quinta-feira, 18 de abril de 2013

Casão

Eu resolvi ser corinthiano em 1977. O Timão jogou em 13 de outubro, quatro dias antes do meu aniversário. Ainda morava na pequena cidade de Tupã, interior de São Paulo. Saímos de carro pela avenida principal da cidade e havia um surpreendente congestionamento. Gente gritando, chorando, bebendo. Não teve jeito. Pensei logo que se tanta gente era corinthiana mesmo tendo sofrido mais de vinte anos era porque aquele time (e a torcida) era diferente. Mas a paixão mesmo veio com o time com Casão, Sócrates e aquele pessoal da Democracia Corintiana. Sócrates era surpreendente em tudo. Falava como universitário, dava passes de calcanhar com muita precisão, pensava, nariz empinado. Lembro de quando jogador de futebol começou a ganhar mais de 100 mil reais por mês. Uma gritaria geral. Diziam que era absurdo ganhar tanto para fazer algo que não passava de entretenimento. E, lá vem Sócrates nos lembrar a regrinha básica do marxismo: se ele gerava tanta riqueza, tinha direito, como trabalhador, a ganhar ao menos parte desta bolada. Se havia erro nesta história não se localizava no salário do jogador. Silêncio.
Casão era mais assustador. Introspectivo, roqueiro, extremamente irreverente, sempre com o skate ao lado. Era um espírito selvagem, talvez até mais politizado e ousado que Sócrates.
Acho que foi isto que me fez demorar para ler a biografia dele, publicada recentemente, escrita em parceria com o jornalista Gilvan Ribeiro. Mas bastou ver a participação dele, nesta semana, no SporTV que acabei cedendo. Comprei o livro ontem, na livraria Cultura, em São Paulo. Uma cacetada. A cara dele. Soco direto, com ternura. Confesso que senti náusea, principalmente nos dois primeiros capítulos, os mais duros do livro. Minha irmã já havia comentado a história dos demônios, mas eu não entendi que Casagrande tinha visto, realmente, demônios, no auge da overdose e da crise existencial.
Casagrande me fez comparar este período ultraconservador que vivemos com o período em que ele foi o Casão do Timão. Não existe mais espírito crítico. Só partidarização. Espero que mais adiante, consigamos ver a vergonha que foi este Fla X Flu conservador, voltado para o discurso empresarial do sucesso, só que na política. A universidade virou campo de produção de artigos e consultorias. As teses caminham como siri, sem imaginação, com pressa de abrir caminho para o famoso pós-Doc, a parada seguinte para a mesmice. Não há experimentação em nada, na música ou no teatro, em campo intelectual algum. Outro dia, vi propaganda de uma versão brasileira de Hamlet, na traseira de um ônibus. O Hamlet brasileiro é um ator global. Olhei no rosto e não consegui ver nenhuma expressão de desespero, de angústia. As sombras que aparecem na foto (talvez, a maquiagem) destacam olheiras que não se confundiam com o olhar. Não havia ruga, não havia tristeza nos olhos. Pensei que ali estava a demonstração nítida que vivemos um pastiche global.
No futebol, posso estar enganado, mas me parece que o criativo Neymar está preso numa camisa de força. O olhar é desafiador, mas o que sai da boca é bom-mocismo. Ridículo. Para uma pessoa ser criativa ela precisa ser irreverente. Caso contrário, repete, não cria.
Querem fazer de Neymar um anti-Casão. O problema é que dificilmente ele produzirá uma biografia como a que Casão nos presenteou.
A frase mais marcante do livro, para mim, está logo no início do prefácio, escrito pelo ácido (tal qual) Marcelo Rubens Paiva:
Por que sempre queremos mais? Se nos dão o topo, queremos atravessar as nuvens. Se estamos na estratosfera, queremos ir a outros planetas, outras galáxias. Uma inquietação que alimenta a humanidade.
Pois é. Sei bem o que é viver de adrenalina. Aliás, quando ouvi Casão falar no SporTV sobre como aguentar o tranco quando a adrenalina baixa não tive mais dúvidas que tinha que ler este livro.



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