1 – Como avalia a criação de mais um ministério pelo governo federal (Micro e Pequena Empresa) e novas autarquias? o aumento da estrutura da administração pública é realmente necessária?
R: Temos que separar as questões que envolvem a criação deste ministério. Trata-se de um acordo político que foi sendo construído ainda no início da primeira gestão Lula. O SEBRAE e algumas federações de empresários do país negociaram a formalização das micro e pequenas empresas a partir de uma série de contrapartidas. Uma delas era a criação deste ministério. Houve, naquele período, uma forte campanha pela formalização que efetivamente aumentou a arrecadação de impostos deste segmento. Dito isto, minha opinião é que ainda adotamos uma estrutura arcaica (não só no governo federal) de organização pública, de tipo matricial. Explico: os ministérios e secretárias estaduais não dialogam entre si, a não ser através de sua cúpula. Gastamos recursos (veículos, equipamentos, prédios) desnecessariamente e não é raro termos sobreposição de ações. Poderíamos ter integração de áreas e programas (uma coordenação geral de políticas sociais, por exemplo) e, na ponta, organismos multidisciplinares por território, o que facilitaria o diagnóstico integrado e até o controle da sociedade civil. Da maneira como está, mesmo enxugando o número de ministérios, continuaríamos tendo muita gente alocada em funções erradas e sem coordenação efetiva das ações. Lembremos que grande parte dos funcionários públicos federais estão no DF e no Rio de Janeiro, algo que revela o anacronismo desta organização.
2 - No Brasil é muito comum o “inchaço” da máquina pública. Como evitar isso, desde o governo federal ao municipal?
R: Trata-se de um mito. Com base nos dados da OCDE, a relação entre funcionários públicos e população (número de servidores a cada 100 mil habitantes) é de 6,11 na Alemanha; 20,8 na Áustria; 10,9 no Canadá; 38,4 na França; 8,4 no México. O índice brasileiro, em 2010, era de apenas 5,7.
3 – Qual deve ser o tamanho ideal da máquina administrativa?
R: Não se trata do tamanho, mas do serviço. Uma lógica moderna de atendimento deve observar que o Estado tem que chegar ao cidadão, e não o inverso. Num país de dimensões continentais, o importante é adotarmos estruturas descentralizadas, ágeis e integradas (multifuncionais), algo que se aproxime do Koban, no Japão, onde cada servidor de segurança metropolitana atende 150 domicílios na sua jurisdição. Este servidor se constitui numa referência social de determinada comunidade e consegue elaborar um excelente diagnóstico integrado, envolvendo as relações intrafamiliares e as comunitárias. A questão, portanto, é a eficiência e o respeito ao cidadão.
4 – Estamos nos primeiros meses das novas administrações municipais. Quais as primeiras providências dos novos prefeitos em relação ao tamanho da administração pública municipal? Quais as principais leis que os novos gestores devem estar atentos para evitar problemas (LRF, por exemplo)?
R: Acompanho muitas administrações municipais do país e há uma preocupação geral com a LRF. Quase todas já estão no teto do gasto com funcionalismo. É importante que se diga que a LRF foi formulada para gerar superávit primário para pagar a dívida brasileira. E somente a dívida interna, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida Pública, já passa de 2,7 trilhões de reais. Há uma profunda financeirização do que se define como responsabilidade fiscal, quando o objetivo primeiro seria a justiça social e não o pagamento da dívida. O fato é que os prefeitos estão vivendo uma sinuca de bico porque a parcela do orçamento público que lhe resta para investimentos é quase zero. 60% do orçamento público estão concentrados na União. Na prática, os prefeitos só conseguem investir se firmam convênios, principalmente com o governo federal, o que os transforma em gerentes de convênios e programas federais. A primeira ação, portanto, é escancarar esta situação para os cidadãos de seu município e definir prioridades a partir de consultas populares ou mecanismos mais ousados de participação popular na sua gestão. De maneira geral, terá que se tornar um líder do movimento pela municipalização, que foi forte até a Constituinte de 1987 e que nos últimos anos caiu em total declínio.
5 – Como o novo gestor deve dimensionar o tamanho da gestão? Como deve escolher o número de secretarias, autarquias etc, de modo a evitar desperdício de recursos públicos e montagem de estruturas desnecessárias?
R: Há, hoje, um grande conhecimento na formatação de gestão por processos. Uma gestão pública tem que se orientar por dois grandes objetivos: a) prioridades estratégicas e b) atendimento eficiente e direto na ponta. Há, aqui, uma sabedoria a ser observada: é na ponta que está a alma de uma gestão. Portanto, quem atende tem que ser bem formado e, em grande medida, ter conhecimento que integre as várias ações do governo, justamente porque é a porta de entrada por onde o cidadão demanda e dialoga com o governo. Mas para este funcionário ter tal perfil é preciso que participe dos processos de planejamento. Só assim ele terá autonomia. Quem executa, portanto, tem que estar envolvido com o planejamento. Se isto ocorresse, teríamos menos funcionários (porque estariam compondo equipes com conhecimentos múltiplos), mais eficientes (porque produziriam diagnósticos integrados e teriam como tomar decisões que superassem problemas emergentes) e mais integrados à lógica da comunidade em que estão inseridos. Mas a estrutura que temos é absolutamente especializada, matricial e cheia de chefes e chefetes. Os funcionários de atendimento são os que menos poder possuem. Os que possuem mais poder são justamente os mais afastados do cotidiano dos cidadãos e mais especializados. Ora, é óbvio que esta estrutura está de cabeça para baixo.
