Simplismo insustentável
José de
Souza Martins
(...) a questão do modelo alternativo de desenvolvimento sustentável acaba parecendo pretexto que oculta propósitos diferentes dos aceitáveis por muitos para constituição de uma maioria eficaz. Aquela capaz de opor vigoroso questionamento a obras como a da problemática barragem de Belo Monte, no Pará e a do canal de transposição de águas do Rio São Francisco. E também ao retrocesso de um Código Florestal que nos leva a um dos piores momentos do passado, o da renúncia do Estado à condição de tutor do bem comum, colocando-o sob o jugo dos interesses privados.
Justamente aí ganham visibilidade as incongruências e contradições de uma
esquerda que, tendo chegado ao poder empurrada pela força de uma liderança
carismática e, portanto, muito além dos limites de uma legitimidade sensata,
não sabe o que fazer com o poder tão facilmente conquistado. Nestes tempos de
monarquia invisível, de mandatos equivocadamente hereditários, é compreensível
que os eleitos no marco de um ideário, de esquerda, sintam-se tentados, no afã
de manter o poder a qualquer custo, a transigir com forças políticas
oportunistas. Aquelas que, atadas a valores que estão aquém da democracia, dos
direitos sociais e da própria civilidade, facilmente caem na tentação de impor
ao país, por meio de um poder que é frágil e que foi conquistado nas
facilidades do discurso messiânico, um modelo de economia indeciso entre o
ganho racional próprio do capitalismo e o saque.
Não é surpresa, portanto, que o país viva com a corrupção pela goela. O
comprometimento do desenvolvimento sustentável pelas vacilações políticas do
governo não é estranho à mesma cultura da corrupção se a entendermos como expressão
das regras do vade-mecum oculto do atravessamento não só do que é legal, mas
também do que é legitimo, num país em que, com alguma frequência, o legal e o
legítimo se estranham.
Nos países politizados, e não apenas partidarizados como o nosso, os
próprios movimentos sociais já teriam retirado seu apoio aos partidos
messiânicos e suas coalizões problemáticas e reacionárias e compreendido que
suas bandeiras ideológicas, como neste caso, deveriam erguer-se acima das
facções partidárias. É o que lhes daria a liberdade de expressar com vigor não
só sua capacidade de agitar bandeiras, mas também a de lograr metas políticas de
indiscutível cunho social e a de vergar o Estado aos imperativos da razão e das
demandas mais sensatas da opinião pública. Ação política proposta muito além e
muito acima do teatro de uma discordância fingida porque lhes é impossível uma
discordância efetiva e efetiva se fosse pautada por práticas consequentes de
superação dos bloqueios que ataram a esquerda à direita.
A questão do desenvolvimento sustentável fica muito aquém do possível na
medida em que os movimentos sociais e populares vacilam quanto a quem podem ser
seus verdadeiros aliados. Aqueles que de maneira racional e sem a pendência de
tributos e pedágios ao parasitismo político, possam compreender e viabilizar as
metas da sustentabilidade, não só como metas ecológicas, mas também como metas
sociais de largo alcance. Um outro mundo é possível, não há dúvida, mas para
chegar a ele é preciso política, isto é, práxis inovadora e transformadora, muito
além das simplificações do nosso misticismo político. Justamente o que está
faltando aos movimentos populares e aos movimentos sociais.
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