sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Vermelho Amargo

"Não se chora pelo amanhã"
Acabo de ler o último livro de Bartolomeu Campos de Queirós. Capa áspera, cheiro de livro antigo, páginas com gramatura maior que o convencional. O livro é espesso, nasceu clássico. Um livro dolorido, mas que não gera angústia ao ler. Autobiográfico, trata da perda da mãe, dos tomates (os vermelhos amargos) que o perseguem como memória (fatiados com rispidez por sua madrasta), do pai que "desinfetava o ar" com seu alcoolismo, dos irmãos perdidos.
Algo de existencialista, uma prosa que parece poesia, um texto que fala para si, embora voltado para quem o lê. Um livro enigmático, com sinais trocados, mas delicioso de ler. O diretor teatral Gabriel Vilela afirmou que se trata de uma obra delicada como arame farpado. Mas que não fere, apenas surpreende, esqueceu de completar. Algo que me fez lembrar da poesia cortante de João Cabral de Melo Neto.
O livro recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura.
Melhor reproduzir passagens do livro, como um itinerário de leitura:

"A dor vem de afastadas distâncias, sepultados tempos, inconvenientes lugares, inseguros futuros. Não se chora pelo amanhã."

"Tudo perto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se - em lágrimas - do paraíso, é condenar-se à liberdade".

"Aroma é uma amora se espiando no espelho"

"Cortados em cruz [os tomates] eles se transfiguravam em pequenas embarcações ancoradas na baía da travessia. E barqueiros eram as sementes, vestidas em resina de limo e brilho. Pousado sobre a língua, o pequeno barco suscitava um gosto de palavra por dizer-se. Há, sim, outras palavras mais doces que o açúcar."

"Agora, mas desde sempre, não moro bem dentro do meu corpo. (...) Vivo numa casa geminada. Intruso, pareço inquilino em vias de despejo. Não abro janelas ou destranco portas."

"O cheiro do alho frito acordava e impacientava o apetite. A couve, ela cortava mais fina que a ponta da agulha que borda mares em ponto cheio. Depois, mexia o angu para casar com a carne moída, salpicada de salsinha, conversando com o caldo de feijão."

"A irmã miando, abraçada ao gato mudo, me faria crer no efeito colateral causado pelo tomate."

"Minha mãe afirmava que muitos passam pela escola, mas a escola não passa por eles."

"A mãe fazia fantasia virar realidade."

"A culpa é relativa ao tamanho da memória. Esquecer é desexistir, é não ter havido."




Um comentário:

Balaio da Vivi disse...

muito bacana! gostei da sua seleção!