Não consegui levar muito a sério a provocação de Francis Fukuyama quando retomou a tese de Hegel e decretou o fim da história. Era, supostamente, uma contradição em termos, já que adotava a técnica retórica da esquerda marxista ortodoxa para vaticinar nosso futuro político. Mas o pesquisador do Centro para a Democracia,
Desenvolvimento e Estado de Direito da Universidade de Stanford, tempos depois, publicou um interessante livro sobre o conceito de confiança na construção da nações. Ainda aí, ficava evidente um pensamento xenófobo autocomplacente.
Recebi, na semana passada, um outro bom texto de Fukuyama, mais instigante que os outros, embora adotando o mesmo discurso definitivo e escatológico.
O texto é mais crítico (no sentido de se aprofundar no mérito do tema) e o título já revela uma visão mais geral, importante para esses dias em que se fala tanto da ascensão da classe média brasileira. Reproduzo algumas passagens:
O Futuro da História
Democracia Liberal pode sobreviver ao declínio da classe média?
Democracia Liberal pode sobreviver ao declínio da classe média?
(...) Há várias razões para essa falta de mobilização de esquerda,
mas o principal deles é um fracasso no campo das idéias. (...)
(...) A democracia liberal é a ideologia padrão em torno de grande
parte do mundo hoje, em parte porque ela responde a e é facilitada por certas
estruturas socioeconômicas.
(...) o liberalismo não implica necessariamente em democracia. Os Whigs que apoiaram a solução
constitucional de 1689 tenderam a ser os proprietários mais ricos da Inglaterra;
o parlamento desse período representava menos de dez por cento de toda a
população. Muitos liberais
clássicos, incluindo Mill, eram altamente céticos em relação as virtudes da
democracia: eles acreditavam que a educação política levaria à participação
responsável.
(...) Marxistas primitivos acreditavam que iriam ganhar por pura
força dos números: como a franquia foi ampliada no final do século XIX, os
partidos, como do Trabalho do Reino Unido e social-democratas da Alemanha
cresceu aos trancos e barrancos e ameaçou a hegemonia de ambos os conservadores
e liberais tradicionais.
(...) alterações importantes estavam acontecendo em um nível social que
minaram o cenário marxista. Primeiro,
o padrão de vida real da classe operária industrial continuou subindo, até o
ponto onde muitos trabalhadores ou os seus filhos foram capazes de se juntar à
classe média. Segundo, o tamanho
relativo da classe operária parou de crescer e realmente começou a declinar,
sobretudo na segunda metade do século XX, quando os serviços começaram a
deslocar de fabricação em que foram rotulados de "pós-industrial"
economias. Finalmente, um novo
grupo de pessoas pobres ou desfavorecidos surgiu abaixo da classe operária
industrial - uma mistura heterogênea de minorias raciais e étnicas, imigrantes
recentes, e os grupos socialmente excluídos, como mulheres, gays e
deficientes.Como resultado dessas mudanças, na maioria das sociedades
industrializadas, o velho trabalhador se tornou apenas mais um grupo de
interesse nacional, usando o poder político dos sindicatos para proteger os
ganhos duramente conquistados de uma época anterior.
(...) Muitas pessoas atualmente admiram o sistema chinês não apenas
por seu histórico econômico, mas também porque pode fazer grandes decisões
complexas rapidamente, em comparação com a paralisia política agonizante que
atingiu tanto os Estados Unidos e na Europa no passado poucos anos. (...) Mas é improvável que este modelo se
torne uma alternativa séria à democracia liberal em regiões fora da Ásia. Em primeiro lugar, o modelo é
culturalmente específico: o governo chinês está construído em torno de uma
longa tradição de recrutamento meritocrático, uma grande ênfase na educação e
deferência à autoridade tecnocrata.
(...) Também não está claro se o modelo é sustentável. Nem o crescimento baseado nas
exportações, nem a abordagem top-down à tomada de decisão vão continuar a
render bons resultados sempre.
(...) Os marxistas não conseguirão atingir sua utopia comunista
porque o capitalismo maduro gera sociedades de classe média, e não sociedades
da classe trabalhadora. Mas e se
o desenvolvimento de tecnologia e a globalização enfraquecem a classe média? Já
há sinais abundantes de que tal fase de desenvolvimento já começou. A renda média nos Estados Unidos tem
estado estagnada em termos reais desde 1970.
