quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Diferenças teóricas sobre movimentos sociais


Ernesto Seidl (da Universidade Federal de Sergipe) produziu uma interessante resenha da coletânea Penser les mouvements sociaux: conflits sociaux et contestations dans les sociétés contemporaines tendo como foco a distinção entre as teorias francesas sobre movimentos sociais e as produzidas nos países de cultura anglo-saxã. 
Para o autor:


Atenção especial é dada ao aspecto metodológico das abordagens francesas, as quais rechaçariam o "comparatismo estratosférico" em benefício da complexidade dos contextos específicos. Nesse ponto, a nosso ver, esboça-se clivagem de fundo entre as condições de exercício das ciências sociais na França e nos Estados Unidos. Do lado anglo-saxão (sobretudo norte-americano), uma indústria pesada de pesquisa, a afeição ao quantitativismo e a estudos longitudinais; do lado francês, a dimensão artesanal que conduz a privilegiar o qualitativo, os estudos em pequena escala que procuram ganho em profundidade. Aos olhos franceses, esta característica aparece como trunfo, dada uma suposta maior densidade explicativa de esquemas elaborados num corpo-a-corpo empírico intenso e minucioso. Entre as pistas exploradas por seus trabalhos, destacam-se algumas questões de análise: "a lógica das trajetórias militantes, as emoções e os afetos, os procedimentos de atribuição de sentido, individuais ou coletivos, a dinâmica dos eventos e as interações do face a face que constituem a trama do protesto" (p. 10).
Seidl ilustra com um dos capítulos desta coletânea, dedicado ao altermundialismo. Em suas palavras, os autores franceses adotam uma postura metodológica específica:
Assim, a recusa a um tratamento metodológico exclusivamente apoiado em surveys dá lugar a procedimentos que combinam a administração de questionários de caráter qualitativo, entrevistas e etnografias a uma "abordagem genealógica" voltada à compreensão das nuanças ideológicas do movimento e às transformações do espaço das organizações.
O estudo analisa a carreira dos militantes desses movimentos sociais e a lógica interna da organização, o que acaba por colocar em questão se realmente se trata de movimentos de tipo novo e até mesmo se são efetivamente transnacionais. 
A publicação vai mais longe e procura desconstruir todo modelo anglo-saxão de contentious politics centrado nos conceitos de mobilização de recursos, estruturas de oportunidade, análise de discurso (frame analysis), repertórios de ação e ciclo de mobilização. A crítica central se dá ao excessivo esquematismo e a tentativa de universalização de um fenômeno peculiar aos EUA: a institucionalização dos movimentos sociais. Tal destaque descontextualizaria os movimentos sociais e suas relações políticas. Os franceses sugerem a adoção de recursos conceituais como campo ou arenas de movimentos sociais o que, em sua opinião, daria lugar ao que denominam de multiposicionalidade, ou seja, a ação articulada, simultânea ou sucessiva de instância e organizações sociais (partidos, sindicatos, ongs, associações) naquilo que poderia se configurar em lógica de transferências. Também destacam a necessidade de avaliar as alianças internas, as defecções e retribuições políticas que se armam no interior dos movimentos sociais e nas relações que lideranças e participantes estabelecem com forças exteriores.


Enfim, compreendo o esforço europeu porque fui formado, na PUC-SP, na Unicamp e durante anos de pesquisas realizadas no CEDEC, tendo a sociologia francesa e italiana como referências teóricas. Confesso que me incomoda o reducionismo das teorias anglo-saxãs, quase matemáticas, de um excessivo enquadramento da ação social que, como sabemos, está longe de ser definida por padrões estanques de conduta. Vale a penas conferir este estudo. 

Nenhum comentário: