternidade. O gênio cartola dizia "o mundo é um moinho, vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões a pó..." Entre o mundo, o moinho, a manada, o que nos salva é a esperança de fazer nossa vida útil a alguém que além de nós mesmos, pra quem quer que seja. E acredito que desperdiçar a vida, ou torná-la mais curta, representa apenas uma visão mais egoísta da própria existência, como se ela se bastasse em si, como se ela não fizesse sentido, como se não vivessemos em coletividade, como se não pudéssemos dar ao outro, aquilo que nos abunda e receber do outro o que carecemos. Talvez esta "sociedade excitada" gere este turbilhão. Ao que se agarrar? À esperança de que existe um sentido qualquer para tudo isto.

Rudá Ricci disse...

Claudio,
Entendo seu ponto de vista. Mais sartreano que o meu. Sei que teoricamente fazemos nossa essência, já que temos livre arbítrio. Mas me parece uma possibilidade muito linear, quase fatalista. Obviamente que não acredito que o suicídio seja saída para uma vida em turbilhão, o que me parece uma contradição (apagar uma palavra escrita de maneira incorreta não significa nada se não redigir a palavra certa logo em seguida). De qualquer maneira, fico perplexo com o modo como as relações sociais caminham e como nosso país, a partir dos governos da geração "anos 1960" ou movidos pela redemocratização dos anos 1980, se tornou tão pragmático e mesquinho. Tudo parece utilitarismo no seu mais baixo nível. Vamos continuar a tentar. Mas não vejo espaço para inovações e experimentalismos.

rose marinho prado disse...

''E narra, como é comum nos dias de hoje, a maneira de ser desta estilista, ingressando na sua vida pessoal, nos seus traços de personalidade''.

O texto é ótimo, mas aí, nesse trechinho, ficou algo que não compreendi.

A maneira de ela ser é comum, QUANDO SE INGRESSA NA VIDA PESSOAL DELA?
veja se é isto, por favor: quando se entra em contato com a vida da estilista descobre-se que a vida dela é semelhante à de muitas pessoas"

Obrigada

Mariamaro disse...

Por que? Ouvi uma vez ,que dá um branco e a pessoa se mata.Simples assim,um rompante!Fica um vazio,algo inexplicável e ao mesmo tempo,tão próximo,todos podemos fazer isso.
Livrarmo-nos de todos os problemas,as incertezas,as dúvidas...quem não?
Dizem que parece mágico,mas acho muita coragem! Podem me crucificar,mas é muita coragem!
Eu a conheci por acaso no consultório de uma amiga,conversamos sobre filmes ,ela me recomendou um em especial se não me falha a memória Mary e Max uma Amizade interessante,um desenho animado,mas que fala muito em diversos tipos de problemas mentais,tais como solidão,depressão e etc.
Dei o filme para minha analista assistir e ela admitiu ser um filme extremamente forte!
Isso me marcou e estou chocada ! Ela analisou bem ,tudo! Ela se viu num beco sem saída, partiu!

damariarosa disse...

Desculpem , mas não acho que é o caso de se fazer julgamentos e muito menos
reflexões sobre nossa existência como seres humanos na sociedade contemporânea . Foi informado que estava doente , com diagnóstico psiquiátrico , e isso , por si só , justifica a atitude radical.

Claudio Solon disse...

