segunda-feira, 29 de abril de 2013

CEBs ou Carismáticos?

Li a entrevista de Padre Marcelo Rossi na Folha de hoje. A linha de argumentação é bem nítida: sugere que o caminho para a Igreja Católica é construir grandes espaços para animar os fiéis. E censura as Comunidades Eclesiais de Base como saída para conter a diáspora de católicos brasileiros para igrejas evangélicas. A censura é, também, clara: as CEBs levaram à atuação político-partidária de católicos o que não seria bom negócio, afirma o padre.
Padre Marcelo, com as inovações que introduziu ao cantar, gesticular, pular e fazer fiéis imitarem seus gestos e cantos, abriu porteira para o pentecostalismo católico, ou seja, a experiência direta do católico com Deus, algo já discutido, inclusive, no Concílio de Trento, quando católicos refutaram a tese de Lutero, da relação direta, via leitura da Palavra de Deus. O pentecostes é, desde a origem, uma festa (a Festa das Semanas grega, pós-colheita), além da descida do Espírito Santo sobre os cristãos, levando a um movimento de adoração e êxtase.
O movimento carismático avançou a partir do estilo Marcelo Rossi. Em Belo Horizonte, há missas de "cura e libertação", como as da paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja, onde todos cantam e balançam os braços.

Do outro lado, estão as CEBs, invocadas na 51a Assembléia Geral da CNBB, ocorrida em Aparecida do Norte, na semana passada. Poucos acreditam que esta lembrança passe do papel.
No I Encontro Nacional de CEBs, ocorrido em 1975 em Vitória, registravam-se 50 mil comunidades eclesiais de base. Cinco anos depois, já eram 80 mil. O livro "A realidade social das religiões no Brasil", de Flávio Pierrucci e Reginaldo Prandi (1996) sustenta que no final da década de 1990 cerca de 1,8 milhões de católicos atuavam nas CEBs, de um total de 14 milhões que afirmavam que participavam de algum movimento católico organizado. As CEBs permanecem em algumas localidades e, quase sempre, se relacionam às pastorais sociais oriundas da Teologia da Libertação ou de articulações nacionais como as Semanas Sociais. Contudo, perderam espaço com a articulação política conservadora do Papa João Paulo II. A partir de sua ação, os seminários católicos abandonaram discussões e preparação para a organização popular. Passaram a pregar o retorna à oração e espiritualidade como se antes não ocorressem. Algo como trocar a discussão pedagógica pela didática, nos termos educacionais.
Pouco a pouco, a "religiosidade privada" ou apropriação particular da religião, foi se disseminando. E, assim, o afluxo dos fiéis às atividades da igreja são, muitas vezes, motivadas por questões pessoais ou familiares. A demanda social e a solidariedade coletiva perderam sentido. Anos atrás, coordenei uma pesquisa sobre o perfil dos católicos da Arquidiocese de Belo Horizonte e os resultados foram muito similares ao que se verificava em Roma: os católicos elogiavam as ações sociais dos espíritas, mas não conseguiam mais se mobilizar para algo similar, para ações coletivas de solidariedade. Muitos católicos ficavam perplexos consigo mesmos ao revelarem tais contradições. Os estudiosos de Roma adotaram esta expressão ("religiosidade privada") para nomear o distanciamento social.

No outro extremo, a Opus Dei, com seus 2 mil membros e 60 sacerdotes no Brasil (são 87 mil em todo mundo). A prática é mais conservadora, com comunhão diária, reza do terço, oração mental. A prática política é intensa, mas discreta. A rotina dos "numerários" (membros da organização que fazem voto de castidade) gerou estranhamento e é destacada em muitas publicações. Os numerários não assistem TV ou cinema, os jornais e revistas são editados, não se pode cultivar amizades externas, duas horas por dia enfrentam o cilício amarrado às coxas, revelam seus pensamentos aos seus superiores. Há, também, os supernumerários, que não se submetem a este rigor torturante. Parte de sua fama também tem origem na sua relação com o franquismo, na Espanha. Por estas e outras, esta organização criada no final da década de 1920 (chegou ao Brasil na década de 1950, em Marília, interior de SP), é nomeada por alguns católicos de "igreja dentro da igreja".

