segunda-feira, 29 de abril de 2013

Jornais mineiros desdenham casos de violência contra crianças e adolescentes

Recebo  a nota abaixo elaborada pela ONG Oficina de Imagens (de BH). Trata do resultado de pesquisa do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre o tratamento de três jornais mineiros (Estado de Minas, O Tempo e Super) entre 2008 e 2009 sobre violência contra crianças e adolescentes a partir do caso Nardoni. O jornal popular Super registrou o dobro de notícias desta natureza que os outros dois veículos. O tratamento, contudo, é sempre pontual, sem desdobramentos e busca de causas ou conclusões.
Há, evidentemente, uma linha editorial que prefere ressaltar os casos de violência cujos autores são adolescentes e relevar à segundo plano os casos em que os adultos atacam crianças e adolescentes. Há uma excitação editorial que me parece ideologizada.
A pesquisa pode ser acessada AQUI .
Vejamos a nota, abaixo:


Pesquisa analisa cobertura da mídia sobre violência contra crianças e adolescentes
 
Eliziane Lara pesquisou em três jornais mineiros a abordagem da mídia sobre violência contra meninos e meninas

Foram analisadas notícias veiculadas entre fevereiro e maio de 2008 e 2009, um total de 955 textos

Dissertação de mestrado faz parte do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea da UFMG

Apresentada no último dia 25 de março, a dissertação de mestrado "Entre casos comoventes e noticiário cotidiano: (in)visibilidades engendradas pela cobertura da violência contra crianças e adolescentes em três jornais mineiros", da jornalista Eliziane Lara, investigou a cobertura da violência contra crianças e adolescentes realizada pelos jornais Estado de Minas, O Tempo e Super Notícia. Orientada pelo professor Elton Antunes, a dissertação foi produzida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea, da UFMG.

Entre notícias, notas, reportagens, cartas e editoriais, a pesquisa analisou em um período de seis meses, entre fevereiro e maio de 2008 e 2009, um total de 955 textos (uma notícia pode se desdobrar em dois ou mais textos, dependendo do número de casos que aborda). O foco da dissertação eram as notícias que envolviam violência contra meninos e meninas dentro do seu grupo doméstico (pais, parentes, amigos, conhecidos e outras pessoas com relação de proximidade e confiança).

A motivação para realizar pesquisa surgiu em março de 2010 com a atenção dada pela mídia ao julgamento do pai e da madrasta de Isabella Nardoni. O destaque ao caso Nardoni, inquietou a pesquisadora, que à época trabalhava como coordenadora da área de Comunicação e Direitos da Oficina de Imagens. Segundo o Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo, entre 2000 e 2007, 532 crianças e adolescentes morreram em consequência da violência doméstica no Brasil, o que representa uma média de 76 mortes por ano. Qual a diferença entre a morte de Isabella para ela merecer mais destaque que a de tantas outras crianças?

"A atuação como jornalista responsável pela agência da Rede ANDI Brasil em Minas Gerais pelo período de quatro anos também me permitiu observar que diariamente são publicadas pequenas notas e notícias relacionadas à violência contra crianças e adolescentes; assim como no caso Isabella, as vítimas são meninos e meninas, e os agressores são identificados como familiares ou pessoas próximas", aponta Eliziane na dissertação. A partir dessas constatações, a pesquisa analisou os casos que receberam maior atenção da imprensa e aqueles que fizeram parte do "noticiário cotidiano", ou seja, foram publicados com regularidade, mas não alcançaram grande visibilidade.

Cobertura midiática

A análise do material coletado revelou que, no período, o Super Notícia concentrava 49% dos textos envolvendo violência contra meninas e meninos, a partir dos critérios estipulados por Eliziane. Os jornais Estado de Minas e O Tempo responderam por 26% e 25%, respectivamente. "O jornal popular responde por praticamente o dobro de registros na comparação com os jornais de referência. Um olhar atento para os textos revela, contudo, que essa diferença se exprime de modo acentuado em termos numéricos, mas não se manifesta de maneira aguda no tipo de cobertura realizado", explica na pesquisa.