Rudá, inovação e experimentalismo é a marca mais autêntica do ser humano. Sem isto não teríamos sequer saído das cavernas. O que vivemos é sempre a mesma crise de princípios e valores, quando tudo, desde o início dos tempos, é requestionado: a existência, a morte, o sufrágio universal, a separação dos poderes no modelo de Montesquieu, que é base na maioria das nações democráticas, o populismo ressurgente, a revolução digital, novos modelos educacionais constrastantes com a escola tradicional, o esfacelamento dos valores familiares e o nascimento e crescimentos de pequenos tiranos domésticos. É tanta coisa! É de endoidar! Mas isto não é de hoje, é desde sempre. Só que com outra velocidade e com muitos atalhos. Hoje, muitos temos um pequeno conhecimento de muitas coisas, pois parece que não há tempo para se aprofundar em nada. Como v. disse, o facebook, o twiter, o instagran, etc. deram a corda e cabe a nós decidir se com ela armamos uma rede (aquela que se deita confortavelmente e aproveita) ou se a colocamos no pescoço. Calma com o andor. Não adianta levar-se tanto a sério nem as coisas do mundo. O Brasil é o que é: um protótipo. O brasileiro uma cobaia alegre. Nossos líderes, apenas um reflexo democrático de nossa educação e de nossa cultura populista e chegada a milagres, em vez da racionadade que standardiza, mas que faz as coisas funcionarem na hora e no tempo. Não, eu não sou sartreano, sou um trágico sertanejo, nascido e criado na caatinga. Meus sete palmos pra baixo da terra, já foram conseguidos de família e pacientemente me aguardam, já estão me esperando. Para nos dar um contraponto histórico bem regional, quoto aqui o extraodinário Guimarães Rosa, num trechinho de suas veredas: “(…) Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém! Olhe: o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a noção – proclamar por uma vez, artes assembléias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim, davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?!Ah, eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias… Tanta gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons… De sorte que carece de se escolher: ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só. Eu podia ser: padre sacerdote, se não chefe de jagunços; para outras coisas não fui parido. Mas minha velhice já principiou, errei de toda conta. E o reumatismo… Lá como quem diz: nas escorvas. Ahã.Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma… Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Midubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. (…)”

Rudá Ricci disse...

Rose,
Eu citei justamente a passagem da matéria que entra na vida íntima de Clô para falar sobre.... a produção dela. O que uma coisa tem a ver com outra? O que ocorre no mundo de hoje que tudo vira objeto do Big Brother?

Dudu Edison disse...

Olá, Rudá...

Sempre que acontece um fato relevante no nosso quotidiano social, e que seja de meu interesse pessoal, procuro fontes confiáveis na Net que o esclareça de uma forma didática, objetiva e direta. Encontrei aqui no seu 'blog' um enredo peculiar e interessante com relação ao fatídico ato - dito suicídio pela polícia de São Paulo - da estilista e empresária Clô Orozco; diante da minha modesta experiência de vida, (tenho 46 anos de idade), penso que se a Clô já tinha um 'histórico de promoção suicida', não acredito que ela por maior que fosse o seu bem-estar pessoal, não viesse a tentar repetir o mesmo ato suicida por mais vezes, até conseguí-lo (como ocorreu)... Pois, eu estudei numa universidade na cidade de Recife (Curso Filosofia, final dos anos 80), e tive a oportunidade nela de fazer uma forte amizade com um aluno do curso de Psicologia - e ele estava exercendo nessa época - trabalho voluntário de assistência psico-emocional aos portadores da citada aqui Esquizofrenia Paranóide e demais outros tantos distúrbios, transtornos, crises mentais !
O que ví e presenciei - ao acompanhar esse colega no seu referido trabalho, não creio que as características dos VALORES SOCIAIS ditos por você, Rudá, sejam o FATOR DETERMINANTE ou SOMATÓRIOS para determinadas atitudes insensatas, desesperadas, intolerantes de certos indivíduos / cidadãos / pessoas ! Um 'suicida' tem uma NATUREZA - por assim dizer - de "culto à Morte"... Não vislumbra nunca a POSSIBILIDADE de seus dias futuros venham trazendo uma certa resolução positiva aos seus anseios mais íntimos ou às suas dificuldades ocasionais do seu dia-a-dia doméstico. Um dito SUICIDA vai procurar a MORTE sempre - os remédios/drogas/medicamentos vão apenas retardá-la !
Penso que: devemos muito separar o que seja INDIVÍDUO e o que seja MEIO SOCIAL em que - este mesmo indivíduo - esteja inserido !

Sempre hei de acompanhar seu 'blog'... GRANDE ABRAÇO !

Imara disse...


Soube hoje, por acado, da morte da Clô; li agora o teu texto mais do que elegante com afirmam, cheio de Humanidade, muita Humanidade com tudo o que isto significa...Um texto lúcido e amoroso
Bom saber que existem ainda pessoas que têm esse seu olhar.
Exemplar.