Não tem jeito. Fui capturado para arrumar o escritório em casa. Não sei se fujo porque não quero trabalho braçal em final de semana ou se é para fugir do irrefutável saudosismo que este exercício de purificação acaba convidando para almoçar. Não gosto de fotos por este mesmo motivo. Acho que fui educado - e me eduquei - para olhar continuamente para frente, para o futuro. Quando adolescente, li um daqueles estudos estilo Reader´s Digest sobre padrões de redação e letras que revelariam a personalidade do seu autor. Minha escrita curvava para a direita que, segundo a matéria "científica" indicaria uma personalidade típica de quem olha o tempo todo para o futuro.
O fato é que não gosto de olhar para o passado pessoal, só me interesso pelo passado quando registrado em estudo acadêmico.
Hoje, contudo, achei este crachá e cartão de identificação do último congresso da Democratici di Sinistra, realizado em Florença, em 2007. DS era herança do PCI, de Gramsci e Togliatti, e eu estive no seu congresso final, quando foi anunciada a fusão com um partido liberal, que daria lugar ao PD (Partito Democratico). Dá para ler, no crachá que ilustra esta nota, a assinatura de Piero Fassino, prefeito de Turin, o grande artífice da fusão e criação do PD.
O congresso foi maravilhoso, com debates emocionados e uma produção cultural e artística impressionante. Dentro da melhor tradição dos comunistas italianos, havia uma feira, na parte de fora do centro de convenções onde o congresso se realizava, com cooperativas agrícolas distribuindo queijos e embutidos, venda do café corto (muitas vezes melhor do que o que nos servem no Brasil), paninis e acesso à internet completamente livre.
No começo do congresso as luzes se apagaram e telões em alta definição começaram a mostrar passagens de filmes de diretores filiados ao PCI, filmes sobre o pós-guerra e toda tradição artística que envolveu as várias fases dos comunistas e eurocomunistas. As luzes se acenderam e aparece, lá no centro do local do evento uma "sala" montada pelo Instituto Gramsci, com jovens sentados em círculo, no chão, para ouvir um velho militante relatar as bases do pensamento do mais conhecido dirigente do partido.
Em suma, o partido tinha fortes lastros com a cultura e a lógica social dos italianos. Estava enraizado, se alimentava da comida (que, como na França, é parte integrante da identidade da Itália), da arte, da confusão e contradições daquele povo.
Foi a parte boa do saudosismo levantado pela arrumação no escritório.
Fico me perguntando por qual motivo não conseguimos algo do gênero a partir desta gelatinosa estrutura partidária tupiniquim. E, pior, por qual motivo a política dos rincões do país é tão artificial, parecendo uma rinha de galos, sem qualquer lastro significativo com o cotidiano dos eleitores. Vejo, agora mesmo, o filme da campanha eleitoral se desenrolar em minha cidade natal, Tupã, no oeste paulista, e não consigo entender como é possível transformarem o que deveria ser uma festa cívica, de reforço à identidade cultural dos cidadãos daquela localidade, em pastiche de política. Da forma como se conduz, o final do processo eleitoral revelará uma terra arrasada. De quatro em quatro anos, não é o município que se eleva, mas apenas o vencedor. O derrotado é humilhado. Pior: um séquito de apoiadores se esfalfam por alguém que nem conhecem direito, serão, sempre eternos derrotados. Forma-se, então, uma réstia interminável de frustrações e rancores por parte dos "pequenos personagens das eleições". Algo que não enobrece ou renova a política local, mas apenas alimenta o próximo embate entre grupos ou grupelhos. O que menos conta é a cultura ou a identidade daquela localidade. O que conta é o jogo entre eternos derrotados.
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