Hoje, recebi uma questão sobre o futuro do orçamento participativo (OP) no Brasil.
A pessoa que me enviou a dúvida sentia que havia resistência, passadas mais de duas décadas após a primeira experiência de OP.
Segundo Danielle Martins Duarte Costa (Acesse AQUI os Cadernos de Gestão Pública da FGV e busque a edição número 15, onde consta o ensaio desta autora), há dois registros sobre o número de experiências de OP no Brasil, de 1989 e meados dos anos 2000: 177, para o pesquisador Brian Wampler e 194, registrados pelo Projeto Democracia Participativa da UFMG. Tal discrepância já indica as dificuldades de acompanhamento e registro dessas experiências. Importante ressaltar que a autora destaca que 26 municípios mantiveram a experiência por três gestões e outros 5 mantiveram por quatro gestões, em especial, envolvendo as regiões sul e sudeste do país (SP, MG, RS e RJ se destacam).
A lógica adotada, de democracia direta, propiciou maior envolvimento de municípios com até 100 mil habitantes nesta experiência. Mais: 53% das gestões que a implementaram eram petistas (seguida pelo PSDB, com 13% e PSB, com 11%). A autora relata casos de conflito no interior do governo e com as bancadas governistas na condução do OP (como em Caxias do Sul, Franca, Jaboticabal, Barra Mansa, Teresina) ou outros tipos de tensão com a população e entidades locais ou, ainda, baixa participação social (Volta Redonda, Chapecó, Vitória, Piracicaba, Santo André e Icapuí, entre outros), embora uma parcela significativa tenha tido envolvimento e coesão política na sua condução (em especial, em Porto Alegre, Belo Horizonte, Ipatinga, Vila Velha, Angra dos Reis, Recife e Belém).
A participação, no período estudado, da população local nas plenárias do OP girou ao redor de 1% a 2% do total dos cidadãos dos municípios, chegando, contudo, a 10% em Gravataí; 17% em Belém; 21% em Ipatinga; 22% em Icapuí e 25% em Recife.
O OP definiu o uso de, no máximo 36% do orçamento total (caso de Belém), mas com maior frequência, o percentual do orçamento total discutido pela população ficou entre 5% e 10%.
Valdemir Pires e Larissa Martins avaliam que, passados vinte anos de experiências de OP, esta iniciativa continua sendo pouco avaliado, entendido e explicado em termos de sua dimensão técnica orçamentária-financeira (acesse AQUI a Revista Capital Científico e busque o volume 9, n.2, de julho./dezembro de 2011).
Durante todo este período, muitas críticas foram se acumulando em relação à dinâmica do OP.
Inicialmente, a maior crítica tomou forma ao longo dos anos 1990, sobre o uso partidário das plenárias e certo desgaste em relação às obras que não se efetivavam. Muitos dirigentes, inclusive petistas, revelavam preocupação com a participação dos segmentos organizados nas plenárias, muitos militantes partidários, que já tinham acesso ao governo local por vários outros mecanismos políticos. O OP não se enraizava.
Em relação à falta de implementação das obras definidas nas plenárias, um dos casos que se tornaram públicos foi o do OP de Belo Horizonte, onde a imprensa local criticou obras definidas pelas plenárias que aguardavam para sair da gaveta por mais de seis anos.
Também se criticava a falta de participação das secretarias (principalmente as grandes, como educação e saúde, que possuem mecanismos próprios de definição de estratégias e obras). Finalmente, conflito entre conselhos de gestão (ou setoriais/direitos) e OP, disputando espaços de deliberação (o caso mais evidente ocorreu em SP, durante o governo Marta Suplicy).
A partir de 2006, quando o governo Lula define sua lógica de condução orçamentária e de apoio às prefeituras, os recursos para investimento (justamente os que são, em parte, definidos pelo OP), passaram a se concentrar na União e repassados às Prefeituras através de convênios. Ora, tal situação diminuiu em muito a autonomia dos governos locais em definir os investimentos e conduzir obras. Os convênios federais são acompanhados de metas e sistemas de monitoramento fechados, como pacotes de investimentos, com formas próprias de controle e protocolos de ação.
Um exemplo das escolhas do governo Lula foi a substituição do controle social do Fome Zero (através dos "talheres" que estavam sendo construídos por Frei Betto e Ivo Poletto) pelo controle das prefeituras (aliás, motivo de saída dos dois do governo federal, além da imposição da lógica da focalização pelo Ministério da Fazenda).
Há portanto, toda uma engenharia das políticas públicas federais que determinam a lógica da gestão local.
Em suma, a experiência do OP ainda está em curso e pode ser aprimorada. Trata-se de uma das experiências mais auspiciosas do participacionismo elaborado ao longo dos anos 1980 em nosso país mas que ainda precisa encontrar seu lugar na gestão pública brasileira. Além do enfrentamento com a lógica matricial e burocrática do Estado brasileiro, verticalizado e autocrático, nos últimos anos precisa enfrentar a concentração orçamentária pública (ao redor de 60% do orçamento público concentra-se na União) que esvazia o papel protagonista das gestões municipais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário