O que nos separa, neste campo, é o peso quase absoluto do peronismo nos embates eleitorais, da esquerda à direita, algo que não ocorre no Brasil, a despeito das tentativas de transformar Getúlio Vargas num Perón tupiniquim.
No início deste século, manifestações de rua de desempregados e classe média que teve seu dinheiro confiscado pelo governo federal acabaram obrigando o Presidente de La Rúa a fugir pelas portas dos fundos. O que parecia que caminharia para algo que ocorreu mais tarde na Islândia (na famosa Revolução das Panelas que além de derrubar os partidos instalados no poder acabou por alterar a Constituição do país a partir de participação direta dos cidadãos) acabou gerando a firme conduta paternal de sempre do peronismo, naquele momento travestido de kirchnerismo. Dalí, esta nova corrente peronista nunca mais saiu.
O interessante é como a situação de Cristina é muito similar à de Dilma. Não encanta mais (como foi com Lula e Nestor) como na sua origem, mas as oposições são frágeis a ponto de não sugerirem qualquer mudança significativa no absoluto controle do campo institucional.
Cristina tem, contudo, a sombra da Igreja Católica e do Papa argentino.
Dilma, talvez, tenha as ruas.
A conferir.
O regresso de Cristina |
Novembro-19-13 - por Rosendo Fraga
O retorno da Presidenta às suas atividades ocorre sem que tenham
cessado as dúvidas sobre sua saúde, tendo uma agenda econômica e política de
governo complexa. É evidente que sua saúde requeria um recesso mais prolongado,
mas as necessidades políticas – o fato do Peronismo começar a questionar a
liderança da Presidente, como se insinuou – não permitem. Aprofundará suas
políticas, como evidenciam tanto sua mensagem como as mudanças em seu gabinete,
embora sua saúde continuará sendo uma questão política nas próximas semanas. O
ato realizado no dia 17, domingo, comemorando o “Dia da Militância” foi
presidido pelo Secretário Geral da Presidência, o Vice-Presidente e a filha da
Presidenta. Na celebração foi citado Kirchner, mas nunca foi mencionado Perón.
No campo econômico, a Presidenta deve definir agora se se
aprofundarão o câmbio com um eventual desdobramento como parece sugrerir o novo
ministro da Economia (Kicillof), que isolou todos que tentavam uma aproximação
com o Clube de Paris.
No campo político, a questão é o controle da luta pela sucessão,
que aberta ou não já se desenrola dentro do Peronismo, e a designação do novo
Chefe de Gabinete (Capitanich) começa a projetá-lo como um candidato do
Kirchnerismo. A foto de Massa e Insaurralde evidencia que a condução política
do Kirchnerismo começa a ser desafiada em suas próprias fileiras.
No campo ideológico, a ratificação tem sido clara: o primeiro
agradecimento foi para Bonafini e, internacionalmente, só se mencionou Chávez.
As denúncias da Igreja sobre o narcotráfico evidenciaram que se
trata de um problema essencial para a Argentina, assim como a projeção do Papa
no país. Durante a campanha eleitoral ficou claro que a segurança era a
primeira demanda social, logo acima da inflação. Com uma década de Kircherismo
no poder, a ausência de resposta frente a este problema foi uma das causas que
explica a derrota eleitoral de 27 de outubro. Mas o documento apresentado em 8
de novembro na Conferência Episcopal Argentina (CEA), integrada por todos
bispos, denunciou a gravidade do narcotráfico, a cumplicidade do poder e
evidenciou este aspecto da segurança pública como causa de grande dano social e
com maior incidência política. Três dias depois, a Suprema Corte – talvez buscando
legitimidade social em virtude da controvertida decisão a respeito da Lei da
Comunicação e seguindo a linha da Igreja Católica -, exigiu do Executivo
urgentes medidas contra o avanço do narcotráfico.
