sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

30 Anos de PT, por Patrícia Aranha (Estado de Minas e Correio Braziliense)


30 anos de PT
Um partido a reboque de Lula
Patrícia Aranha

O canteiro de sálvias vermelhas em formato de estrela no jardim do Palácio da Alvorada, residência do presidente da República, causou polêmica em abril de 2004 por retratar o deslumbre dos primeiros anos da era Lula. Em 30 anos de PT, que serão comemorados em 10 de fevereiro, os sete em que o partido está no poder operaram tantas transformações na legenda que fizeram muitos filiados se afastarem, mas também tornaram o partido mais popular. A maior parte das mudanças atendeu aos interesses de um governo que, a exemplo dos anteriores, se submeteu à lógica do presidencialismo de coalizão, tendo que fazer concessões a outros partidos e até a antigos adversários para tentar garantir maioria no Congresso, ou pelo menos na Câmara dos Deputados. A cada ano do mandato, a estrela de Lula brilhou mais forte à medida que se tornou menos vermelha.
A cientista política Rachel Meneguello, da Unicamp, autora do livro PT: a formação de um partido, avalia que não haveria outra forma de governar no sistema político brasileiro, que combina presidencialismo, federalismo e multipartidarismo com um modelo de legislativo bicameral (em que a maioria das propostas tem que ser votada duas vezes, uma pela Câmara dos Deputados e outra pelo Senado). Reconhece, contudo, que as consequências para a democracia interna do PT foram nefastas.“O que tem levado o nome de concessões pode ser também denominado como imposições dessa lógica própria de nosso sistema político híbrido. Não é possível alcançar o equilíbrio entre Legislativo e Executivo sem essa dinâmica que busca a formação de maiorias mínimas necessárias no Congresso.
Todo o período de governos democráticos pós-1985 mostra que não há e não houve outro jeito de governar”, compara Meneguello. Para a cientista política, o PT acabou absorvendo internamente essa conduta. “Para um partido estruturado sobre mecanismos de democracia interna, as consequências são significativas. A autonomização do núcleo partidário no governo teve como consequência uma certa desvalorização das bases partidárias e das lideranças intermediárias”, afirma.
O cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, considera natural que o governo Lula tenha aprofundado a distância entre lulismo e petismo. “O PT é um projeto coletivo, de muitos atores, que têm diferenças a partir de fortes tonalidades regionais, mas, sem dúvida, a agregação, a cola deste partido é o Lula enquanto liderança política. O que ocorre ao longo do tempo é que vai ficando evidente que Lula é mais amplo que o PT, o que explica a aprovação dele por setores da população que não se identificam com o partido. O projeto político do Lula, com fortes tonalidades pessoais, se acentua no segundo mandato”, analisa.
Reação
Pesquisas com filiados do partido, algumas conduzidas por Meneguello em encontros e congressos, confirmam que, de fato, o partido dividiu-se com relação às conduções do núcleo governamental. Algumas vezes, a reação à mão de ferro do Planalto ficou restrita aos muros da legenda, mas em alguns momentos extravasou para a opinião pública. Foi o que aconteceu este ano, na condução do fim da crise do Senado. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) chegou a anunciar uma saída irrevogável da liderança do PT diante da pressão do governo que forçou os três senadores do partido no Conselho de Ética – Ideli Salvatti, Delcídio Amaral e João Pedro – a votarem pelo arquivamento das denúncias contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB).
A declaração apenas refletia o estrago interno à legenda da decisão do governo. Como consequência também dos limites de autonomia do partido, Mercadante teve que reconsiderar e acabou revogando o irrevogável. Como aconteceu em outros episódios, o presidente do partido, deputado federal Ricardo Berzoini foi chamado a intervir, avalizando o Planalto e desautorizando o líder.

Fogo amigo dos petistas
O fato de o PT ter ficado refém do Planalto é analisado pelos próprios petistas como a consagração do lulismo em detrimento do petismo. Com um presidente cada vez mais popular e disposto a negociar para fortalecer o governo, não teria restado outro destino à legenda que submeter-se.
O lulismo teria sido o responsável também pela cooptação dos movimentos sociais durante os últimos sete anos de governo. A cientista política Sandra Starling, primeira candidata do PT ao governo mineiro, em 1982, e ex-secretária-executiva do Ministério do Trabalho, exonerada(1) depois de seis meses de governo, elogia os avanços sociais promovidos pela ala petista do governo, mas coloca o dedo na ferida. “Foi um governo que avançou em questões sociais ao preço da cooptação dos movimentos sociais, não só os sindicais. Todos, sejam os de defesa dos camponeses, das mulheres, a União Nacional dos Estudantes (UNE), todos viraram chapa-branca. Todos são patrocinados pelo governo, perdendo a capacidade crítica e de mobilização. Todos se curvam diante do grande líder Lula”, ironizou.
Já o sociólogo Rudá Ricci – um dos fundadores do PT paulista que deixou a legenda em 1993 devido a divergências ideológicas com líderes como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu – acredita que a cooptação foi feita apenas com o movimento sindical que ocupa vários cargos no governo. “Com os movimentos sociais e o lulismo, o que se deu foi uma espécie de encontro das águas. Os próprios movimentos já haviam mudado desde a Constituição de 1988, quando começaram a se estruturar como organizações e encontraram no governo de um partido com trajetória de esquerda o desejo de tutelá-los, por meio de recursos. Juntou a fome com a vontade de comer”, analisa. Para ele, não houve por que o governo não agir como uma força poderosa para diminuir a resistência das forças minoritárias. “Os movimentos também buscaram a tutela”, diz.
O sociólogo explica que há uma diferença teórica e política quando se fala em movimento social, o que pressupõe falta de hierarquia e estrutura administrativa fixa. “As pessoas se unem a partir da luta por direitos, por se sentirem excluídas, não ter dinheiro ou administração fixa. Seu principal instrumento para garantir os direitos é a pressão política. Hoje, os movimentos sociais se transformaram em organizações, com carro, sede, hierarquia, e começaram a disputar poder dentro do lulismo, que não gosta de participação popular, apesar de ter se originado dela. O fim da era dos movimentos sociais é o fim da energia moral da ousadia”, aponta.
CRISE
A demissão de Sandra Starling da secretaria-executiva do Ministério do Trabalho gerou uma crise no governo. O então ministro Jaques Wagner afirmou que ‘‘estava havendo uma falta de sintonia entre Sandra e os demais integrantes da equipe’’. O motivo da exoneração foi a tentativa de Sandra de desfazer um contrato entre o ministério e uma empresa de terceirização de mão de obra considerado irregular pelo Tribunal de Contas da União (TCU). (Patrícia Aranha no Correio Braziliense)

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