domingo, 26 de maio de 2013

Conservadorismo e distorção da representação na Câmara Federal

Recente pesquisa divulgada pelo IPEA revelou que há forte relação entre valores conservadores (e passividade política) e grau de instrução. Nesta pesquisa, para 56% dos analfabetos, a desigualdade social é natural, índice que decresce em função da escolaridade dos entrevistados.
O ceticismo também se relacionaria com o grau de instrução: quanto menos instruído, mais cético é o brasileiro em relação à sua capacidade de influenciar governos.
A relação também se verifica no que tange aos valores machistas: 22% dos analfabetos concordam que o homem tem direito à dar a última palavra na decisão do casal, caindo para 8% no caso dos que possuem título universitário.
Em alguns casos, a renda também define um diferencial: 62% dos brasileiros com renda inferior a 162 reais mensais discordam do direito ao aborto (o índice cai na medida em que aumenta a renda). Sabemos que grau de instrução se relaciona com renda, embora um indicador possa ser mais revelante em uma ou outra questão.
Ocorre que este viés conservador dos menos instruídos não se relaciona com a representação parlamentar na Câmara Federal. Por diversos motivos. Um deles é o grau de instrução dos parlamentares, muito superior à média dos eleitores mais conservadores. Mas também em virtude da lógica parlamentar brasileira, absolutamente apartada da lógica social, cotidiana. As relações de dependência no interior da casa parlamentar e o padrão de vida que levam aumentam a distância com o mundo do seu eleitor.
Evidentemente que, na medida em que o processo eleitoral se torna mais dependente das orientações da equipe de marketing (que se orienta por pesquisas quantitativas e qualitativas de opinião do eleitorado), as posições públicas se realinham ou ficam mais apimentadas a cada dois anos.
Vejamos alguns dados que fundamentam a hipótese do conservadorismo diacrônico (da Câmara e da sociedade civil).
Leôncio Martins Rodrigues já havia revelado que as bancadas federais possuem um alto índice daqueles que possuem título universitário (73%, em levantamento realizado em 2002). No seu levantamento, as posições conservadoras defendidas por deputados federais vinculavam-se mais ao perfil profissional (empresários, profissionais liberais e membros da alta burocracia pública). Já as posturas mais progressistas entre os parlamentares da Câmara Federal, relacionavam-se com as categorias de professores, trabalhadores industriais e do setor de serviços e alguns trabalhadores rurais (Ver Partidos, Ideologia e Composição Social, Edusp, 2002).
Em termos de preferências religiosas, também  não há correspondência entre parlamentares com viés fundamentalista. As igrejas mais atuantes em termos de defesa de valores conservadores são as evangélicas (pentecostais e principalmente neopentecostais). Pois bem, a bancada evangélica perfaz 15% do total dos deputados federais, abaixo do índice dos brasileiros que se afirmam evangélicos.
Desde a eleição de Lula para a Presidência da República o realinhamento ideológico parece ter se configurado a partir da disputa eleitoral, tendo como eixo, até o momento, a polarização PT-PSDB. Celso Roma (USP), sugeriu, antes da eleição do petista, que os blocos partidários (em função das votações analisadas pelo autor) já se dividiam em duas grandes facções ideológicas: mais a esquerda, envolvendo PT PDT PCdoB PCB e PSB; e mais à direita, envolvendo PMDB PPR/PPB PSDB PTB PFLe PL.  
O conservadorismo societal se espalha pelo Brasil pelos motivos já expostos neste blog (inserção social pelo consumo e rebaixamento da ação pedagógica do PT), mas o que se percebe é que o sistema político nacional interdita o canal comunicante entre parlamento e eleitores. 
O que ainda salva o país, paradoxalmente.


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