quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Um artiguinho sobre Tupã e Lula


Nasci no interior de São Paulo, em Tupã, oeste do Estado. Passei o Natal por lá. E, por vício, acabei escrevendo um pequeno artigo em que tentava relacionar a imagem de Lula com a cultura interiorana da minha cidade. Reproduzo o artigo neste blog porque imagino - sem nenhuma certeza - que Tupã reproduz o que ocorre em tantas outras cidades interioranas de São Paulo.

LULA E TUPÃ: BALANÇO PROVISÓRIO

Rudá Ricci
Doutor em Ciências Sociais e tupãense.

Logo após a primeira eleição de Lula à Presidência da República, publiquei neste Diário um pequeno artigo em que afirmava que a maior façanha daquela vitória eleitoral era a possibilidade, a partir daquele dia, de qualquer filho de operário brasileiro acordar sabendo que poderia conquistar o cargo de maior autoridade brasileira. Era uma revolução cultural e moral de nosso país. Soube, contudo, que uma senhora tupãense, que teria lido este meu artigo, havia comentado o absurdo e perigo desta possibilidade já que qualquer ignorante poderia, agora, ter este sucesso, mesmo sem estudo. Esta senhora revelava um dos males da cidade em que nasci: existe uma cultura de casta que paira nas ruas de Tupã e que ignora até mesmo os ideais capitalistas da Revolução Francesa, aquela do século 18. Uma cultura de casta que não gosta efetivamente dos tupãenses, mas apenas de si. Que faz de seu egoísmo uma profissão de fé, coisa que nem mil caçambas espalhadas pela cidade poderiam colher os entulhos de sua trajetória e mazelas que teria provocado em sua família. Porque o que vale, nestes casos, é o sucesso efêmero, quase sempre vinculado ao poder material. O que depõe contra a própria cidade.
Por este motivo, é comum ouvir dos membros que destilam esta cultura de casta que não conseguem compreender a popularidade e sucesso de Lula. Chamam-no de teflon ou molusco. Não conseguem conter a raiva de um presidente ser considerado pelos brasileiros como o mais confiável, segundo o DATAFOLHA divulgou no primeiro dia deste 2010, à frente de Roberto Carlos e Padre Marcelo. Destilam um ódio incontido ao perceberem que nosso país tem, agora, uma maioria que é classe média (segundo a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, no início do governo Lula apenas 38% dos brasileiros eram classe média e hoje são 54%). Ficam esgotados e frustrados em perceber que o mundo rende elogios e classificam Lula como uma das personalidades mais influentes do planeta.
O governo Lula fez muito pouco. O principal fator de emergência da nova classe média e da consolidação de um fantástico mercado interno perseguido pela Europa e China foi o aumento do salário mínimo (segundo a FGV), ao contrário do que esta cultura de casta acredita, afirmando que o Bolsa Família é uma vergonha porque alimenta a vagabundagem. O Bolsa Família pode servir para interesses partidários, mas concretamente pouco alterou na mobilidade social do país. Foi o salário mínimo o principal fator, juntamente com aumento de pensões e aposentadorias. Foi muito pouco o que foi feito efetivamente. Mas as práticas políticas de nossos gestores cheios de títulos e cultura escolástica foram tão cruéis e insignificantes para a maioria da população brasileira, que pouco virou muito.
Falta a esta cultura de casta tupãense a abnegação. Falta o básico para consolidar seu capital social, este conceito criado por James Coleman e retomado por Putnam em sua tão comentada pesquisa sobre o desenvolvimento na Itália. Capital social significa solidariedade na sociedade civil, o grau de confiança mútua em seus membros para agir, superando problemas comuns. Sem depender de empregos e favores de vereadores, secretários municipais e prefeitos. Sem o famoso “jeitinho”. Mas para existir capital social – segundo Putnam, a mola propulsora do desenvolvimento sustentável de uma localidade – é preciso ter confiança no outro, prestigiar o sucesso do vizinho. Contudo, a cultura de castas tupãense destrói, pela raiz, esta possibilidade. Nosso mais bem sucedido tupãense, Delfino Golfeto, recebeu duas páginas na última revista da TAM. Seria suficiente para que tupãenses o idolatrassem. O seu sucesso é a revelação da capacidade de nosso povo. Mas, na cultura de castas, o sucesso do outro não gera solidariedade. Justamente porque não foi o “meu sucesso”.
A gestão Lula, entre tantos erros e insuficiências, fez o Brasil reencontrar-se. Na história da república tupiniquim, é a primeira vez que se rompe com trajetórias seculares de famílias pobres e marginalizadas. Os shoppings estão cheios da nova classe média. Gente que seus pais, avós e tataravós nunca imaginaram que poderiam entrar pela porta da frente de um cruzeiro em alto mar, como os grandes jornais brasileiros noticiam, surpresos. Algo que, confesso, nunca imaginei que poderia ver em meu país. Algo que vi em La Coruña, anos atrás, quando uma família operária, cujo patriarca ainda vestia seu uniforme de fábrica e o indefectível bigode espanhol, entrava orgulhosa no restaurante onde eu almoçava com minha esposa, para comer e beber o que turistas comiam e bebiam. Era triste saber que naquela época trabalhadores brasileiros nem poderiam sonhar em ser protagonistas desta cena. Mas agora o são.
Tupã precisa superar esta cultura de casta. Precisa acreditar que o sucesso meramente pessoal gera insegurança e pobreza de espírito. Pode alimentar um churrasco regado aos gritos das músicas sertanejas e nada mais. Mas é a solidariedade e a felicidade em ver o sucesso e ascensão de todos que gera nobreza de alma e desenvolvimento.
Enfim, se o Brasil se reencontrou parece ser hora de Tupã fazer o mesmo.

2 comentários:

GS disse...

Professor Rudá,
afirmo, quase sem medo e errar, que aqui em BH, uma parte da sociedade ainda preserva esses sentimentos rasteiros.

Sendo BH a síntese de Minas, posso afirmar – quase sem medo de errar –que as cidades do interior também os nutre.

Triste não, essa disputa entre mineiros e tupanenses?

Conheço pessoas que gostam de fazer caridade...

Pensam elas que são virtuosas, ou os pobres que eles ajudam são diferentes daqueles que o Bolsa Família ampara?

E não adianta bater na cangalha, a cegueira é profunda.

Rudá Ricci disse...

Pois é. Isto prova que o Brasil é, num só tempo, grande e pequeno.