Pelos dados divulgados pela Folha, o Bolsa Família estaria se consolidando como política de proteção (aquela que é sustentada pelos liberais) e não como política de promoção (aquela sugerida pelos socialdemocratas). Ao apenas proteger, afirmavam os liberais dos anos 1990, o Estado só garantia condições de sobrevivência e algo relacionado com competências para a concorrência no mercado. As políticas de promoção, ao contrário, investem recursos públicos para a superação das condições iniciais do beneficiário. Se formos rigorosos, nem mesmo a concepção liberal parece ser atendida na medida que o acesso à educação (um dos três pilares da proposta liberal, ao lado de segurança e saúde) estaria garantida.
A matéria reabre um importante debate público sobre o desenho das políticas federais que melhoram efetivamente as condições de vida da população a partir de sua instalação, mas não geram um novo patamar de cidadania no decorrer dos anos. Não se formaria uma nova dinâmica social a partir da proteção básica estar instalada o que sugere a "estatalização" no Brasil, termo utilizado por Claus Offe para denominar a dependência social em relação ao Estado.
Maior renda não erradicou miséria social
JOÃO CARLOS
MAGALHÃES
BRENO COSTA
DE BRASÍLIA
O governo Dilma Rousseff melhorou
a renda dos pobres, mas não solucionou seus níveis miseráveis de acesso a
emprego e educação. É o que revela um indicador que o próprio governo federal
usa para analisar a pobreza no país, cuja base de dados de dezembro de 2012 a
Folha obteve por meio da Lei de Acesso à Informação.
Chamado de Índice de
Desenvolvimento da Família (IDF), ele é aplicado ao Cadastro Único (banco de
dados federal sobre famílias de baixa renda) e possibilita uma mensuração
detalhada da situação do pobres. Em vez de definir a pobreza só pela renda,
como faz a propaganda oficial, o IDF a divide em seis dimensões:
vulnerabilidade da família, disponibilidade de recursos (renda),
desenvolvimento infantil, condições habitacionais, acesso ao trabalho e acesso
ao conhecimento.
Cada uma delas ganha uma nota,
que varia de 0 a 1, onde 1 significa que a família tem todos os direitos
fundamentais ligado a cada dimensão garantidos, e 0 significa que tem todos
eles violados. Juntas, essas seis notas criam uma média geral que, no caso dos
pobres brasileiros, está em 0,61.
O índice de renda, por exemplo,
está acima da média: 0,63. Essa performance tem relação com as mudanças feitas
no Bolsa Família, que elevaram o orçamento do programa em cerca de 67%,
chegando a R$ 24 bilhões. A última ampliação, feita em 2013 e, portanto não
captada pelos dados obtidos pela reportagem, concedeu um complemento para quem
tivesse rendimento mensal per capita inferior a R$ 70, considerado pelo governo
teto para caracterizar a miséria.
Os problemas se localizam nas
dimensões "acesso ao conhecimento" e "acesso ao trabalho".
O índice da primeira, que capta a situação de adultos e de parte dos jovens,
está em 0,38. O da segunda, em 0,29.
É difícil fazer uma análise
comparativa dessas notas, uma vez que não existem cálculos recentes do IDF para
toda a população. No entanto, uma maneira de traduzir as notas é pensar que o
IDF foi concebido no segundo governo Fernando Henrique Cardoso para medir o
grau de acesso a direitos fundamentais por meio de perguntas objetivas: a cada "sim" a nota aumenta, e a
cada "não", diminui. Aplicando essa ideia à nota geral, é como dizer
que os pobres brasileiros têm acesso a 61% de todos os seus direitos
fundamentais e são privados de 39% deles.
Em relação às notas mais baixas,
é como dizer que eles acessam 29% dos direitos ligados ao trabalho e 38% dos
relativos ao conhecimento. Alguns componentes detalham essas dimensões. Por
exemplo, a proporção de famílias pobres com ao menos um adulto analfabeto, que
supera os 80%.
Como o país experimenta algo
próximo do pleno emprego, uma possível explicação é que a falta de formação
nessa fatia da população é o maior limitador para que ela encontre trabalho.
A baixa nota das duas dimensões
indica também que o número de pessoas que precisa do Bolsa Família não deve
diminuir tão cedo, porque o emprego e a educação são tidas como as principais
"portas de saída" do programa.
OUTRO LADO
O Ministério do Desenvolvimento
Social afirmou que o país experimenta "inegáveis" avanços na educação
e no trabalho, que não necessariamente são captados pelo Índice de
Desenvolvimento da Família (IDF).
"O Cadastro Único tem
particularidades, entre elas o fato de as pessoas buscarem o cadastramento
exatamente quando enfrentam períodos de dificuldades socioeconômicas e choques
negativos, como perda de emprego", afirmou a pasta. "Dessa maneira,
os inegáveis avanços que o país teve nas áreas de educação e trabalho são muito
mais bem capturados por meio de fontes de dados voltadas especificamente a
esses temas, como, por exemplo, o Censo da Educação Básica."
Em relação à dimensão
"acesso ao conhecimento", a pasta informou que ela está "focada
na escolaridade dos adultos e não das crianças e adolescentes, público-alvo do
acompanhamento das condicionalidades do Bolsa Família". A dimensão que
mede o grau de desenvolvimento infantil obteve a melhor nota no IDF, alcançando
0,85. (JCM e BC)
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