Pela Democratização e Transparência do Orçamento Público
As
organizações e movimentos sociais que lutamos para democratizar o debate e as
decisões sobre as finanças públicas, por transparência das ações do Estado e
acesso público às informações vimos
a público expressar nosso
protesto contra medidas recentemente adotadas pelo governo federal para
modificar a estrutura de elaboração do projeto de Lei Orçamentária para 2013.
Essas medidas, adotadas em nome de uma eficácia gerencial, vão de encontro ao
que já se construiu com muito esforço político em termos de democratização do
processo orçamentário. É um retrocesso com o qual não se pode concordar.
Nas duas
últimas décadas várias organizações da sociedade civil teêm se dedicado a
estudar, monitorar e incidir politicamente com relação aos orçamentos públicos,
no sentido de garantir a efetivação dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em relação aos nossos
direitos. Esse processo foi repleto de desafios para obter informações e
conhecimentos que desvendassem a lógica e a gramática orçamentárias. Tema árido
cheio de nomes e números que dificultavam a compreensão do processo político de
aplicação de recursos públicos para garantir direitos e o bem estar da maioria
da população. Desafio maior foi afirmar o caráter político do orçamento. desde
o momento de planejar a ação governamental até o gastar, passando pela
definição de diretrizes e prioridades.
Entender o
orçamento como forma de redistribuição de renda e riqueza é primordial para o
avanço da democracia. Neste sentido, a transparência e a acessibilidade às
informações foi alvo de uma batalha das organizações que tomaram para si o
desafio de compreender, decifrar e influenciar os processos orçamentários e a
consequente aplicação de recursos públicos. Esse é mecanismo que se mostrou e,
a cada dia, tem se mostrado imprescindível para o próprio fortalecimento do
controle social e incidência política de todas as
organizações e movimentos sociais.
O estágio
inicial foi marcado por uma dificuldade de leitura dos números e tabelas que
ainda eram oferecidas aos parlamentares em forma de papel. Uma organização
teria que ter um amigo ou conhecido no Parlamento que lhe oferecesse aqueles
grandes volumes para consulta. As análises realizadas eram fruto de um trabalho
braçal e árduo que só se justificava na crença de que era fundamental para
democratizar o acesso aos recursos públicos, efetivar direitos e enfrentar as
desigualdades.
Hoje chegou a
era em que um mero clique nos portais ou sítios específicos nos dá acesso a
informações que permitem não só saber o que se pretende gastar, mas também
acompanhar a execução orçamentária de políticas selecionadas. Mesmo com toda
essa facilidade a informação disponível ainda guarda segredos que dificultam o
entendimento do/a cidadão/ã, sem iniciação em alguns conceitos e parâmetros. É
inegável o grande avanço que tivemos na transparência dos gastos públicos no
nível federal. Hoje há uma grande expectativa dos próximos passos que serão
dados com a aplicação da lei de acesso à informação no que se refere aos
estados e municípios. Contudo, em nível
dos estados e municípios, ainda há muito que evoluir na transparência de seus
gastos, mesmo em plena vigência da Lei Complementar 131, que obriga todos os
municípios a divulgarem na internet seus gastos.
Todo esse
avanço é fruto de muita luta da sociedade para conhecer para onde vão os
recursos recolhidos pelo Estado em forma de tributos e quem se beneficia das
ações governamentais. Esse processo contou com a contribuição de alguns
servidores conscientes da importância de prestar contas, de criar métodos de
divulgação e de acesso às informações e dados orçamentários necessários para o
desenvolvimento da cidadania. O caso do portal Siga Brasil (senado.gov.br/siga)
e do Portal da Transparência (transparencia.gov.br) são emblemáticos desse compromisso com a
cidadania.
Nossos
movimentos e organizações não chegamos agora a esse debate. Há muito
construímos e conquistamos espaços para
o controle e a participação social nas questões orçamentárias. No entanto,
muitas pedras foram encontradas no caminho e continuam a se colocar na frente
do processo de continuidade do monitoramento do orçamento da União.
A despeito dos avanços em
relação à transparência orçamentária, e absurdamente na plenitude do debate do
acesso cidadão aos dados produzidos e mantidos pelo Estado, no contexto da
aprovação da Lei de Acesso à Informação, fazemos um alerta para mudanças importantes que o
governo federal está implementando na metodologia de elaboração do orçamento
público. São alterações que podem
impactar diretamente o controle social do orçamento e o papel do Legislativo
na elaboração dos mesmos.
Segundo Manual Técnico
de Orçamento 2013 (SOF, 2012; p.67), as ações orçamentárias
passam por uma grande aglutinação. Para isso, há perda de informação e descumprimento
do Princípio da Especificidade, tão caro à transparência orçamentária e um
entendimento já consolidado na teoria que orienta a boa administração pública.
O Princípio da Especificidade (princípio da especialização ou discriminação do
gasto público) constante da Lei 4.320/64, art. 5º. A saber:
Art. 5º A Lei de Orçamento não consignará
dotações globais destinadas a atender indiferentemente a despesas de pessoal,
material, serviços de terceiros, transferências ou quaisquer outras, ressalvado
o disposto no artigo 2º e seu parágrafo único.
Segundo o MTO 2013, as ações
orçamentárias que estão sendo elaboradas para 2013 devem ser agrupadas a partir
do critério da finalidade, ou seja, ficam evidenciados os serviços “finais”
entregues à sociedade, os resultados da ação, reduzindo assim o “alto grau de
pulverização do orçamento”. O detalhamento necessário para a execução das
políticas, por sua vez, vai ficar a cargo do Plano Orçamentário (PO), que tem
um caráter somente gerencial e não consta na LOA. Ou seja, será submetido ao
crivo do Parlamento.
Essa medida limita o poder
do Legislativo de especificar no orçamento a destinação de determinados
recursos por meio de emendas. Há nessa manobra um acúmulo ainda maior de poder
no Executivo com relação às decisões políticas sobre o orçamento.
Em tempos de Lei de Acesso à
Informação, as mudanças inviabilizam instrumentos tão caros para o controle
social da execução orçamentária e a transparência das informações. Da forma
como essas mudanças chegam até nós, parece haver uma intencionalidade no
sentido de fugir do controle externo. Com essa agregação ficaria impossível
fazer monitoramento dos compromissos assumidos pelo governo da forma como é
feito através dos orçamentos temáticos disponíveis através do Portal do Siga
Brasil: http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/Programas_Sociais
Neste momento, reivindicamos
do Governo o cancelamento de todas e quaisquer medidas que obstruam, dificultem
e/ou reduzam o acesso da cidadania e dos órgãos de participação e controle
social às informações para o monitoramento do Ciclo Orçamentário. E mais, a
abertura de espaços democráticos de diálogo sobre a construção de novos
instrumentos e mecanismos que viabilizem o controle social e assegurem a prestação
de contas pelo governo, inclusive em relação ao Orçamento, dos compromissos
firmados com a cidadania em diversos espaços de participação social, a exemplo
do que são as conferências.
Reivindicamos que o poder
Legislativo se manifeste e construa um diálogo público, democrático, inclusivo,
com o Executivo no sentido de diminuir os efeitos dessas medidas aparentemente
técnicas, mas de consequências políticas desastrosas. É preciso garantir a
continuidade do controle social do orçamento, a transparência em relação às
mudanças feitas e não permitir retrocessos na democratização do processo
orçamentário. Razão pela qual, reivindicamos a imediata interferência da
Presidência da Comissão Mista de
Orçamento do Congresso Nacional no diálogo com o governo para o encaminhamento
das questões expostas acima.
Brasília,
15 de junho de 2012.
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