O que deu um novo significado para as alegações, como aqueles feitos pelos tribunais federais das províncias do norte do país, sobre o qual não há controle do fluxo de drogas na fronteira com a Bolívia. O fato de que a direção da SEDRONAR - o órgão executivo encarregado da luta contra as drogas, que na Argentina é um crime federal - esteja sem direção por quase 10 meses, é prova da falta de ação oficial. Pesquisas mostram que 7 em cada 10 jovens dizem que é fácil de obter drogas. Por seu lado, o Presidente da Comissão Pastoral Social, Dom Lozano, afirmou que "é impossível expandir traficantes sem a aprovação do poder". Certamente sem um Papa Argentina o impacto gerado pelo documento dos bispos teria sido menor.
O tratamento "express" para unificação dos códigos civil e comercial foi uma manifestação de que, apesar da derrota, o kirchnerismo continua com capacidade intacta para usar o poder. O tema foi remoído por meses e a atual urgência - reclamada pelo Presidente da Corte, que estava pessoalmente interessado na reforma - é uma manifestação de sua boa relação com o Executivo neste momento. Os três temas mais polêmicos em relação à unificação dos códigos são: a limitação do direito de propriedade para estabelecer a sua função social como o reconhecimento do interesse coletivo; a eliminação da responsabilidade civil dos funcionários políticos por suas ações, contribuindo para o impunidade nas causas da corrupção; e - o que questiona a Igreja - mudanças no casamento, divórcio e a fecundação assistida.
A despeito do Presidente da Câmara dos Deputados (Dominguez) tentar fazer as mudanças exigidas por ela, o Secretário Geral da Presidência da República (Zannini) manteve na maioria dos casos o texto original.
O impacto do relatório sobre a droga revela a voz do Papa potencializa o poder da Igreja na Argentina, neste momento, mas o projeto final do Código Civil e Comercial - enviado finalmente ao Congresso - evidencia que o Kirchnerismo não cede facilmente a ela. Para que se torne lei antes do fim do ano, será necessário um decreto da Presidenta convocando sessões extraordinárias do Congresso para depois de 10 de dezembro, dado que não há tempo para sancioná-la, mesmo com o chamado tratamento "express". Seria a primeira lei aprovada pela Câmara dos Deputados, em sua nova conformação, revelando se alterou ou não seu férreo oficialismo.
Quanto ao peronismo, aparecem três linhas definidas para a sucessão e se percebe não será fácil para a oposição construir uma alternativa. Massa avança definitivamente com o seu projeto presidencial visitando Chubut para formalizar uma aliança com o ex-governador Das Neves e viajar para a Espanha para mostrar uma atitude "presidencial"; Scioli, que acolhe as acusações dos bispos sobre o tema das drogas e se diferencia do governo nacional, busca não perder o controle em Buenos Aires através de uma aliança com os prefeitos suburbanos derrotados em 17 de outubro, em meio à projeção de vários pré-candidatos pelo kirchnerismo (Uribarri, Capitanich e Randazzo), evitando a consolidação do nome dos dois primeiros.
A Presidenta tomou a decisão de adiar a renovação da direção nacional do Partido Justicialista [peronista], que deveria ocorrer em dezembro, na mesma data do evento do partido em Buenos Aires, para não tornar visível a luta pela sucessão. Fora do peronismo, a derrota de Cobos em sua tentativa de presidir o bloco radical, a decisão de Carrio para lançar seu próprio partido na província de Buenos Aires e a controvérsia em torno declarações de Macri sobre Hitler através de comunicação de seu assessor (Durán Barba) confirmam que não vai ser fácil construir uma alternativa unificada não-peronista para 2015.
Concluindo: O retorno da Presidenta ocorre sem contudo dissipar dúvidas sobre sua saúde e ratificando sua linha política, tanto com as mudanças no gabinete como em sua mensagem; a denúncia dos bispos sobre a cumplicidade do poder com o avanço do narcotráfico expuseram a gravidade do problema, a sua importância social e a influência do Papa no país; a urgência com que governistas pretendem sancionar a unificação dos códigos civil e comercial mostra que até agora permanece intacto a sua capacidade de exercer o poder e dentro do peronismo se evidencia três linhas para a sucessão (Massa, Scioli e kirchnerismo); finalmente, para fora do peronismo são evidentes as limitações para a construção de uma alternativa competitiva a ele.
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