terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um PT e vários petistas

Acabo de ler três livros sobre e de petistas (embora um deles o autor não se declare). Emparelhados, revelam um ranking, do amoroso (Juarez Guimarães) ao militante oficial (Zé Dirceu), passando pelo olhar crítico (Lincoln Secco).
Juarez Guimarães escreve um livro perplexo e desejoso: A Esperança Crítica, Editora Scriptum, 2007, 144 páginas. Sempre gostei do estilo e da competência de Jaurez, desde que o conheci na Democracia Socialista (DS), corrente interna do PT. Nas reuniões na sede do jornal Em Tempo, Juarez era aquela figura emblemática, tímida e respeitada, cuja redação era humilhante, tal o virtuosismo literário. O tema de Juarez é a institucionalização acelerada do PT e seus riscos. Uma tentativa quase desesperada de compreender os riscos do amadurecimento do seu partido que teve no pragmatismo sua expressão mais visível. Juarez propõe a não capitulação ao status quo, mas demonstra, nas entrelinhas, uma enorme preocupação. O PT se tornou poder, cochicha o tempo todo no seu próprio ouvido. Frei Betto estava errado quando afirmou que o problema do PT é que ele era governo (com Lula), mas não poder. O livro de Juarez admite sutilmente que o PT é poder. Tanto que se pergunta os motivos de Lula ser tão popular ao mesmo tempo em que se nota um grande mal-estar nas esquerdas. A resposta dele é: Lula tornou-se sujeito da República imperfeita do Brasil. Um amálgama, uma simbiose. O PT se transformou.
Mesmo assim, trata-se de um texto apaixonado, que lista os intelectuais de peso (Paulo Freire, Florestan, Marilena Chauí, Antonio Cândido) e como o partido esteve e está em todas iniciativas inovadoras da política tupiniquim e em todos movimentos sociais relevantes, desde sua fundação.

Já o livro de Zé Dirceu (Tempos de Planície, Editora Alameda, 382 páginas, 2011) é formulado por um dirigente auto-controlado. Uma coletânea de seus artigos em defesa do discurso oficial do PT. O texto de Dirceu transpira a perda do radicalismo petista, da inovação. Quando trata da reforma política, fica no meio do caminho. Propõe mudanças para que tudo fique como está. Não pensa o status quo, apenas tenta corrigir seus erros mais grosseiros. Sugere, por exemplo, a mudança do papel do Senado, mas não consegue delinear a direção desta mudança. E alerta que não é contra sua extinção, pauta clássica da esquerda mundial (que não tolera a estrutura bicameral). O discurso de Zé Dirceu alimenta os fantasmas de Juarez.

Finalmente, o livro do historiador Lincoln Secco (História do PT, Ateliê Editorial, 314 páginas, 2011). Desde a ilustração inicial (mãos erguidas que se transformam em estrelas), o livro estampa as marcas de um militante. Secco demonstra a grande mudança na trajetória petista. Mergulha nas mudanças de rumo de algumas correntes ou organizações internas, como a Libelu que, desde a criação da Articulação dos 113, procurou ingressar na corrente majoritária de Lula e criticava duramente as outras correntes de origem trotskista. Retoma a tradição dos núcleos de base e sugere que não se trata de transposição das células das organizações de esquerda. Antes, mantinham identidade com as CEBs. Avança sobre a pluralidade de forças que tiveram peso na criação do partido ao longo do território nacional: igreja numa localidade, organizações trotskistas em outro, sindicalistas num terceiro, e assim por diante. O livro é um achado, mas uma leitura para iniciados.

O PT encontra-se nesta encruzilhada que merece tanta atenção que gerou três livros que se cruzam.
O problema é que a angústia de Juarez aumenta ao cabo da leitura dos livros.

5 comentários:

Marcos Doniseti disse...

É claro que quando um partido passa a governar um país, ainda mais um tão complexo quanto o Brasil, mudanças irão acontecer no mesmo.

Mas, penso que isso é inevitável, mesmo.

Afinal, o que vale mais a pena? Ficar esbravejando e berrando slogans radicais, mas que não implicam em qualquer mudança efetiva na vida da população ou, então, assumir a tarefa e a missão de governar com o objetivo de melhorar as condições de dezenas de milhões de brasileiros que vivem em situação precária?

