domingo, 18 de agosto de 2013

A esquizofrenia educacional de Fernando Haddad

O prefeito de São Paulo continua uma incógnita. Tem um pé no que há de mais conservador na história das políticas públicas brasileiras e outro, meio claudicante, na ousadia e inovação progressista.
Nesta semana, divulgou uma reforma educacional anunciada com pompa e que é, hoje, muito elogiada no editorial do jornal O Estado de S.Paulo (p. A3).
O que ele anunciou?
a) A volta de provas bimestrais;
b) O aluno de 7a e 8a séries pode carregar dependências para o ano seguinte;
c) Adota aulas de recuperação e reforço durante as férias;
d) aumenta os ciclos de dois para três anos;
e) retorna o boletim, com notas de 0 a 10, disponibilizado na internet;
f) adota lição de casa obrigatória.

É quase como se cada pé fosse para uma direção, imitando a velha foto de Jânio Quadros.
Parece rigor, mas é esquizofrenia pedagógica.
Explico. O sistema de ciclos se baseia na noção que o ser humano se desenvolve em fases que superam os doze meses de um ano. Os inúmeros e densos estudos sobre desenvolvimento humano indicam que estes ciclos tem, na infância, duração de três a cinco anos. Quanto mais velhos ficamos, mais longos são os ciclos justamente porque criamos estruturas mentais mais cristalizadas e menos móveis. Mas sempre aprendemos.
A avaliação ou repetência por ano não tem muito sentido em termos humanos. Alguns dizem que são "estímulos" ao estudo, como que adotando a concepção de Hobbes em que o temor levaria ao autocontrole. Questionável, mas mesmo que se fosse verdade, ficaria ainda a dúvida: "para que, então, só repetimos no final do ano? Por que não na metade do ano ou a cada trimestre? O estímulo não seria mais efetivo?" Perguntas que nenhum defensor da repetência responde justamente porque desconhece que a seriação nasceu de uma orientação taylorista, em que o modelo de gestão industrial foi transposta para a educação, pensando a sala de aula como uma produção de mão-de-obra fabril. Está tudo escrito nas elaboração do educador taylorista Joseph Mayer Rice.
Voltemos aos ciclos. Os ciclos de formação humana, neste caso, definem períodos de amadurecimento intelectual e emocional dos seres humanos. O que fazemos hoje durante um ano (na seriação) seria apenas ampliado para um período maior. Ninguém que defende ciclo sugere promoção automática. Defende, aliás, um acompanhamento mais rigoroso com reenturmação de alunos que apresentarem dificuldades similares. Na prática, um dia (ao menos) por semana, teria a grade horária flexível para desenvolvimento de programação para turmas que são distintas das turmas de referência (aquelas em que os alunos continuam com seus colegas do início do ano). Esta "nova turma" permanece enquanto o professor dela avaliar que deve se manter. Aliás, as novas turmas são formadas a partir do diagnóstico do professor da turma de referência. Nos ciclos, o professor ganha mais poder e determina a carreira dos alunos. Mas, para isto, precisa saber avaliar. Uma avaliação múltipla, sofisticada, e não apenas a prova objetiva, aquela que mede a memorização do aluno, mas não sua capacidade de interpretar, criar, responder desafios, se comportar solidariamente.
Se Haddad indica reforçar o sistema de ciclos com a ampliação para três anos, vai na direção contrária com a adoção do boletim com notas. O boletim com notas define um gradiente, um ranking em que o 10 significa o padrão a ser atingido. Pois bem: qual é este padrão? Aliás, quem se esforçou ou avançou mais: um aluno que tirava 7 e atingiu 8 ou aquele que tirava 2 e chegou a 5?
O tal boletim com nota em escala não mede o esforço do aluno, mas a distância ao padrão a ser atingido. Mas, qual padrão é este? O padrão definido pelo mercado de trabalho? Aquele que o vestibular para ingresso nas universidades? Haddad não diz. Assim como não discutiu o conteúdo avaliado no IDEB, ENEM ou ENADE. Simplesmente diz que o padrão é este e ponto final. E nós, educadores e cidadãos, não somos convidados a discutir.
Fico com a impressão que parece uma proposta populista. Tenta se diferenciar da política educacional de Alckmin, sugere mais rigor, mas joga para todos os lados.
Volto a afirmar: Paulo Freire, aquele que inspirou as estratégias educacionais do PT, deve estar girando várias vezes em seu túmulo. E nós, freireanos, juntos.

6 comentários:

Tadeu Borges disse...

sem rever o conceito Educação, sem superar o mecanicismo, sem priorizar desenvolvimento humano que condiciona e conforma o exercício intelectual, continuaremos nesse infindável ciclo autoritário...

Eugenio Raggi disse...

Na realidade, toda essa embalagem bonita (ciclos, substituição de notas por alcance de competências, descarte da ação unicamente punitiva das reprovações, enturmações por nível de dificuldade, fim das "aulas") ficam totalmente comprometidas quando o conteúdo é careta. Se adotarmos tudo isso e usarmos a Veja como referência pedagógica, ou continuarmos ensinando que o Brasil foi descoberto por acaso, ou que somos um país de corruptos, ou criminalizarmos os movimentos sociais, continuarmos com as festas religiosas nas escolas, de que adianta essa 'renovação'?? O erro pra mim está no conteúdo conservador que se ensina nas escolas, não na forma como é ensinado.

Rudá Ricci disse...

"Unknown",
Em parte. Não se trata de embalagem bonita, mas do debate central sobre concepções educacionais. O problema é que a maioria dos brasileiros que palpita sobre educação não a estuda, não conhece o debate internacional e, portanto, fica na superfície da análise sobre nossas políticas pendulares.

Eugenio Raggi disse...

Veja o caso do GENTE lá do Edu Paes na Rocinha. Supervisionado pelo Pacheco, utiliza tablets com conteúdo fornecido pela Ed. Atica/Abril Educação. A fonte p/ ~notícias~ utilizadas nos projetos é a (pasme!!) Veja. Não se faz revolução com esse tipo de conteúdo. É melhor uma aula tradicional com abordagens arrojadas, do que estes experimentos utilizando fontes conservadoras e mantenedoras da lógica neoliberal.

Clayton disse...

Por que as escolas particulares não adotam o Ciclo de Formação Humana Sr. RUDÁ RICCI? Talvez o ciclo de formação humana seja o método mais desumano que exista, pois expõe o cidadão pobre ao ridículo no futuro. Se avaliar e reprovar o aluno com notas é punir, digo que é melhor punir durante o aprendizado que no futuro quando o mesmo descobrir que é mais um ANALFABETO FUNCIONAL. O que está acontecendo com os Jovens ao saírem do Ensino Médio? Estão procurando cursos profissionalizantes, pois ideais humanistas não funcionam num país capitalista que se diz democrático. Até porque a fome não espera conquistas a longo prazo. Como fazer um carro movido a gasolina funcionar com óleo diesel? Impossível! Portanto cada cão no seu inferno! Ciclo de Formação Humana funcionaria bem num país socialista ou comunista. Escola Ciclada num país capitalista está mais para Escola Cilada. Não é questão de Taylorismo ou Freirianismo de Quinta Categoria que fora lido e muito mau interpretado por ti. Paulo Freire teria nojo de ter sido a base ideológica de um partido de corruPTos.

Leia este apelo de um Avô:

http://acordagoiania.blogspot.com.br/2010/01/ciclo-de-formacao-e-desenvolvimento.html

Prof. Clayton Urbano Pereira

Rudá Ricci disse...

Clayton,
Sua pergunta já contém uma resposta e posicionamento ideológico. Você acredita que as escolas particulares são melhores que as públicas. Tenho mais de vinte anos de consultoria educacionais e posso lhe dizer que esta sua crença é absolutamente incorreta. As escolas particulares adotam um foco no resultado e adotam metodologias comportamentais, de reflexo condicionado, que não desenvolvem a inteligência humana, mas a memorização.
Percebo que desconhece todas pesquisas e realidade educacional. O Brasil é um dos poucos países que ainda adotam a seriação. Todos os países que estão no topo das avaliações educacionais internacionais adotam ciclo. Quase todos países europeus.
Já que é a favor da lógica de mercado, sugiro que adota a proposta neoliberal: o Estado confere um valor mensal às famílias e elas escolhem qual escola matricular seus filhos, se públicas ou particulares. Seria mais honesto de sua parte.