PT DE MINAS: A TRANSIÇÃO INACABADA
Por Rudá Ricci
1. O partido das chibatadas
O período pré-eleitoral revela uma profunda cisão
no PT de Minas Gerais. Faltam onze meses para as eleições municipais, mas os
embates internos que envolvem petistas de alto coturno dão a impressão que as
eleições ocorrerão amanhã.
O vice-prefeito, o petista Roberto Carvalho,
procura de todas maneiras criar fatos políticos que redefinam as decisões da
cúpula nacional do PT. Já está à beira de um ataque de nervos. Sabe que se o
que a cúpula petista decidiu – aliança com Marcio Lacerda, do PSB, para sua
reeleição na capital mineira, com indicação do vice pelo ministro Fernando
Pimentel – vingar, seu espaço político será reduzido a pouco mais que pó. Luta
pela sua sobrevivência. Na esteira do desespero pessoal, outros expoentes do PT
mineiro que se opõe a Fernando Pimentel insuflam a resistência. Têm no
diretório municipal do PT uma maioria enganadora, já que a ampla maioria dos
filiados e do eleitorado da capital mineira pouco conseguem entender do que se
trata este embate entre petistas.
Por este motivo, Roberto Carvalho incentiva ações
midiáticas para reduzir o embate à luta do PT contra o prefeito do PSB. Mas
este não é o fato.
Lula, Dilma Rousseff, Zé Dirceu e, ainda que acanhadamente,
Rui Falcão já expuseram publicamente sua decisão de apoiar a reeleição de
Marcio Lacerda. O acordo aumentaria consideravelmente o poder de Fernando
Pimentel não apenas porque indicaria o vice na chapa de composição, mas também
porque sustentaria que Marcio Lacerda seria seu vice na eleição para sucessão
de Antonio Anastásia, governador tucano de Minas Gerais. Assim como o PSDB
paulista, os tucanos mineiros vivem um momento de dificuldades para definir a
sucessão estadual. Não há muitos nomes de expressão.
A jogada de Pimentel é das mais auspiciosas para
seus objetivos futuros. Com a reeleição de Marcio Lacerda – o único nome que
lhe faz sombra é o do peemedebista Leonardo Quintão – Fernando Pimentel, mesmo
que saia derrotado das eleições de 2014, terá o governo da capital mineira em
suas mãos (ou nas mãos de um aliado indicado por ele).
Roberto Carvalho reagiu. Tentou formalizar acordos
com PMDB, PDT e PTB. Não surtiu grande efeito, já que os interesses de cada
partido são distintos, ou ainda, visam aumentar seu cacife político para
negociar com Marcio Lacerda.
Foi neste momento que Roberto Carvalho aumentou o
tom e radicalizou, demonstrando desespero. O secretário geral do PT de Belo
Horizonte decidiu criar um fato político, um ato midiático. Despiu sua camisa,
se prendeu no símbolo da cidade, o obelisco da Praça Sete, no epicentro de BH,
e pediu para um amigo chicoteá-lo. Foram 40 chibatadas em público. Francisco
Maciel, o auto-flagelado, pensou neste protesto público como mea culpa por ter participado da
campanha que elegeu Marcio Lacerda.
Uma graça, se não fosse sinal de fraqueza política.
Na tradição petista, não há muito espaço
para atos personalistas como este. Eduardo Suplicy é um exemplo claro de como o
partido não consegue digerir este expediente. Porque os atos personalistas de
natureza midiática chamam a atenção para o personagem e não para o projeto
coletivo.
Pior: Chiquinho Maciel, como secretário-geral do
partido, revelou que as instâncias partidárias não funcionam mais em Belo Horizonte.
Usou seu corpo para confundir. O que tentou expressar? Uma profunda indignação
dos aliados de Roberto Carvalho com a ofensiva do lulismo e de Marcio Lacerda.
Dias antes, o prefeito Marcio Lacerda havia
exonerado dezessete servidores vinculados ao vice-prefeito petista.
Demonstração de força, talvez desnecessária. Chiquinho decidiu criar um
desagravo – dos mais inusitados - contra as demissões. E decidiu confundir.
Porque o embate é interno, envolvendo petistas e não funcionários (os demitidos
eram cargos de confiança do prefeito) que lutam por seus direitos.
Tal fato revela uma crise profunda do petismo
mineiro. Está longe de sua tradição, princípios e identidade. O que ocorre,
afinal?
2. Uma transição inacabada
Num primeiro mergulho sobre a crise petista em Belo
Horizonte, vale compreender como se instalou em Minas Gerais uma prática
eminentemente parlamentar que o jargão de esquerda denominaria de “internismo”.
Há muito a estrutura petista em Minas Gerais se
vinculou a parlamentares do partido. As instâncias perderam vigor e se
transformaram em caixa de ressonância dos expoentes que nem sempre figuram
efetivamente na direção partidária. O Estado foi fatiado em territórios cativos
de parlamentares a partir de um acordo tácito em que um não entra no território
do outro. Obviamente que o aparecimento de uma nova liderança petista regional
incomoda os “donos dos territórios”. Há uma lenta sabotagem à renovação de
lideranças partidárias.