Assim, a entrevista de Padre Marcelo tem um recado não explícito. Parece uma opinião pessoal, e não deixa de ser. Mas não é algo formado a partir de uma mera convicção individual. Trata-se de um ideário, entre vários, que disputa a Igreja Católica há décadas.
Pelo que expus, tenho a impressão que se trata do lançamento de uma "via do meio", reagindo ao documento do último encontro dos bispos do Brasil.
Mais um capítulo, portanto, desta história que poucos fiéis conhecem ou acompanham.


2 comentários:

Luís A Bassoli disse...

Caro Rudá
uma breve correção. Da forma como foi escrito, a impressão que dá é que Pe Marcelo abriu a 'porteira carismática', quando, na verdade, ele já é da segunda geração. Sua vocação religiosa surgiu na própria RCC. O primeiro grupo carismático na Paróquia Mãe da Igreja é da década de 80 (sei, pq eu era o animador...)
Quanto à posição política do Pe Marcelo, percebe-se extremamente contraditória, sabendo-se de como ele sempre apóia os candidatos tucanos em SP, ainda que camufladamente em suas missas...Política tucana, pode?
Quanto a divulgação da opinião do Pe Marcelo, trata-se da opção do jornal. Para eles, é mais afinado. A reação é do próprio dono do jornal...
A RCC mostrou-se, ao contrário da Opus Dei e outros movimentos, como Comunhão e Libertação, incapaz de articular-se junto aos bispos. Foi, isto sim, instrumentalizada por aqueles que se preocuparam a utilizar dela para 'romper o avanço pentecostal', o que fere o espírito da própria RCC que é em sua origem ecumênica.
Outro aspecto de instrumentalização foi o antagonismo com a preocupação social (não vou citar a TdL, pois aí trataria-se de uma questão exegética que a própria TdL criou). A RCC não seria essencialmente contrária a esta preocupação, mas tornou-se assim pois era conveniente para ter espaço ( sem poder ) junto ao clero conservador.
Felizmente, boa parte das comunidades carismáticas (centenas ou talvez milhares no Brasil), embora conservadoras partidariamente, possuem prática e preocupação social, saindo de si mesmos, ao cuidar de excluídos sociais, como, p.ex., no atendimento a dependentes químicos.

Rudá Ricci disse...

Luís,
Se ficou esta impressão, escrevi errado. O movimento carismático começou em Campinas e reproduziu os eventos de histeria, na época, como ocorreram nos EUA, nas Universidades de Duquesne, Notre Dame e Michigan. A RCC tem início no Brasil na década de 1970. Depois de Campinas, foi a vez do Paraná, chegando em Belo Horizonte, em 1972.
Padre Marcelo, a despeito de sua religiosidade, é autocentrado. Ele faz parte do que na sociologia se denomina "sociedade do espetáculo", pouco reflexivo, hiperativo. Não percebo, sinceramente, nenhum vínculo com a mística católica.
Minha questão é sociológica, Luís. Neste caso, compreendo que ocorram contradições no interior da RCC, assim como ocorreram e ocorrem na Teologia da Libertação (mais marxista ou menos). Mas, do ponto de vista sociológico, procuro compreender tendência e sua representação no jogo político e de crenças dos cristãos. É este movimento-força que interessa à uma análise sociológica. Neste sentido, traduz um movimento contemplativo que, pela natureza do pentecostes, não coloca o eixo da sua existência no mundo real, concreto. Não é o caso de todos que participam deste movimento, mas da doutrina que o organiza.
Do ponto de vista da análise política, trata-se de um pêndulo ideológico, de visão de mundo.