terça-feira, 12 de junho de 2012

Minha entrevista para a revista Educação e Oportunidade, publicação institucional do Senac Minas


1) O que motiva as pessoas a continuarem se aperfeiçoando?
R: Um projeto. Algo que o jogue para a frente e que passa, necessariamente, pelo reconhecimento de seu esforço. Os lacanianos afirmam que só se busca alimento quando há um vazio a preencher. Em segundo lugar, a projeção que se faz da sua vida pessoal. Antonio Nóvoa, em sua famosa pesquisa com educadores da Europa, constatou que o momento mais significativo da formação de um professor não eram palestras, seminários ou cursos, mas o vínculo que faziam de situações afetivas e pessoais (o nascimento de um filho, por exemplo), com a carreira (ao pensarem como gostariam que fosse o futuro professor de seu filho e, assim, se vissem na obrigação de analisar o que eram como professores). O que sabemos com muita clareza é que não é o salário que define este engajamento profissional. Estudos da HAY indicam claramente que não há relação direta entre salário e desempenho. Obviamente que há um patamar básico de salário que define reconhecimento profissional. Mas não se pode vincular melhoria salarial (um direito humano) com desempenho profissional. Este é um erro grosseiro que os EUA cometeram e que o Brasil comete. O problema é que os EUA já sabem que é um erro. Basta ler o livro de Diane Ravich (é possível acessar vários estudos desta autora em https://sites.google.com/site/movimentocontratestes/bibliografia). Os governos de São Paulo e Minas Gerais, assim como o do Paraná, são os que mais se inspiram nesses atalhos fáceis que já provaram que transformam a educação em campo de testes massivos e não melhoram os indicadores educacionais.

2) O ensino técnico é uma boa opção de educação continuada para os jovens?Por quê?
R: Depende do modelo metodológico adotado. O modelo de Escola Dual do sul da Alemanha foi uma boa experiência que articulava uma concepção humanista com forte vínculo com as inovações tecnológicas. Os comitês pedagógicos, por este motivo, eram compostos por educadores, sindicalistas e empresários. A vantagem do ensino técnico no Brasil é que somos produtores de commodities. E, até o momento, produzir commodities não exige alta qualificação instrucional. Portanto, o emprego no Brasil é majoritariamente semi-qualificado. Não entendo, por aí, qual o motivo para insistirmos que sucesso estaria vinculado com carreira universitária. Os dados oficiais indicam que esta é uma afirmação absolutamente inconsequente.

3) Nos últimos anos, percebeu-se uma retomada de investimentos e da procura
por cursos técnicos. A que atribui esse movimento?
R: Não foi um movimento educacional. Foi fundamentado numa leitura dos economistas sobre a demanda de mercado (desde 2002, quando economistas do Rio de Janeiro divulgaram o estudo "Agenda Perdida", que comento em meu livro sobre o Lulismo). Em segundo lugar, foi uma deliberação do governo federal, estimulada pelo pragmatismo governamental de consolidação do mercado interno. São inspirações keynesianas.

4) Qual a importância, a seu ver, do Senac, especialmente em Minas Gerais, para a formação continuada?
R: É, evidentemente, um oásis de excelência. Reconhecido em todo país. O que sempre me impressionou foi a atualização pedagógica e a busca de inovações na área. Lembro de ter discutido o modelo da Escola Dual (que citei anteriormente) e o modelo da Áustria com formuladores e gerentes do Senac, anos atrás. O que poderia incrementar ainda mais seria a forte preocupação com a formação para a cidadania que o Senai possui. No mais, é uma referência nacional.

5) Quais o senhor acredita que sejam os rumos da educação continuada no Brasil? Minas Gerais segue o mesmo ritmo?
R: A dificuldade é que ao pensar rumos estamos pensando em tendências que se unificam. Mas não há discussão pública sobre os rumos da educação brasileira. São iniciativas isoladas ou centrais. Lamento, como educador, que esta seja a realidade. Escrevi a respeito em várias publicações e a mais recente foi na edição de aniversário do jornal Valor Econômico. O problema é que não temos um projeto nacional para a educação de nosso país. Os últimos ministros da educação alteraram o foco do MEC a cada mudança: fim do analfabetismo, sistema de cotas, avaliação sistêmica, nacionalização do ENEM e, agora, cursos técnicos. A cada ministro, um foco totalmente distinto. Só isto já demonstra ausência de rumo.

6) Quais seriam as políticas públicas ideais para uma nação que investe na educação de seu povo?
R: Foco no aprendizado e não no resultado. Com isto, aprenderíamos que educação é um ato de relacionamento social e não técnicas de memorização ou somatório de "dicas e pegadinhas". Todos os dados divulgados nos últimos dois anos revelam que as menores redes e as escolas com menos alunos são as que apresentam melhor desempenho de seus alunos. Por qual motivo? Porque facilitam o acompanhamento e o relacionamento afetivo entre escola, educadores e alunos. A educação é relação subjetiva, direta, pessoal. Por este motivo que um estudo do Todos pela Educação revelou que há relação entre tempo de trabalho de um diretor e desempenho dos alunos. Quanto mais tempo um diretor está nesta função numa mesma escola, mais conhece a comunidade, as famílias dos seus alunos, os alunos e seus problemas e angústias, os professores e funcionários. Ele consegue ler os motivos de algum problema de desempenho, relaciona problemas familiares com comportamento. Portanto, se focarmos na aprendizagem, aprenderemos a alterar o modelo massivo e centralizador da gestão educacional em nosso país que padroniza tudo e patina. Esta gana pela formação padronizada e massiva vem dos Grupos Escolares do final do século XIX: a ideia de que cada professor tinha que formar 1.000 alunos por ano. Assim como um italiano sabe que um bom molho de tomate se faz em fogo baixo, durante seis  horas, a educação não se faz com aceleração de aprendizagem, padronização e massificação do ensino e impessoalidade. Não dá para acelerar a mente. Ela tem um tempo definido pela natureza.

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