6 – Muitas vezes o novo prefeito cria novos órgãos apenas para acomodar politicamente aliados das eleições. Como o prefeito deve lidar com isso?
R: Sinceramente, só haverá mudança se a população reagir. Porque esta é uma tendência que está se reforçando a cada ano. A coalizão presidencialista contaminou toda estrutura republicana do Brasil, envolvendo governos estaduais e municipais. As alianças são cada vez mais amplas para conter o parlamento. É comum vereadores indicarem secretários, o que gera uma imensa promiscuidade entre poderes que deveriam ser independentes. Só com a organização dos governos por território (comunidades, bairros), com estruturas multidisciplinares e conselhos de representantes da sociedade no seu controle é que poderíamos alterar esta lógica. Hoje, contudo, é exatamente o inverso: as secretarias são loteadas e cada uma tem sua prioridade territorial em virtude da base eleitoral de cada partido. Assim, dificilmente temos políticas globais integradas num município.
7 – Quais os erros mais comuns dos novos administradores e que acabam provocando inchaço da máquina administrativa? Como evitar isso?
R: O erro comum, que dá resultados imediatos mas emperra o governo ao longo dos anos, é procurar aliciar parlamentares e atender a todas demandas, sem prioridades claras. Trata-se do modelo "tradicional", de cunho clientelista. Na prática, os gerentes de carreira, principalmente os da área de compras/licitação e jurídica, acabam em conflito aberto com os gestores e cargos de confiança justamente porque não há diálogo entre a lógica burocrática (especializada e insensível) e a lógica tradicional (clientelista e totalmente sem regras e prioridades). Como evitar? Aumentando a participação dos cidadãos na administração, consultando-os, fornecendo informações claras e objetivas, discutindo prioridades, sendo transparente. É o cidadão que paga o salário dos governantes e funcionários públicos. Não podemos inverter a ordem de comando.
8 – Em relação ao número de funcionários, como evitar contratações desnecessárias? Como deve ser dividido o número de funcionários concursados e de cargos de confiança?
R: Os cargos de confiança são necessários porque governo não é empresa privada. Ela vive de negociações e acordos sucessivos. Por isto se fala na "arte de governar", em função da habilidade e sensibilidade que um governante necessariamente tem que ter. A legislação do Distrito Federal define que metade dos cargos comissionados seja composta por servidores concursados. Tenho dúvidas se esta lógica responde à necessidade que apontei acima. O fato é que temos mais de 23 mil cargos de confiança no governo federal, quase três vezes o número dos EUA (8 mil cargos) e quase oitenta vezes o número da Inglaterra (300). Contudo, devemos lembrar que a Inglaterra terceirizou parte da gestão pública, num afluxo impressionante de contratações de consultorias. O fato é que se enxugamos os níveis superiores de gestão e criamos estruturas descentralizadas, compostas por unidades multifuncionais (ou multidisciplinares) territoriais, diminuiríamos o número de cargos de confiança porque aumentaríamos a inteligência do Estado (e não do governo). O que sugiro é um número específico de cargos de confiança por unidade de controle gerencial (de governo) e aumento da estrutura de Estado (permanente).
9 – Citaria exemplos de países que possuem máquinas enxutas e eficientes, que poderiam servir de exemplo ao Brasil?
R: Este é um campo minado. A Índia, que vem elaborando uma importante reforma organizacional do Estado, sugere que algumas inovações no Brasil (orçamento participativo e conselhos de gestão pública) seriam mais eficientes, transparentes e poderiam enxugar a máquina. Esta é a mesma opinião da professora Ana Paula de Paula, que publicou um importante estudo sobre o que denomina de Estado Societal (opondo ao Estado Gerencial sugerido pelo então ministro Luis Carlos Bresser Pereira). No campo liberal, EUA, Inglaterra e Nova Zelândia são citados como referência. O modelo do Reino Unido passou, ao longo dos anos 1980 e 1990, por várias alterações inspiradas em técnicas de gestão empresarial, incluindo orientações de Tom Peters e Osborne. Eficiência em gestão pública é atendimento preciso e transparente ao cidadão, com respeito ao desejo e valores da sociedade. Não se trata de cliente, mas de cidadão, que gera recursos para a máquina pública se mover e que transfere seu poder através do voto, a um funcionário momentâneo, que deve ser substituído caso não agrade ou menospreze seus interesses.
Um comentário:
O entrevistador/veículo de mídia já chega para a entrevista alimentado por mitos e demagogias. Rudá vai e sepulta a mais relevante dessas falácias (o suposto inchaço de nossa máquina pública, que norteava todas as outras perguntas) e o jornalista não se toca, parece evitar o assunto. Que lástima!
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