Recebi uma indicação de leitura de um ensaio crítico sobre o livro de André Singer (Os sentidos do lulismo), elaborado por José Maurício Domingues, intitulado "Pobres, esquerda e mudança social no Brasil Contemporâneo: uma leitura crítica de Os Sentidos do Lulismo, de André Singer". O internauta pode ter acesso a este ensaio AQUI . Abaixo reproduzo meu comentário a respeito deste ensaio, sugerindo um debate a respeito:
Vou
propor um pontapé inicial em relação ao texto. Primeiro: o conceito de
bonapartismo é, de tempos em tempos, utilizado de maneira muito superficial no
Brasil. Foi assim quando do governo Collor, que teria muito mais sentido do que
em relação ao lulismo. Florestan Fernandes, num dos encontros da ANPOCS,
desconstruiu esta tese. Lembremos que o bonapartismo tem, entre suas
definições, a emergência de uma liderança carismática a partir de crise de
representação de classes. Não é, nem de longe, o caso do lulismo, como
corretamente aponta José Maurício. José Maurício, ainda na descrição do texto
de Singer, cita a arbitragem de interesses distintos. Estou sugerindo,
ultimamente, uma leitura mais global das diversas ações do lulismo como
conformando um "fordismo tardio". O fordismo, em sua origem, se
organiza a partir de um Estado centralizador que regula os financiamentos
setoriais e cria transferências e subsídios para sustentar a emergência de um
amplo mercado consumidor doméstico focado em bens com alto valor agregado. Por ser tardio, o fordismo tupiniquim não sustenta um ciclo de industrialização vigoroso. É incompleto, portanto, inacabado, o que aumenta a necessidade de legitimação a partir de uma liderança popular, que traduz a agenda anticíclica permanentemente atualizada. Singer tangencia esta possibilidade analítica quando apresenta um capítulo
sobre uma identidade rooseveltiana no segundo mandato de Lula. O que me parece
algo a ser explorado é justamente a representação do lulismo frente às classes
sociais menos abastadas. José Maurício problematiza, mais uma vez corretamente,
a representação já que o ideário dessas classes é ultraconservador, como
demonstram muitas pesquisas realizadas nos últimos dois anos a respeito. Ora,
embora exista de fato um deslocamento ideológico (e programático) gradual do
lulismo em relação ao petismo, não se trata de uma formulação conservadora. Ao
citar Laclau, o ensaio crítico ao texto de Singer, sugere o conceito de
populismo. Mas este não é o caso do lulismo, já que o conceito indicaria
desprezo da liderança populista em relação às instituições de representação.
Mas aí está, justamente, a novidade na construção institucional do lulismo: se
apóia na coalizão presidencialista, no neorcorporativismo sindical (incluindo
sua inclusão direta no Ministério do Trabalho, nos conselhos de estatais, na
gestão de fundos de pensão que adquirem ações do sistema bancário e títulos de
dívidas, entre outros) e do financiamento de uma miríade de ongs e organizações
populares conveniadas com o governo federal. Há, contudo, um elemento
interessante que seria o fim da autonomia dos municípios como entes
federativos. Este é um elemento central na nova construção da engenharia
política no Brasil a partir do lulismo. O lulismo existe, de fato, enquanto esta
estrutura que engendra o fordismo tardio, como engenharia
estatal-desenvolvimentista, focada em políticas reguladoras anti-cíclicas, mas
não como representação automática de um setor social.
2 comentários:
Rudá Ricci, v. não autoriza comentários em seu blog?
Claudio,
Claro que autorizo. Só não aceito anonimato. Mas já publiquei, como agora, vários comentários que você enviou. Teria ocorrido algum erro?
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