Nos seis meses estudados, os três tipos de violência mais veiculados foram "homicídio", com 29% dos textos, "violência sexual", com 28%, e "violência física", com 14%. Quando os textos são separados por ano, os tipos de violência se alternam no ranking. Em 2008, 40% dos textos estavam relacionados a "homicídio". Em 2009, com a mesma porcentagem, o primeiro lugar foi ocupado por "violência sexual", que em 2008 apareceu em quarto lugar, com 13%. "Homicídio" ocupou o segundo lugar em 2009.

As diferenças entre os dois anos se dão principalmente pelos casos que receberam maior atenção da mídia. Em 2008, de todos os textos coletados, cerca de 26% estavam relacionados à morte de Isabella Nardoni. Esse fato contribui para que a categoria "homicídio" fique em primeiro lugar. Em 2009, entre outros, o caso de uma menina de nove anos que ficou grávida de gêmeos em decorrência de abusos sexuais do padrasto, em Alagoinha, no interior de Pernambuco, alcançou 13% de todos os registros de 2009.

O caso de Alagoinha teve um potencial de "arraste" de outros casos parecidos. A notícia desse abuso sexual levou a imprensa a noticiar casos semelhantes, o que contribuiu para que "violência sexual" ocupasse o primeiro lugar do ranking. "A manifestação de duas figuras importantes, o arcebispo de Olinda e o então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, motivam o desenrolar da cobertura, que se afasta da história da menina que sofreu a violência e passa a discutir a legalização do aborto. O caso Isabella, por outro lado, recebe outro tipo de cobertura, que se concentra sobre a singularidade do caso e acompanha o passo-a-passo das investigações", afirma Eliziane.

 Apesar dos casos com maior repercussão, os relatos pontuais, publicados em apenas uma edição do jornal, são maioria. "Isso significa que os jornais não buscam pelas consequências destas histórias, seus desdobramentos e nem as acionam de modo explícito como uma 'memória' para uma nova história que surja no dia seguinte", explica.

Crianças e adolescentes em pauta

A pesquisa de Eliziane Lara também aponta que o envolvimento de crianças e adolescentes como vítimas nas ocorrências é um atrativo para a imprensa. "Estudos acerca da cobertura de crimes violentos revelam a existência de vítimas preferenciais, ou seja, há segmentos que ao se tornarem alvos de violência despertam mais atenção (...). Nesse sentido, os autores apontam a idade, diretamente relacionada à impossibilidade de defesa da vítima". Entretanto, o trabalho destaca que nem todas as crianças são merecedoras do status de vítimas da mesma forma. Fatores como classe social, raça e gênero também precisam ser considerados. Isso ajuda a entender porque alguns casos tornam-se comoventes e outros ficam relegados à cobertura episódica.

A dissertação também destaca que os relatos em relação à violência não manifestam uma visão de conjunto. Dessa forma, as ocorrências não são relacionadas dentro do âmbito "violência contra crianças e adolescentes". Nos raros casos em que isso acontece, percebe-se que as pautas foram sugeridas e decorrem do modo como instituições e especialistas apresentam o tema.

Ainda segundo a pesquisadora, um aspecto que chama a atenção é a sobrerresponsabilização das mães no cuidado com os filhos, especialmente nos casos de abandono. Segundo Eliziane, os textos sempre trazem informações sobre o papel das mães: "Dizem onde elas estavam quando as crianças foram encontradas, pergunta-se o porquê de elas terem deixaram os filhos naquela situação, mas muito raramente esses textos também perguntam pelos pais. Assim, reforça-se o papel da mãe no cuidado com os filhos, enquanto que a ausência do pai no exercício dessa função não é encarada como um problema, é algo pelo qual os relatos, em sua maioria, nem se perguntam", diz.

O acesso aos textos publicados pelo Estado de Minas e O Tempo foi possível a partir da colaboração da ANDI, que realizou a coleta dos textos utilizados na pesquisa. Os textos publicados no Super Notícia foram disponibilizados pelo veículo, que reúne as edições publicadas vitualmente.

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