Foram cinco meses para sair dos sintomas de depressão. Não aguentei perceber o nível que chegamos na política brasileira ao mergulhar nas eleições municipais do ano passado. Não sou novato em política. Com 17 anos, ajudei a fundar o PT. Com 22, fui da comissão organizadora que criou a CUT, num evento que tive que ouvir um militante do PCdoB, pregado no meu ouvido, falar o tempo todo "vocês estão enganados". Com 27, estava no governo da Erundina, acompanhando as regionais Perus, Pirituba, Pinheiros, Butantã e Lapa. Neste período, coordenei a campanha de Lula e, depois, articulei acordos no PT para fazer Plínio de Arruda Sampaio o candidato ao governo de São Paulo pelo PT. Fui coordenador da campanha dele e, no ano seguinte, passei a se assessor nacional da CUT. Neste meio tempo, fui coordenador da seção paulista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, me envolvi em muitas articulações estaduais e nacionais, apoiei o Movimento Negro Unificado, campanhas pela Amazônia, pela anistia de estrangeiros do cone sul que residiam no Brasil, das oposições sindicais metalúrgicas de São Paulo, do movimento antimanicomial e tantos outros movimentos. Me tornei amigo de Paulo Freire e enterrei meus pés nas práticas e discussões sobre educação popular. Discuti o papel e os conteúdos de várias escolas sindicais e me envolvi, como educador, diretamente com o Instituto Cajamar e Escola Sindical 7 de Outubro, que acabou me trazendo para Belo Horizonte. Fui subcoordenador do PT de toda região oeste do Estado de São Paulo, dirigente sindical das estatais paulistas.
Não sou novato, portanto.
Mas confesso que o que vi no ano passado me arrebentou por dentro. O sistema de representação política está totalmente quebrado. Por dentro. Quem vota não tem ideia de como sua intenção é desrespeitada antes mesmo do ato concreto de digitar na urna. A escolha dos candidatos, a maneira como se discute o eleitor para conquistá-lo, a compra de votos indiscriminada, os acordos espúrios, o financiamento de campanhas, a eleição da mesa diretora das câmaras municipais, é algo que dilacera toda história de lutas pela democratização do país.
Vou citar apenas o caso do financiamento das campanhas. Não quem e como financia, que já é roteiro de filme de terror e suspense. Mas como o caixa geral de campanha é utilizado para criar cordeirinhos. É comum, hoje, no Brasil, que o caixa de campanhas de vereadores seja centralizada nas mãos da campanha majoritária. Todos partidos coligados são financiados por este caixa. Quem coordena, invariavelmente, é alguém com poucos escrúpulos. Se um candidato da coligação sobressai, sem que tenha a benção do "coordenador do caixa", sua campanha começa a minguar. Primeiro, perde o dinheiro do combustível e pagamento de cabos eleitorais. Depois, passa a ser alvo da tal "inteligência eleitoral", aquele grupo de pessoas sem caráter, com olhar de espertos (parece que sempre possuem alguma informação que nem os céus sabem que existe), preparados para todo tipo de sabotagem. Este grupo "recolhe" cartazes e pirulitos do "adversário" ao longo da madrugada e jogam num galpão. Vasculham a vida alheia e jogam no facebook. Como o QI deste grupo de inteligência (acho, até, que se autodenominam assim por um desejo inconfesso de um dia chegarem a pensar) é excessivamente baixo, distorcem informações, caluniam, ameaçam. O que há de mais marginal no submundo da política. Oferecem celulares, dinheiro, sexo, o que vocês nem imaginam, para aliciar e "convencer".
Cito este detalhe do processo eleitoral. Algo que um cidadão normal não aguentaria suportar por menos de um dia. No mundo político de hoje, se repete por meses.
Em novembro já sentia os efeitos do que vi e ouvi. Mas meu filho casaria em janeiro. Após o casamento, desabei.
Fui forjado na geração da mudança. Não era uma crença. Minha geração mudou, efetivamente, o país.
Ver e ouvir as bobagens e imoralidades, o desrespeito ao cidadão e ao processo democrático, me colocou a questão sobre o que, afinal, foi a resultante de tudo o que eu fiz e me engajei desde os 17 anos. Foi duro.
A saída foi a de sempre: trabalho. Desde fevereiro, não estou parando de viajar e trabalhar. Somente nesta semana, estive em ao menos duas cidades em cada dia. Estive reunido com equipes de governos de cinco municípios, além de vários grupos de militantes católicos, educadores sociais e lideranças. Gente séria, que oferece uma luz no fim do túnel. É um antídoto torto, porque a realidade do ano passado é, hoje, hegemônica. Pode ser miragem, mas este tipo de consolo ajuda. Porque ninguém é de ferro. Só Stalin.
2 comentários:
É complicado, acaba por desestimular e causa a apatia política dos jovens, uma grande facada no coração do nosso futuro.
Nessa questão, o financiamento público das eleições ajudaria?
Talvez uma mídia menos seletiva, capaz de escancarar esses fatos e coibir os culpados tb ajudaria, não?
Pensei nisso qdo lembrei da campanha do Marcelo Freixo. 30%, sem dinheiro de empreiteiras, acordos espúrios e outros venenos para a nossa política.
Sempre leio seu blog, mas não me recordo de uma análise sobre o processo eleitoral "diferenciado" da campanha do marcelo freixo.
Caminho se constrói andando...continue com essa bela tragetória...Minhas inquietações são também nesse sentido, a cada leitura sobre esse problemas da política brasileira angustia-me tanto que 'as vezes o cinismo parece ser mais forte.
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