Ai, Callligaris! Admiro e leio tudo o que me chega às mãos que é escrito por Contardo Calligaris. Mas, hoje, levei um baque ao ler sua coluna na Folha. Aquela saia justa de gostar de uma pessoa e não concordar com seus exageros. Calligaris desfia argumentos que não são muito plausíveis a respeito da redução da maioridade penal. Sugere que as crianças nascem más e que é o processo civilizatório que as domestica. É isto mesmo. Esta é a base do Estatuto da Criança e Adolescente. Ocorre que esta constatação faz Calligaris sugerir que crianças más devem ser punidas. Neste ponto, diverge de todos estudos latinos. Do ponto de vista lógico, então a medida profilática seria encarcerar todas crianças e adolescentes. E, aí, voltaríamos ao Código de Menores.
O direito latino imputa à sociedade a responsabilidade do processo educacional, de amadurecimento intelectual e moral das crianças e adolescentes. Assim, infrações adolescentes são tratadas com processos educativos mais intensos, até atingir a internação (ou privação de liberdade). No caso de crianças, a responsabilidade é toda dos pais, não das crianças. Justamente porque se crê que existe um processo de amadurecimento, de aprendizagem para se viver em sociedade. A data limite é fundamentada em inúmeros estudos da psicologia e neurologia. Sugiro leitura do compêndio "Desenvolvimento Humano", editado pela Artes Médicas e organizado por Diane Papalia. Lá, o leitor terá um histórico das teorias e estudos mais recentes sobre o tema, a cada faixa etária.
Calligaris vai mais longe e diz que é favorável ao rebaixamento da maioridade penal, como ocorre no Reino Unido, Canadá, Austrália, EUA, entre outros. Não sei se percebeu, mas são países com cultura anglo-saxã, que imputam ao indivíduo responsabilidade absoluta de seus atos (ao contrário dos latinos, como expliquei acima). Aliás, mesmo na Inglaterra, houve mudança importante, nos últimos anos, na direção oposta à sua crença.
Para terminar, o autor que admiro sugere que é bom agir sob impacto emocional para ocorrer mudanças, ou nunca nada mudaria. Convenhamos que é uma assertiva bem... emocional. Lei não é questão de mobilização social e regras penais são, ainda, mais graves, que merecem mudar pouco ou se coloca em risco a noção de crime, como nos ensinou Émile Durkheim.
Bom, Calligaris tem direito a dar sua opinião. Mesmo sem muito fundamento. O problema maior é a decepção pessoal. Mas isto passa.
6 comentários:
Professor Rudá Ricci, fiquei com a mesma sensação com o vácuo que ficou sem a sua análise sobre o livro do jornalista Paulo Moreira Leite - prefaciado por Jânio de Freitas - "A Outra História do Mensalão"...
Mas passa, como o professor mesmo lembrou.
Guilherme,
Eu divulguei o livro neste blog, mas não me interessa ler este livro, nem os que usam a história do mensalão para atacar o PT. Simplesmente, não me interessa. Eu fui dirigente petista e conheço bem os escaninhos por onde o partido passou. Não vou percorrer esta história. Você não deve saber, mas me insurgi contra Zé Dirceu e Delúbio e estou, em parte, em BH porque minha família não aguentava mais a tensão deste enfrentamento. Assim como você tem direito de me pedir este favor, penso que tenho direito de aceitar ou não. E, nisto, não tem relação alguma com a posição de Calligaris. Eu simplesmente não quero entrar nesta história de horror. Eu ajudei a fundar o PT e a CUT. Quero ficar com as boas lembranças.
Acho muito saudável esta sua postura de "outsider insider" na história do PT e apesar do sofrimento faz de você um pensador original, alguém a quem os calos da política fez a luz refratar em muitas cores em vez de virar as costas para própria história ou se opor infantilmente como foi e é o caso de muitos.
Voltando ao gotardo...infelizmente, já nos comentários sobre a tortura ele tinha escorregado para digressões muito pessoais e só polemistas. Ou aumento de salário ou a Folha tá mal das pernas e tá pensando em reduzir o povo...competição braba.
Discordo do Calligaris.
Agir sobre o impacto emocional é deixar a racionalidade de lado.
Está na hora de debater este assunto, de forma sensata, equilibrada e com bons argumentos.
Comparar as leis de alguns países para justificar a redução da maioridade penal no Brasil.
É desconhecer a nossa realidade.
Viva o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Professor Rudá, frequento o blog, bem como assisto sempre as suas participações em programas na tv - não gosto quando o professor vai ao Brasil das Gerais, aquela mulher não deixa ninguém falar, ao contrário da Vivian, que é uma craque - a temos, e já notei que o senhor passa a impressão que não é afeito a puxa-saquismo...
Quanto a minha cobrança, o fiz em cima da sua própria promessa. Disse-nos que, após a leitura, postaria as suas observações. Está lembrado disso? Eu apenas não me esquecera. Saudações!
Guilherme,
Confesso que havia me esquecido da promessa. Mas, volto a destacar, este tema não me atrai, por vários motivos. Primeiro: vejo que o mensalão é mais uma das questões que tentam transformar em Fla X Flu. Não há profundidade na análise, mas partidarização. Não se analisa, por exemplo, por qual motivo se adotou estratagemas de atração de ideologias tão opostas para compor uma coalizão. O mensalão é mero instrumento de uma opção maior. Mas os adeptos de um ou outro lado ficam nesta questão moralista, secundária. Segundo, não tenho interesse em reviver algo que me afetou tanto. A direção petista que tomou o partido nos anos 1990 destruiu a novidade que era a construção de um partido de massas, em oposição ao clássico partido de quadros leninista. Zé Dirceu e seguidores diminuíram o PT e sei bem como. Não quero entrar nesta seara. Não sou traidor e minha disputa se dá no campo da política, não do discurso moralista.
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