Cena 1
O centro da cidade está tomado por jovens de todas as tribos. A grande maioria carrega uma cerveja na mão ou no estômago. No metrô, um jovem que parece para lá de bêbado é carregado por dois amigos em estado não muito melhor. Muita música, de todos os tipos. Andar pelo centro é entrar num labirinto musical. Várias estruturas montadas pela Prefeitura atraem jovens não só paulistanos. Encontrei até mineiros, do sul do Estado, que vieram só para participar desta festa ao ar livre.
Cena 2
O taxista está furioso. Fala sem parar. Começa criticando a confusão que a Virada Cultural gerou na cidade. Olha para os jovens que caminham em grupos, às centenas, pelas ruas e não se contém. Diz que na noite anterior, ali perto, cantou a Daniela Mercury, "que resolveu ser lésbica". Logo, começam as conclusões típicas: "e o pessoalzinho dela, que apoia, encheu tudo e piorou a confusão... onde estamos? Se a Bíblia fala que foi isto mesmo que aconteceu em Sodoma e Gomorra, o que este pessoal está querendo?"
Já engata outra conclusão, dizendo que até o Joaquim Barbosa já disse que é lei e eles podem casar. "Lei, tá bom!", diz o espumante taxista. Daí para o assalto que sofreu, com três jovens apontando duas armas nele, foi um pulo. Disse que já fez karatê, judô e luta livre e que ficou com vontade de quebrar o pescoço de um deles, mas Deus teria dito para se conter. Nesta história toda, errou duas vezes o trajeto (que não descontou, como é do feitio de quem é moralista). Espumava.
Uns vinte anos atrás, eu teria pensado que se tratava do folclórico discurso dos taxistas paulistanos. Começo a ficar em dúvida. Este discurso reaparece ali ou acolá. Mas São Paulo tem esta vantagem dos espaços públicos. Num mesmo dia, você vê nas ruas o fascismo e o alternativo, a pluralidade. Minha preocupação é que raramente se vê espaço realmente público, ocupado por diferentes, na maioria das cidades brasileiras. Na maioria, é o silêncio censor que impera. O espaço público é ocupado pela "ordem" fardada e intolerante.
Temo que o Brasil esteja se folclorizando.
Um comentário:
"Temo que o Brasil esteja se folclorizando.", pelo que leio aqui, o que o professor quer dizer é que a sociedade está a caminho do reacionarismo...
Mas, e o poder de compra alcançado por parcela da população, isso não leva na verdade a uma sociedade de massa consumidora - para alguns, sub-consumo - onde as "outras" questões são mero voar de moscas?!
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