Entre falar e fazer, escolho a segunda opção.

Isso gera tensões, problemas, abandono de certas posturas. Claro que sim. Mas isso vale para qualquer opção que se faça.

Obs: Também escrevi alguns textos a respeito do PT. Caso interesse, o link dos mesmos são esses:

http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2011/09/por-que-o-pt-e-um-partido-social.html

http://guerrilheirodoanoitecer.blogspot.com/2011/10/pt-nunca-foi-um-partido-revolucionario.html

Rudá Ricci disse...

Marcos,
Acho que a vida não é marcada por dualidades. Nunca houve apenas dois caminhos para o PT. Sou consultor em gestão pública e creia em mim. Da forma como sugere, a vida política seria muito simples: esbravejar ou ceder. Neste sentido, não haveria realmente espaço para a esquerda. Todos seríamos, um dia, de direita ou quase isto.
O lulismo trouxe muitas vantagens, mas destruiu a utopia de esquerda no país. E acabou com o PT, de lambuja.

Marcos Doniseti disse...

Rudá,

O primeiro caminho escolhido pelo PT, marcado pelo sectarismo e pelo purismo, deu errado.

Ele fracassou com as derrotas de Lula em 1989 e em 1994. Esta foi uma época em que o PT recusava alianças até com partidos como PDT (e olha que este era o PDT do Brizola, não o do Carlos Lupi, hein!) ou PSB (e este era o PSB do Miguel Arraes, não o do Eduardo Campos-Ciro Gomes).

Esse isolamento político foi fatal para Lula em 1989 (fora o PT, apenas o PCdoB o apoiou). Lembro quando Lula recusou-se a pedir o apoio de Ulysses Guimarães e do PMDB, no 2o. turno, para derrotar Collor.

Lula não pediu o apoio e foi derrotado. Mas, pensando bem: Lula perdeu para o Collor? Não. Ele perdeu para o purismo e para o sectarismo que dominavam o PT naquele momento.

A postura sectária e purista do PT foi o que inviabilizou qualquer possibilidade de vitória.

Por isso é que, a partir da eleição de Zé Dirceu, em 1995, para a presidência do PT, é que tal política começou a ser abandonada e o PT se abriu para alianças bem mais amplas.

E esbravejar era a política do PT até 1994 e limitava-se a isso.

Quem não se lembra do 'Fora FMI' e do 'Moratória Já' e outros slogans do mesmo tipo, que assustavam até os segmentos mais moderados das classes médias e dos empresários? Quando Mário Amato disse que 800 mil empresários iriam embora do país caso Lula vencesse as eleições, ele estava fazendo 'terrorismo' político-eleitoral? Sim, sem dúvida. Mas, o seu discurso expressava temores reais, verdadeiros, por parte das classes médias e empresariais tradicionais do país.

Hoje, esse discurso do Amato somente é reproduzido por fanáticos direitistas Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Marco A. Villa, Augusto Nunes ou Pondé. Mas, quantos os levam à sério, realmente? Somente os fanáticos iguais a eles, é claro. Mais ninguém.

O PT era muito bom, até 1995, para esbravejar, mas esquecia de mostrar para a população o que ele faria caso chegasse à presidência da República. As campanhas eleitorais do partido, até 1995, se preocupavam apenas em atacar os adversários. Lembro do Suplicy, candidato à prefeitura de SP em 1988, dizendo que era 'diferente de tudo o que está aí', como se somente o PT fosse formado por pessoas boas, puras e honestas e os membros dos outros partidos fossem todos canalhas e corruptos.

Nessa época, sim, a visão das dualidades maniqueístas é que era dominante no PT. E isso contribuiu para o seu fracasso.

E o PT pré-1995, a meu ver, sofria de um outro problema sério: Ele não era um partido, de fato, mas uma grande Frente de Esquerda, com inúmeras correntes se digladiando pelo poder internamente.

Gastava-se tanto tempo e energia nisso que não sobrava nem um e nem outro para apresentar as propostas do partido para a sociedade e convencer a população deste projeto. Até porque, o partido, mesmo, não existia.

Em muitos casos, inclusive, a oposição mais radical aos governos petistas partia do próprio PT. Isso aconteceu, por exemplo, com o Vitor Buaiz, quando governou o Espírito Santo. Os dois deputados estaduais petistas foram os mais radicais e virulentos oposicionistas do seu governo. Vários dos prefeitos eleitos pelo PT em 1988, por exemplo, abandonaram o partido em função de tantos conflitos internos, como aconteceu com Mauricio Soares, em S.Bernardo do Campo, e Jacó Bittar, em Campinas.

Outra dualidade que se manifestou no partido, naquela época, foi a seguinte: internamente, os grupos tidos como os mais radicais, dominavam a direção da legenda e controlavam a burocracia partidária. Mas, nas campanhas eleitorais, eram os políticos das alas mais moderadas que venciam eleições. Cerca de 70% dos petistas eleitos (governadores senadores, deputados, prefeitos e vereadores) eram das alas mais moderadas, mas internamente eram os grupos mais radicais que controlavam o partido.

Marcos Doniseti disse...

(continuação)

Foi somente quando percebeu que tal política estava condenada ao fracasso é que o PT tomou um outro rumo, o que aconteceu com a partir de 1995.

E entendo que não foi o lulismo que destruiu com a 'Utopia de Esquerda', a meu ver, mas esta que não conseguiu se viabilizar política e eleitoralmente no país. Ela nunca teve apoio popular suficiente para ser vitoriosa. E não teve esse apoio pois seu projeto era sectário e purista.

E caso Lula tivesse vencido a eleição em 1989, e tentasse colocar em prática o projeto petista da época, o seu governo dificilmente se sustentaria por muito tempo, pois o nível de radicalização política-social atingiria níveis estratosféricos. Um cenário muito parecido com o de 1963-1964 teria se instalado no país e as chances de Lula não terminar o seu mandato seriam muito grandes, tal como aconteceu com Jango.

Não se pode esquecer que sempre que tivemos um processo de radicalização política no Brasil, quem saiu vitorioso do mesmo foram as forças das Direitas Golpistas. Vide o que aconteceu em 1935-1937 e em 1964.

E entendo que o PT, enquanto partido político, propriamente dito, começou, apenas, em 1995.

Antes, ele não atuava como um partido. E isso acontecia porque ele não era um partido, mas uma grande Frente de Esquerda. Ele era o 'partido ônibus' das Esquerdas. Era o PMDB das Esquerdas.

Dentro do PT tinha de tudo: da Centro-Esquerda até a Extrema-Esquerda, em todas as suas variantes sociais: ex-guerrilheiros, membros das CEBs, ligadas à Teologia da Libertação, intelectuais, estudantes, sindicalistas, trotskistas e por aí vai...

O fato é que enquanto atuou como Frente, e não como partido, o PT fracassou na sua tentativa de derrotar as Direitas.

E foi esse fracassou que abriu espaço, dentro do PT, para que o mesmo mudasse de rumo, principalmente a partir da eleição de Zé Dirceu para a presidência nacional da legenda em 1995.

Nos anos seguintes, estes projetos (o de Frente de Esquerda e o de Partido) se digladiaram internamente e o projeto 'frentista' foi derrotado. E essa derrota se materializou com a progressiva saída de alguns dos grupos mais à Esquerda do espectro petista e que deram origem ao PSTU, PCO e, mais recentemente, ao PSOL.

Dulcinéa disse...

Comecei a ler o livro do Lincoln Secco e parei. Fui ficando angustidada. Deve ser por isso que parei.
O comentário de Marcos Doniseti é real, mas fico pensando, a partir da realidade de minha cidade. Quantos militantes aguerridos, apaixonados, foram deixados feridos na estrada, repetindo sem querer a frase do tal Paulo Preto, amigo do Serra!
O pragmatismo do PT, sob Zé Dirceu, entrou de cheio aqui e, hoje, a maioria dos quadros do governo (11 anos de governo petista)formada por gente que, na década de 80, passava longe, mas muito longe mesmo do PT. Penso nos meus companheiros que ajudaram a construir o partido aqui e que foram deixados no caminho.Isso tem um preço. Um dia essa fatura vem. A vida é assim.
Eu vou e volto, mas, vira e mexe, penso nos meus companheiros, porque não os considero ex-companheiros.