(... ) Os Estados Unidos tentaram uma forma altamente perigosa e
ineficiente de redistribuição em relação à geração passada ao subsidiar
hipotecas para famílias de baixa renda. Esta
tendência, facilitada por uma inundação de liquidez de outros países, deu a
muitos americanos comuns a ilusão de que seus padrões de vida estavam subindo
de forma constante durante a última década. A
este respeito, o estouro da bolha imobiliária em 2008-9 foi nada mais do que
uma reversão cruel à esta lógica. Os
americanos podem hoje adquirir celulares baratos, roupa barata, e Facebook, mas
eles cada vez mais não podem pagar suas próprias casas, ou seguro de saúde, ou
pensões quando se aposentam. Um fenômeno mais preocupante, identificado pelo
capitalista de risco Peter Thiel e do economista Tyler Cowen, é que os
benefícios das ondas mais recentes de inovação tecnológica criaram acúmulo desproporcional
nas camadas sociais mais talentosos e bem-educados da sociedade. Esse fenômeno ajudou a fazer com que o
enorme crescimento da desigualdade nos Estados Unidos em relação à geração
passada. Em 1974, um por cento
das famílias levou para casa nove por cento do PIB; até 2007, essa participação
aumentou para 23,5 por cento.
(...) O outro fator minando renda da classe média nos países
desenvolvidos é a globalização. Com
a redução dos custos de transportes e comunicações e a entrada da força de
trabalho global de centenas de milhões de novos trabalhadores nos países em
desenvolvimento, as tarefas realizadas pela classe média de países
desenvolvidos podem agora ser executadas muito mais barato em outro lugar. De acordo com um modelo econômico que
prioriza a maximização da renda agregada, é inevitável que os trabalhos sejam
terceirizados.
(...) O livre comércio tornou-se menos uma teoria do que uma ideologia: quando
os membros do Congresso dos EUA tentaram retaliar com sanções comerciais a
China por manter sua moeda desvalorizada, eles foram cobrados por sugerir
protecionismo.
À ESQUERDA AUSENTE
(...) Uma das características mais intrigantes do mundo, no rescaldo da crise financeira é que, até agora, emergiu uma força de apelo popular encabeçada pela extrema-direita, não por forças de esquerda. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Tea Party acalentam uma crença profundamente enraizada na igualdade de oportunidades e menos na igualdade de resultados. Mas a razão mais profunda para a ausência de uma esquerda popular é de ordem intelectual. Há várias décadas ninguém à esquerda tem sido capaz de articular, em primeiro lugar, uma análise coerente do que acontece com a estrutura das sociedades avançadas. Também não conseguem articular uma agenda realista que tem alguma esperança de proteger a sociedade.
As principais tendências do pensamento de esquerda das duas últimas gerações foram, francamente desastrosas tanto como marco conceitual, quanto como ferramentas para a mobilização. O marxismo morreu há muitos anos, e os poucos crentes estão prontos para lares de idosos. O acadêmico de esquerda foi substituído pelo pós-modernismo, o multiculturalismo, o feminismo, a teoria crítica, e uma série de outros fragmentos de tendências intelectuais que são mais culturais do que econômicos.
(...) Uma das características mais intrigantes do mundo, no rescaldo da crise financeira é que, até agora, emergiu uma força de apelo popular encabeçada pela extrema-direita, não por forças de esquerda. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Tea Party acalentam uma crença profundamente enraizada na igualdade de oportunidades e menos na igualdade de resultados. Mas a razão mais profunda para a ausência de uma esquerda popular é de ordem intelectual. Há várias décadas ninguém à esquerda tem sido capaz de articular, em primeiro lugar, uma análise coerente do que acontece com a estrutura das sociedades avançadas. Também não conseguem articular uma agenda realista que tem alguma esperança de proteger a sociedade.
As principais tendências do pensamento de esquerda das duas últimas gerações foram, francamente desastrosas tanto como marco conceitual, quanto como ferramentas para a mobilização. O marxismo morreu há muitos anos, e os poucos crentes estão prontos para lares de idosos. O acadêmico de esquerda foi substituído pelo pós-modernismo, o multiculturalismo, o feminismo, a teoria crítica, e uma série de outros fragmentos de tendências intelectuais que são mais culturais do que econômicos.
3 comentários:
....e ainda hoje encontro gente brandindo a cartilha marxista aqui nessa aldeia tupiniquim. A classe política brasileira é como o BBB.
rudá, posta aí o artigo completo, ou ao menos um link, pelos trechos parece ser interessante.
Cadê o link, pô!
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