domingo, 7 de fevereiro de 2010

A Nova Classe C, no Zero Hora de hoje


A vez da classe C: 32 milhões de brasileiros realizam sonhos de consumo
A nova classe média hoje representa um mercado de R$ 760 bilhões anuais que, pela primeira vez, tem acesso a serviços e produtos antes inalcançáveis
Gisele Loeblein e Rodrigo Müzell

Na tarde do último dia 22 de janeiro, a recepcionista Marilene Cardoso da Silva vestiu uma toga preta e entrou no auditório do prédio 41 da PUCRS para receber o seu diploma de pedagoga. Foram os últimos passos de uma caminhada iniciada em 1997, quando Marilene - dois filhos pequenos na época e só com a sexta série do Ensino Fundamental - decidiu voltar a estudar. Depois de finalizar um supletivo para o antigo 1º Grau, cursou o Ensino Médio em um colégio estadual da Capital. Para poupar com a passagem de ônibus, os guris Guilherme e Gabriel ficavam em casa, aos cuidados da avó – e Marilene ia direto do trabalho, na própria PUCRS, para as aulas. Formada, em 2006, decidiu encarar um curso superior. Saía de casa às 5h20min para voltar perto da meia-noite. No orçamento apertado, a faculdade pesava mesmo com o desconto que recebia como funcionária da universidade. Ela é agora a única de uma família de 12 irmãos com diploma de curso superior.

– Não quero ter as dificuldades que a minha mãe teve para nos criar. Isso, só com estudo – explica.

Terminar a faculdade não foi a única mudança que sua vida teve em 2009. Depois de anos na área de higienização, ela assumiu a função de recepcionista, em agosto. Com a melhora no salário e a expansão do mercado imobiliário, tomou financiamento para sua primeira casa própria, dividindo o custo com o companheiro e mudando-se do terreno da mãe.

Marilene hoje vive uma nova realidade, assim como outros 32 milhões de brasileiros que, de 2003 para cá, ascenderam das camadas mais pobres da população. A mecânica do aumento da renda passa pela expansão econômica, que traz empregos com carteira assinada e estimula o consumo. “Nova classe média” ou “mercado da maioria”, a classe C turbinada vem modificando a economia. Para atendê-los, empresas adaptaram ou criaram novos produtos e serviços antes restritos à menor e mais favorecida parcela da população.

Negócios são criados especificamente para atendê-los ou entendê-los, como a consultoria Data Popular. Renato Meirelles, sócio-diretor da empresa, brinca que a transformação da economia com a chegada de um consumidor com bolso de classe média, mas cabeça de baixa renda, só pode ser contada no gerúndio – a forma nominal de um verbo que indica que as ações ainda estão transcorrendo.

– As empresas estão “começando” a entender esse público e “criando” jeitos de se comunicar com ele – afirma.

Marcelo Néri, economista da Fundação Getulio Vargas, lembra que essa nova classe média foi a grande responsável por o Brasil ter derrotado tão rápido a crise econômica, no ano passado. Ele chama a atenção para um detalhe importante para quem atribui o aumento do tamanho classe C a programas assistenciais. Seus estudos indicam que a renda do trabalho nessa faixa da população cresce no mesmo ritmo de outros tipos de renda, como aposentadorias ou o Bolsa Família. Ou seja: o crescimento da classe média não seria uma bolha, um acontecimento eventual.

– É um crescimento sustentável, ancorado no trabalho – resume.

A carteira assinada funciona como passaporte para esse novo mundo. Segurança para assumir um financiamento ou fazer um crediário significa que serviços como educação, saúde e lazer, normalmente oferecidos com mais qualidade na iniciativa privada, ficaram ao alcance dos consumidores da classe C, que formam um mercado de R$ 760 bilhões anuais.


Este é o início da matéria de destaque da edição do Dinheiro, do jornal gaúcho Zero Hora deste domingo. O jornal relata histórias de quatro personagens desta nova paisagem social do país, "gente que, pela primeira vez na vida, conquista a chance de andar em um carro zero-quilômetro, viajar de avião, ter o nome na escritura de um imóvel."

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