Casão era mais assustador. Introspectivo, roqueiro, extremamente irreverente, sempre com o skate ao lado. Era um espírito selvagem, talvez até mais politizado e ousado que Sócrates.
Acho que foi isto que me fez demorar para ler a biografia dele, publicada recentemente, escrita em parceria com o jornalista Gilvan Ribeiro. Mas bastou ver a participação dele, nesta semana, no SporTV que acabei cedendo. Comprei o livro ontem, na livraria Cultura, em São Paulo. Uma cacetada. A cara dele. Soco direto, com ternura. Confesso que senti náusea, principalmente nos dois primeiros capítulos, os mais duros do livro. Minha irmã já havia comentado a história dos demônios, mas eu não entendi que Casagrande tinha visto, realmente, demônios, no auge da overdose e da crise existencial.
Casagrande me fez comparar este período ultraconservador que vivemos com o período em que ele foi o Casão do Timão. Não existe mais espírito crítico. Só partidarização. Espero que mais adiante, consigamos ver a vergonha que foi este Fla X Flu conservador, voltado para o discurso empresarial do sucesso, só que na política. A universidade virou campo de produção de artigos e consultorias. As teses caminham como siri, sem imaginação, com pressa de abrir caminho para o famoso pós-Doc, a parada seguinte para a mesmice. Não há experimentação em nada, na música ou no teatro, em campo intelectual algum. Outro dia, vi propaganda de uma versão brasileira de Hamlet, na traseira de um ônibus. O Hamlet brasileiro é um ator global. Olhei no rosto e não consegui ver nenhuma expressão de desespero, de angústia. As sombras que aparecem na foto (talvez, a maquiagem) destacam olheiras que não se confundiam com o olhar. Não havia ruga, não havia tristeza nos olhos. Pensei que ali estava a demonstração nítida que vivemos um pastiche global.
No futebol, posso estar enganado, mas me parece que o criativo Neymar está preso numa camisa de força. O olhar é desafiador, mas o que sai da boca é bom-mocismo. Ridículo. Para uma pessoa ser criativa ela precisa ser irreverente. Caso contrário, repete, não cria.
Querem fazer de Neymar um anti-Casão. O problema é que dificilmente ele produzirá uma biografia como a que Casão nos presenteou.
A frase mais marcante do livro, para mim, está logo no início do prefácio, escrito pelo ácido (tal qual) Marcelo Rubens Paiva:
Por que sempre queremos mais? Se nos dão o topo, queremos atravessar as nuvens. Se estamos na estratosfera, queremos ir a outros planetas, outras galáxias. Uma inquietação que alimenta a humanidade.Pois é. Sei bem o que é viver de adrenalina. Aliás, quando ouvi Casão falar no SporTV sobre como aguentar o tranco quando a adrenalina baixa não tive mais dúvidas que tinha que ler este livro.
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