A crise da representação política e o papel dos intelectuais
António M. Magalhães, Universidade do Porto
Jornal "a Página”, ano 16, nº 170, Agosto/Setembro 2007, p. 17.
Até que ponto as políticas educativas correspondem aos mandatos que são endereçados pelos cidadãos aos partidos que os representam, como sendo aquilo que é desejável alcançar através do sistema educativo? O tema é amplo e complexo, envolvendo desde a problemática da construção política das agendas da educação até à dos processos de implementação, passando pela importante questão do poder diferencial dos actores envolvidos. Gostaria, porém, aqui de me centrar na questão mais inicial da representatividade daqueles que representam os cidadãos.
É mais ou menos consensual entre os analistas sociais (mas não só…) que estamos a viver uma crise seminal da representação política. Esta crise expressa-se através da desconfiança dos representados em relação aos representantes, do sentimento de despossessão democrática – 'o voto é a arma do povo', dizia-se, 'votando, o povo fica desarmado…'- em que a participação se dilui na representação e, por último, mas não menos importante, na dificuldade em traduzir em dispositivos políticos as sociabilidades emergentes da afirmação das identidades pessoais e colectivas. O alargamento do fosso entre representados e representantes é geralmente atribuído aos impactos da globalização económica e política que estão a reconfigurar o exercício da soberania nacional, à recomposição das redes de solidariedade e à crescente reclamação de cidadania com base nas diferenças individuais e grupais.
Os partidos, a forma privilegiada de acção política que herdámos da modernidade, parecem estar a ser crescentemente questionados como forma preferencial da representação política. Enquanto unidades moleculares da democracia, desenvolveram-se como o lugar político a partir do qual as elites – ou vanguardas… - representavam aqueles que assumiam representar. O cimento que solidificava esses edifícios era um conjunto articulado de ideias e de projectos de (re) organização social – frequentemente promessa de reunião universal do interesse de todos - , cujos celebrantes e guardiães eram, o mais das vezes, intelectuais. As elites assim organizadas desempenharam, sobretudo no último século da vida política das sociedades ocidentais, um papel central.
E mesmo os partidos que se reclamavam como partidos operários, dos trabalhadores, reservavam aos camaradas intelectuais um lugar especial… À medida que as ideologias deixam de ser elementos estruturantes da representação política, em favor da associação em torno de temas ou valores específicos – a justiça social, a igualdade de género, a não discriminação com base na raça, na etnia ou na identidade sexual, a livre circulação de pessoas e mercadorias, etc. – não é só a representação política que se altera, mas também o papel dos intelectuais. A estes caberá, sem desespero, abandonar os ares enfáticos de sacerdotes da Razão, de especialistas da profundidade e engenheiros dilectos do futuro, para se reunirem modestamente às plataformas, aos movimentos sociais e, em geral, aos novos tipos de organização política e contribuir, assim, para tornar a vida cívica mais reflexiva.
Neste sentido, é interessante a perspectiva indiciada por Paul Hilder, um activista da renovação democrática. Num artigo chamado "Partidos Abertos? Um Mapa da Democracia do Século XXI", defendeu que, dada a actual complexidade da vida social e o modo como se desenvolveu a representação política, necessitamos de reinventar a política quer através dos partidos, quer através de movimentos ou plataformas sociais.
Ele identifica como sendo a base dos 'partidos abertos' o abandono do velho estilo institucional, livresco (recorde-se os 'artigos de fundo' sobre o que a educação deve ser com que regularmente alguns intelectuais/pitonisas pretendem conduzir-nos ao caminho da luz…), de-cima-para-baixo, e a assunção modesta dos vários modestos fóruns: círculos cívicos, encontros locais, articulação com as organizações da sociedade civil (ONG, movimentos sociais, etc.), webnets e redes de blogues, para mencionar apenas alguns.
A renovação da representação e da acção políticas parece, de facto, passar não só por novas formas de comunicação e de cidadania mediática, mas também pela reinvençãoda própria natureza institucional dos partidos. À medida que as nossas vidas e as nossas identidades vão assumindo uma centralidade sem precedentes na nossa conduta política e as ideologias, na sua vertigem universalista, já não conseguem dar a ilusão de que os diversos interesses podem ser resolvidos na massa indiferenciada de um Interesse universal, a diversidade deve conter (e não ser contida por) os partidos que, assim, se poderão abrir. A questão 'verde', o combate contra as desigualdades sociais, as propostas sindicais e corporativas, a reivindicação de cidadania a partir da identidade sexual, de raça, de etnia, etc., não podem facilmente ser unificados num programa único, nem reduzidos a 'grupos de trabalho' dentro do grande partido. Não podem, mas é nesta impossibilidade que está também a oportunidade reflexiva de os partidos se
reinventarem. O mesmo parece ser válido para os intelectuais e para o seu papel na vida política.
Um comentário:
Ruda, esse modelo de democracia representativa faliu. O público se confundiu com o privado. No Brasil se quebrarem o sigilo bancário e fiscal dos políticos e se acompanharmos a evolução do patrimonio dessa gente, é o fim. O problema que nem o Ministério Público, nem a Polícia Federal vão fazer isso. O último policial federal (Protógenes Queiroz)que tentou colocar um colarinho branco na cadeia, foi "jogado" no corredor pelas forças políticas democráticas. Em MG temos um monte de corruptos e corruptores, a começar pelo chefe do Estado. corrompe a imprensa
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