Julio Gomes de Almeida, do IEDI, e José Roberto Afonso, do BNDES, chamam a atenção sobre turbulências à vista no horizonte da economia brasileira e sobre a necessidade de criação de um novo modelo de financiamento e de crescimento em que seja substituída aos poucos a expansão ditada pelo vetor crédito/consumo das famílias (já endividadas) por um modelo amparado no investimento
Se nova a crise, diferente será a resposta
Júlio G. de Almeida e José Roberto Afonso
Turbulências voltaram ao radar da economia brasileira diante da tormenta já
instalada nas economias desenvolvidas. Esse cenário parece não incomodar ou ser
ignorado por muitos no País. Talvez relaxem ao lembrar que, após o mergulho
recessivo ao final de 2008, a recuperação foi muito rápida. Mas é preciso redobrar
os cuidados, pois pode ser outra a gestação da crise e diferente deverá ser a
resposta. Se antes a crise começou no sistema financeiro e o equacionamento passou
por um ativismo estatal, agora tudo mudou: no exterior, o espaço fiscal se fechou e
no Brasil a criativa engenharia fiscal está sob fogo cruzado.
Se nem a recente história se repetirá, urge desatar o nó que se apertou no pós-crise
do País ao amarrar a fiscalidade aos juros, câmbio e, agora, ao crédito. A dívida
pública bruta está em 63,5% do PIB, até cresceu pouco após a crise, ante o resto do
mundo (+3,7 pontos em três anos), mas é muito superior à média das economias
emergentes (38% do PIB). Já o crédito concedido pelo governo federal saltou para 14%
do PIB (+5,8 pontos de empréstimos ao BNDES, à custa de emissão de títulos), o que
aguçou outra singularidade brasileira no mundo - um Tesouro que indiretamente é o
maior banco da economia. No auge da crise, ele se endividou (no melhor perfil de
"devedor de última instância") para estimular o crédito e conseguiu reativar a
economia na crise de 2008/2009 (os bancos públicos foram os "emprestadores de última
instância" das empresas e, assim, dos demais bancos).
Mas o cenário macro mudou e exige reflexão e talvez inflexão. Como o crédito tem
sido decisivo no País, chama a atenção um detalhe em sua evolução. O crédito total
chegou a 48,1% do PIB, mais 7,8 pontos em três anos, dos quais só 2,8 pontos foram
para empresas, aí incluídos os 3,2 pontos concedidos a mais pelo BNDES (inclusive
para giro). Sem este, os demais bancos emprestam hoje às empresas 0,4 ponto do PIB
aquém do registrado há três anos, ou seja, o resto do crédito bancário para
negócios, mesmo com taxas altíssimas, não voltou sequer ao nível anterior à crise e
toda sua expansão foi para famílias, basicamente para financiar o consumo.
Se o ativismo creditício estatal teve por maior mérito impedir maior deterioração da
formação de capital, o endividamento público foi insuficiente para expandir o
investimento fixo, apesar de aumentar a dependência do BNDES. Isso pode ser pouco
para reverter um cenário de baixo crescimento que surge no horizonte das economias
do País e mundial. Uma alternativa seria reverter gradualmente a estatização do
funding decorrente de nossa política monetária - que acertou ao baixar a taxa de
juros e poderia prosseguir em repensar os demais instrumentos de sua atuação. A
última onda de endividamento público no País não passou pelas tradicionais
colocações do Tesouro no mercado, mas foi disfarçada pela carteira de títulos do
Banco Central (BC), que saltou para 18% do PIB, 43% daquela dívida mobiliária em
mercado. As operações compromissadas são um endividamento direto, voluntário e já
reconhecido, que muito cresceu para esterilizar a maciça entrada de reservas: hoje
em 9,2% do PIB.
Os recolhimentos obrigatórios das instituições financeiras se somaram à nova forma
de endividamento, indireto e compulsório, pois cresceu sua magnitude (hoje em 9% do
PIB, +5 pontos do depositado antes da crise, dos quais 3,2 pontos vindos de
depósitos a prazo) e, o principal, saltou para 86%, o que é remunerado e com taxas
de mercado. Ou seja, o pouco que os bancos captam a prazo na economia acaba "preso"
no BC, sem risco e recebendo os maiores juros reais do mundo, graças à carteira de
títulos do Tesouro, enquanto este acumula em seu ativo crescentes créditos contra
bancos estatais, justificados pela falta de funding privado para o longo prazo.
Se temos um sistema bancário sólido e solvente, um mercado acionário amplo e líquido
e o resto do mundo está cada vez mais disposto a investir no País, é preciso
explorar tais vantagens para financiar o investimento de longo prazo. Falta um
mercado de dívidas que suporte tais projetos. A nova faceta do ativismo estatal
consistiria em liberar o funding privado preso no curto prazo e nos cofres públicos,
para que sirva e estimule (inclusive via BNDES) os projetos de longo prazo, da
infraestrutura à produção tradicional, e, assim, crie um novo padrão de
financiamento e de crescimento em que seja substituída aos poucos a expansão ditada
pelo vetor crédito/consumo das famílias (já endividadas) por um modelo amparado no
investimento. Se o Brasil tem a vantagem de dispor de oportunidades, delas precisa
tirar proveito com ousadia no redesenho da política econômica.
PROFESSOR (UNICAMP), CONSULTOR DO IEDI; E ECONOMISTA DO BNDES, respectivamente
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