A despeito da entrevista de Cândido Grzybowsk (esta é a grafia oficial do nome do diretor geral do IBASE), vou dar um pontapé na bola para tentar fazer um inventário prévio de como se plasma a sociedade civil brasileira neste momento. Trata-se de uma tipologia inicial, uma provocação ou, como se diz aqui em Minas, um "toró de ideiais".
Uma parcela mais significativa é absolutamente desorganizada do ponto de vista coletivo. Estão diretamente relacionadas com esta transição de massas subjugadas por lideranças clientelistas e suas redes locais, com cultura fortemente marcada pelo comunitarismo místico-afetivo para a cultura da denominada "nova classe média", inserida socialmente pelo consumo, que adota o ressentimento em relação ao histórico de penúria familiar como mola propulsora dos seus parcos vínculos com ações coletivas ou políticas. As igrejas, principalmente as de caráter pentecostal (incluindo a católica, articulada no movimento carismático), parecem atrair e estimular grande parte deste segmento. Mas arriscaria dizer que com a consolidação desta nova composição de classe média baixa (consumista) o apelo religioso diminuirá ano a ano, obrigando as igrejas a alterarem suas estratégias de recrutamento.
Uma segunda parcela, muito diminuta, seria composta pelas velhas organizações de formulação e animação social. Grande parte se identifica com o ideário "anos 80", focado na autonomia política, na desconfiança das instituições públicas e na construção da noção acadêmica e de lideranças a respeito do conceito de sociedade civil, cidadania e empoderamento. Aqui estão presentes várias organizações gerais da igreja católica (como a Cáritas e pastorais sociais), as centrais sindicais e as mega ONGs (caso do IBASE, entre outras). Tais organizações já se envolveram como linha auxiliar das entidades de representação de massa. Portanto, mobilizam lideranças, quadros intermediários (ou mediadores, na nomenclatura utilizada por José de Souza Martins). São organizações formuladoras que pautam grande parte da agenda política não oficial, como o caso da Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política. Possuem o monopólio da representação da "sociedade civil" e, por este motivo, estão sempre nas arenas e fóruns governamentais de consulta para a agenda social institucional. Participam, mas dificilmente se relacionam mais organicamente com as estruturas do Estado. Parte desta organização apostaram, na década passada, na possibilidade de inovarem com a emergência de fóruns e redes de entidades, agregando-os por temas e pautas mais perenes. Não conseguiram, contudo, gerar enraizamento social e continuam formando uma espécie de elite política.
Uma terceira parcela são as organizações hoje financiadas pelo Estado. São as centrais sindicais, a grande maioria das ONGs sem grande expressão pública (que trabalham com atendimento de pequenos grupos, nichos sociais ou temas muito específicos) ou que não possuem o "élan" das organizações citadas no item anterior (formam o "baixo clero" das ONGs brasileiras). Aliás, parte das entidades citadas anteriormente são constantemente pressionadas para se envolverem com o circuito paraestatal que envolve esta parcela. Porque estas organizações são financiadas por convênios com governos federais, estaduais e municipais, o que significa que assumem, em muitos casos, a terceirização dos serviços públicos. Também acessam muitos recursos públicos diretamente criados para legitimar tais estruturas. As centrais sindicais (e suas federações e confederações) participam de arenas de formulação de políticas públicas e chegam a ter força para indicar ministros, secretários de governo (em especial, os relacionados ao mundo do trabalho) e segundo e terceiro escalões de governos.
Finalmente, as redes sociais. Este, sem dúvida, é o menor agrupamento e o mais audacioso e inovador, como convém a todas minorias de sistemas sociais (sugestão aprofundada nos estudos de Eugéne Enriquez). As redes podem ser inicialmente subdivididas em "partidarizadas" e "desestruturadas". O primeiro bloco vem criando rapidamente laços coletivos e uma espécie de pauta comum. No momento, as redes partidiarizadas (pró e contra o lulismo) são as mais visíveis desta subcultura. O segundo bloco é mais caracterizado como rede (ou structural hole). Não formam organizações e não possuem hierarquia. Mobilizam a partir de uma "agenda ética". A mobilização se forma por adesão individual. Dificilmente a adesão é grupal. Ela se inicia com um disparador, pelo twitter e facebook e se reproduzem pelas redes ou por mensagens e torpedos emitidos por celulares e tablets. Como são efêmeros, mobilizam grandes massas que percebem que não há como se transformarem em massas de uso político de alguns líderes. Mas as mobilizações não geram nenhuma estrutura formal ou alternativa. Formam uma opinião abstrata, de tipo fiduciária, muito distinta da regra moral das organizações mais tradicionais. São, assim, uma incógnita do ponto de vista social e político.
Um comentário:
AS redes sociais usadas no âmbito da atuação política, são uma tentativa pífia de serem formadoras de opinião. Nenhum político dispensa hoje sua participação nessas redes, porque é mais um veiculo de comunicação com possibilidades as mais diversas.Político infiltra-se até em jornalinho de bairro,aqueles com formato tipo caderno universitário de 15 matérias.Eles não dispensam uma brecha apara terem seus nomes gravados ali.A sociedade civil é esfacelada e não tem rosto. Tá mais para sociedade camaleônica e até revestiu-se de uma certa antropofagia a ponto de negar seus pares a fim de livrar seu pescoço do machado do algoz.As mudançaas estão realizando-se com tal velocidade que não existe um padrão duradouro para enquadrar alguns blocos sociais. Parece mesmo que estamos mergulhados no meio do nada ou que o cordão arrebentou e estamos perdidos no espaço, pois perdemos a nave mãe.
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