Em suma, a lógica parlamentar extrapolou para a
vida partidária. Uma lógica marcada pela formação de blocos, de acordos entre
parlamentares, de uma etiqueta estranha que dá impressão falsa de respeito (já
que todos dependem dos apoios de outros parlamentares), da fala pública que não
revela os acordos em curso entre blocos, de disputa entre parlamentares de um
mesmo partido pelos cargos da mesa diretora ou comissões permanentes. A lógica
parlamentar, no Brasil, não é pública.
Assim, explica-se como o embate interno no PT
mineiro se arrasta e é cifrado. Logo após as eleições municipais passadas, em
que Aécio Neves e Fernando Pimentel caminharam juntos para eleger Marcio
Lacerda, os petistas descontentes divulgaram o manifesto “Coerência Petista”,
condenando a aliança eleitoral que consideraram espúria e se apresentando com
alternativa ao processo de eleição da direção estadual do partido.
Mas o diretório municipal continuou refém do
personalismo. A disputa não se trava mais em função de projetos, mas em função
do espaço que cada cacique conquista. Embora fato isolado, o caso envolvendo o
secretário de organização do diretório municipal do PT, Nartagman Wasly
Aparecido Borge, em maio deste ano, acabou paralisando a direção do partido.
Nartagman foi condenado a sete anos e nove meses de prisão pelo estupro de sua
ex-enteada, de 9 anos de idade. Na internet pipocaram informes perplexos de
filiados do PT que aguardavam algum posicionamento do diretório municipal do
partido. Até setembro deste ano, apenas a Secretaria de Mulheres do Diretório
Nacional havia se manifestado publicamente contra o dirigente petista.
Um caso extremo, obviamente. Mas que atesta a
paralisia das instâncias do partido em Belo Horizonte.
A questão passa a ser, então, os motivos para tal
paralisia.
O comando parlamentar é uma explicação plausível,
já apresentada neste artigo. Lideranças sociais ou mesmo dirigentes de
correntes internas não têm poder real. Nem mesmo prefeitos, completamente
abandonados à sua própria sorte. O partido vem naturalizando o comando externo,
exógeno às estruturas de deliberação internas.
Tanto é fato que Lula decidiu, em 9 de novembro,
vir à público, mesmo recolhido em virtude de seu tratamento médico. Afirmou
publicamente que não entendia como os petistas de Belo Horizonte não se
acertavam como os petistas paulistanos que conseguiram negociar com dois
senadores petistas que pleiteavam a candidatura à prefeitura de São Paulo.
Lula, na prática, desabonou Chiquinho Maciel e
Roberto Carvalho. Algo que já fez com vários outros expoentes na época das
eleições estaduais ou mesmo no período em que, Presidente, blindou Aécio Neves.
Mas este “comando externo” tem uma explicação mais
profunda.
Em seu livro “A Esperança Crítica”, o sociólogo
petista Juarez Guimarães se pergunta sobre os efeitos da institucionalização
acelerada do PT. Ainda que esperançoso, Guimarães sugere que o amadurecimento
do PT enquanto dirigente do Estado, exigia uma postura inventiva do partido. Se
pergunta, ao longo do livro sobre o divórcio entre a popularidade de Lula e o
mal-estar que permanecia na esquerda brasileira. A senha explicativa está na
sua constatação de que Lula teria se tornado “o sujeito da república imperfeita
dos brasileiros”. Em outras palavras, o lulismo fundiu (ou alterou) o petismo
com a institucionalidade pública tupiniquim, imperfeita e semi-democrática.
Acrescentaria que a vocação do lulismo é ser popular enquanto o petismo sempre
mirou a construção de um projeto popular. Não se trata de jogo de palavras, mas
de lugar: convívio a-crítico ou embate com a institucionalidade pública vigente.
Estes são os condicionantes para entendermos o caso
do petismo mineiro. Que é ainda mais dramático porque não consegue concluir
esta transição. Transição que tem na memória da liderança de Patrus Ananias o
petismo e na nova liderança de Fernando Pimentel, o lulismo, o PT Pragmático.
Patrus se recolheu da cena de disputas internas de
maneira pouco convencional. Não deixou um substituto nítido. Desarticulou seus
apoiadores. Sua decisão inicial de ser assessor na Assembléia Legislativa não
foi ato franciscano. Antes, revelou sua aposentadoria melancólica. Lula o
escanteou do cenário nacional. Afinal, foi o ministro do programa social mais
poderoso do lulismo e não soube fazer valer este marketing, perdendo espaço
para Fernando Pimentel, muito mais agressivo e herdeiro do espírito
guerrilheiro, sempre alerta para a disputa interna.
Assim, as chibatadas de Chiquinho significam o
estertor de correntes petistas cada vez mais marginais do processo decisório de
seu partido. Mas que ainda gritam. Um grito rouco que incomoda, gera fatos
políticos, mas que quando passam do ponto, levam um pito público do Dono do
Poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário