Tenho admiração pelos personagens Lula e FHC. FHC é um intelectual com formação mais que sólida que possui um aguçado olhar sobre a realidade política. É, sem dúvida alguma, o melhor líder tucano, o menos dogmático, que nem sempre é bem compreendido, embora raramente erre em suas orientações. Foi assim quando escreveu sobre as dificuldades do PSDB conquistar segmentos sociais que já haviam se enredado com as políticas lulistas.
Lula é o mais surpreendente líder político do país. Uma frase abala o autocontrole da maioria dos líderes da oposição e da quase totalidade dos editores da grande imprensa. É um fenômeno. Seu pragmatismo deixa até petistas perplexos. É o governante que mais se aproxima da grandeza de Getúlio Vargas, em toda história republicana tupiniquim.
Dito isto, o que me deixa constrangido é a brincadeira da comparação entre seus governos.
Os governos FHC possuem dois agravantes negativos em relação aos governos Lula. O primeiro: enfrentou três grandes crises internacionais que minguaram o caixa e os investimentos produtivos (até especulativos). As promessas de quebra das amarras que a aliança com PFL tinham deixado não se cumpriram no segundo mandato. Terminou de modo melancólico, com Risco Brasil (Embi +) acima de 2.000 pontos, inflação em alta, reservas cambiais minguadas. O segundo agravante: não deixou um modelo de Estado, nem mesmo de gestão pública. Atuou compondo um mosaico de iniciativas que não gestaram o que imaginava. As privatizações de estatais, sem entrar no mérito da decisão, eram apenas meio (no discurso oficial, para diminuir custos públicos, definir foco da ação estatal e aumentar eficiência de serviços) para um objetivo maior. Tanto que FHC criou um ministério da reforma administrativa e organizou seminários com expoentes da sociologia e ciência política internacional para formatar o tal desenho do Estado Gerencial. Chegou a sustentar que seu segundo mandato formataria a nova lógica do Estado de Bem Estar Social, marca da socialdemocracia. Ao final, nem tucanos lembram do conceito de Estado Gerencial. E disputam a paternidade das marcas do governo Lula. Resumindo: os governos FHC nunca estiveram à altura da estatura pessoal de FHC. Por falta de acúmulo, por formulação estratégica insuficiente, por problemas conjunturais.
Já as gestões Lula, em especial a segunda, formataram um fordismo tardio muito poderoso, sustentado na conciliação de interesses e políticas anticíclicas por onde emergiu um potente mercado consumidor interno.
O estatal-desenvolvimentismo é o oposto do Estado Fomento/Reengenharia/Parcerias com setor privado da Era FHC.
A formação do bloco no poder lulista é algo nem esboçado na gestão FHC. A constituição da lógica neocorporativa instalada no mundo sindical foi até discutida no governo FHC (eu mesmo cheguei a discutir esta possibilidade num debate público com Fábio Wanderley Reis), mas nunca se chegou perto do que efetivamente foi montado no governo Lula.
O fordismo tardio lulista é mais acabado e complexo que todas políticas e iniciativas de FHC. O que revela que em política estatal não basta conhecimento técnico. É necessário ousadia e leitura estratégica. Ser um bom e equilibrado gestor é pouco.
Por estas e por outras que fico muito constrangido com estas comparações entre os governos dos dois. É uma arapuca para FHC. E não me parece leal ao seu passado e perfil. Num Brasil sem paixões partidárias, os dois seriam elogiados e motivo de orgulho. Mas ao comparar os dois governos, a capacidade de Lula esfumaça a importância de FHC.
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