quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Um breve artigo de minha autoria: A permanência do eixo café com leite na política nacional
Quando imaginávamos que a política café com leite era tema de livros de história do país, eis que ela ressurge com toda sua força e empáfia. Numa leitura meramente objetiva e matemática, faz algum sentido. Afinal, São Paulo e Minas Gerais constituem os dois maiores colégios eleitorais do país (girando ao redor de 22% e 11% do total de eleitores brasileiros, respectivamente). Contudo, Rio de Janeiro e Bahia não ficam muito distantes de Minas Gerais. Também, na leitura fria dos números, as capitais de São Paulo e Minas Gerais acolhem grande parte dos eleitores do país: São Paulo figura como detentor do maior colégio eleitoral dentre todos municípios brasileiros (mais de 8 milhões de eleitores), seguido pelo Rio de Janeiro (4,5 milhões), Belo Horizonte (1,7 milhões), Salvador (1,6 milhões), Brasília (1,6 milhões) e Fortaleza (1,4 milhões). Dentre as 50 cidades brasileiras no ranking dos maiores colégios eleitorais, destacam-se 11 municípios paulistas, apenas 4 mineiros e 8 cariocas/fluminenses. Ainda neste mesmo ranking dos 50 maiores colégios eleitorais municipais, o nordeste aparece com 13 localidades e o sul do país com 6. Enfim, Rio de Janeiro teria peso superior a Minas Gerais em termos eleitorais, até porque os municípios estão mais concentrados num único território, facilitando a logística de campanhas e ações políticas. Minas Gerais também disputa com Rio de Janeiro a vice-liderança no ranking dos PIBs estaduais. O poder da mídia carioca é superior ao da mineira. Em outros quesitos, são similares, como projeção cultural.
Se o poder paulista se explica pela pujança econômica, pelo maior colégio eleitoral do país e pela concentração de poderosos meios de comunicação e formação de opinião, o que explicaria a força política de Minas Gerais? Por qual motivo supera Rio de Janeiro ou o nordeste no pêndulo do destino político do país? Nordeste teria dispersão territorial e demandas urgentes que desgastariam os caixeiros viajantes do voto? Rio de Janeiro rivalizaria historicamente com a liderança de São Paulo por ter sido capital nacional? Lideranças cariocas viveriam soterradas pelos problemas que afligem a capital carioca (e nunca solucionados)? A resposta afirmativa a estas questões não chegam a convencer. Não convencem pelo mesmo motivo que o argumento que haveria um lastro histórico que marcaria a dobradinha café-com-leite na memória do país parece totalmente sucumbido aos anos de regime militar (altamente centralizador da política nacional) e dos períodos eleitorais recentes (cujos presidentes foram nordestinos e paulistas). A unidade de gestão federal é avassaladora. E as mazelas administrativas envolvem a todos, pelas catástrofes naturais, pela falta de investimentos públicos em obras que não geram votos e até mesmo pela centralização do orçamento nas mãos da União.
O que haveria de tão atrativo entre paulistas e mineiros? Lanço uma hipótese: paulistas e mineiros formam o ideal maquiavélico, a soma da força e astúcia. E, complemento: Minas Gerais parece vocacionado a, a partir do sudeste, se aproximar muito do nordeste, em identidade regional (vizinhos de regiões semi-áridas que compõem o território da SUDENE), de culturas gastronômicas e festivas (mais próximas da lógica comunitária e religiosa) e de sutil enfrentamento do poder centro-sul (por mais paradoxal que possa parecer). Por seu turno, o imaginário centro-sul do país procura cristalizar a figura do mineiro como alguém aparentemente frágil, que sabe fazer valer de sua habilidade em conquistar na penumbra.
Já São Paulo é a porção agressiva da política nacional. Posto que um dia parecia fadado a ser identificado com a política gaúcha. Mas que, pela força eleitoral e econômica, acabou se deslocando para a tal “locomotiva”. O que sugiro é que o estilo paulista de fazer política atrai os estados do sul pela agressão frontal. E por adotar um viés pragmático, uma espécie de soberba que dialoga com o conservadorismo (do estabilishiment) e com a visão paternal de fazer política, com a dificuldade do sorriso fácil, com o apreço pela razão e a solução técnica e fria do ascetismo da ética capitalista. Os mineiros constituem o pólo inverso. Já escrevi algumas vezes que a cultura política mineira é feminina, marcada pelo papel da mulher como administradora e formadora da família, na ausência da figura paterna que viajava com os ciclos econômicos das tropas e colheitas da agroindústria. É difícil encontrar no restante do país figuras femininas de tal projeção como Dona Beja, Xica da Silva ou até mesmo da figura mítica de Hilda Furacão. As mulheres mineiras, principalmente as do interior do Estado, permanecem como figuras fortes, decisivas no núcleo familiar. E aí parece residir a chave explicativa: trata-se de uma cultura política de tipo familiar, comunitária, mais ao apreço das regiões menos urbanizadas e globalizadas do país.
Enfim, trata-se de uma hipótese. A aliança café-com-leite seria, na verdade, a união da porção comunitária do país com a sua porção globalizada. Daí porque a candidata do migrante nordestino que adotou o estilo e a residência paulista e se tornou Presidente ser uma mineira que viveu e se fez figura pública no Rio Grande do Sul e que, recentemente, tentou reforçar sua origem nas montanhas intimistas das terras de Drummond. E daí porque o paulistano típico que deve liderar a oposição ao lulismo em outubro desejar que seu vice (ao menos para consumo público) seja um mineiro. E, finalmente, daí um ex-presidente mineiro e o vice-presidente do mesmo Estado serem o tempo todo cogitados como elos de ligação do Brasil consigo mesmo para as eleições que se avizinham. Mesmo que um deles não tenha mais força e o outro nem faça esforço para ser candidato. Ao menos, publicamente. Como o bom estilo mineiro recomenda.
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