domingo, 18 de agosto de 2013

Os conselhos de gestão pública e os conselhos de participação de São Paulo

Na sexta à noite debati com mais de 200 lideranças da zona leste de São Paulo sobre a natureza e desafios para a implantação dos conselhos de participação definidos pelo prefeito Fernando Haddad. Originalmente, estes conselhos levaram o nome de "conselho de representantes" e foram definidos pela Lei 13.881, sancionada pela então prefeita Marta Suplicy como estruturas de participação da população local junto às subprefeituras (são mais de 30 em São Paulo). Ocorre que esta orientação legal está sendo questionada no STF.
Para contornar o impasse, o prefeito da capital paulista criou os conselhos participativos (Lei 15.754), de caráter consultivo, que estarão vinculados às subprefeituras. No total, serão 96 conselhos distritais (cada distrito elegerá seus representantes) que comporão o Conselho Participativo Municipal. Cada conselho terá no mínimo 19 conselheiros eleitos diretamente e, no máximo, 51 (um conselheiro a cada 10 mil habitantes). Votam (o voto será facultativo) os moradores do distrito com mais de 16 anos e que tenham título de eleitor. Cada eleitor pode votar em cinco candidatos a conselheiro. Os candidatos terão que ter mais de 18 anos e comprovar que apoio de no mínimo 100 residentes na área da sua subprefeitura. Segundo a lei, as atribuições dos conselhos serão:

Os membros dos conselhos terão as seguintes atribuições (entre outras), de acordo com a regulamentação dos artigos 34 e 35 da Lei nº15. 764:
• Fiscalizar as ações e os gastos públicos do seu distrito e subprefeitura;
• Apresentar demandas e prioridades na área de sua abrangência;
• Defender a elevação do padrão de qualidade de vida e de sua distribuição para a população que vive na região da subprefeitura em questão;
• Defesa e preservação do meio ambiente, dos recursos naturais e dos valores históricos e culturais da população da região da subprefeitura;
• A colaboração na promoção do desenvolvimento urbano, social e econômico da região e no acesso de todos, de modo justo e igualitário, aos bens e serviços indispensáveis a uma existência digna;
• O apoio às várias formas de organização e representação do interesse local em temas de defesa de direitos humanos e sociais políticas urbanas, sociais, econômicas e de segurança;
• O zelo para que os direitos da população e os interesses públicos sejam atendidos nos serviços, programas e projetos públicos na região, com qualidade, equidade, eficácia e eficiência;
• A programação e planejamento sistemáticos.

A discussão com as lideranças da zona leste foi quente e profunda. Grande parte dos presentes participa de conselhos de gestão pública (setoriais ou de direitos, como saúde, assistência social, meio ambiente, cultura, iodos, direitos da criança e adolescente). A insatisfação com o caráter consultivo dos conselhos de participação é generalizada. Mas também ficou nítido o quanto os conselheiros não compreendem qual é o seu poder definido na Constituição. Há, evidentemente, necessidade de criarmos uma ampla rede de formação continuada para os conselheiros e lideranças sociais brasileiras que tenha como foco como ocupar (e assumir o poder) os espaços para governar com os eleitos.
A iniciativa desta discussão foi da Escola da Cidadania da Zona Leste, animada e apoiada por Padre Ticão.

Ontem foi a vez dos conselheiros do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro. Dei um minicurso sobre conselhos de gestão pública das 9h00 às 18h00. A discussão foi ainda mais quente. Mas, novamente, foi perceptível como os conselheiros (no caso, psicólogos engajados) desconhecem o caráter, a natureza dos conselhos e o poder que possuem. Também confundem a relação (e independência) entre conselhos de gestão pública (estruturas de Estado, mas não de governo, vinculadas ao Executivo, mas não ao legislativo) de fóruns ou conselhos populares onde não há representação do governo.
Há muito o que corrigir na estrutura atual dos conselhos de gestão pública. Cito alguns:
a) Escolha da representação da sociedade civil. Temos que abolir qualquer eleição indireta. A eleição deve ser direta para aumentar a legitimidade dos conselheiros e publicizar estas estruturas de co-gestão;
b) Descentralização. Não há sentido um conselho ser uma estrutura apenas municipal, central. É fundamental que estejam presentes onde o morador reside, nos bairros e comunidades, criando uma rede de gestão pública participativa;
c) Transparência. Os conselhos não consultam ou prestam contas à sociedade civil. Só realizam debates públicos em época de conferência. Não possuem nenhum órgão de divulgação, impresso ou virtual;
d) Responsabililzação. Governante que não cumprir resolução de conselho deliberativo tem que ser punido. A reincidência deve gerar processo de impeachment. O mesmo para conselheiro da sociedade civil que cometer algum erro ou se ausentar sem justificativa;
e) Deliberação. Não nos interessa conselho consultivo. Consulta pode ser realizada a qualquer momento, bastando convocação do governante. Mas um conselho é uma estrutura de co-gestão. Portanto, ao formalizar um conselho, ele necessariamente deve ser deliberativo. Caso contrário, banaliza o conceito de participação que tem sua lógica fincada no processo de deliberação;
f) Equalização de representação. Conselhos temáticos (por área), por segmento social (direitos de populações vulneráveis) ou territoriais? Criamos, desde os anos 1990 várias estruturas distintas denominando quase sempre da mesma maneira. Os conselhos de participação de São Paulo não são o mesmo que os conselhos setoriais (de saúde, educação etc) ou de direitos (idosos, crianças e adolescentes, mulheres, juventude etc). Temos que abrir uma franca discussão a respeito. Em outras palavras: qual Estado democrático estamos criando? Não há competição entre os diversos conselhos? Como fugir do corporativismo? Os conselhos setoriais não repetem a estrutura de Estado burocrático e especializado que a lógica participativa deseja superar?

Estas são algumas das questões fundamentais que evitamos aprofundar.
Mas esta me parece uma questão menos importante que a criação de uma rede de escolas da cidadania focada na formação dos conselheiros. Ocupar espaços tão nobres sem ter a menor noção do que representam na democratização do país é jogar fora o bebê ao invés da água do banho.


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