quarta-feira, 23 de março de 2011

Renda e Religião influenciaram voto no primeiro turno 2010


O último boletim de Cesar Maia divulga dados de pesquisa realizada em Nova Iguaçu, município metropolitano do Rio, desenvolvida pelo cientista político e professor da UFRJ, Nelson Rojas Carvalho. A pesquisa recebeu o título de "Racionalidade e decisão de voto na periferia metropolitana" e foi publicada na revista Insight-Inteligência, de dezembro de 2010.
Maia seleciona sete excertos:

1. Em nossa pesquisa, a variável que aparece com maior rendimento na explicação da razão do voto, até as vésperas do primeiro turno, é exatamente variável de natureza econômica: o incremento ou a diminuição da renda representou o fator determinante de como os eleitores ordenaram suas preferências eleitorais. Enquanto entre os eleitores que experimentaram aumento da renda familiar nos últimos quatro anos (49% dos entrevistados) a diferença entre a intenção de votos da candidata governista e a soma da intenção de voto dos demais candidatos chega a 22%, entre aqueles que sofreram diminuição da renda familiar no último quadriênio (15% dos entrevistados) a
situação se inverte: o somatório do total do percentual de intenção de votos dos candidatos oposicionistas ultrapassa em 8,4% a intenção de voto da candidata do governo.

2. O conjunto de dados disponíveis nos conduz a afirmar, portanto, que a percepção positiva, por parte do eleitor, em relação a ganhos de renda sustentou, no município e certamente no conjunto do país, a posição de favoritismo da candidata do governo. Em se tratando de uma variável pré-eleitoral, entende-se por que a campanha até as vésperas do primeiro turno teve efeito não mais do que marginal sobre as intenções de voto.

3. A terceira rodada de nossa pesquisa detectou, em consonância com os resultados da eleição, que a candidata do PV, Marina Silva, havia dobrado seu percentual de votos num espaço de dias, alcançando 30% dos votos dos eleitores do município. Vale salientar que esse deslocamento foi suficiente para que, no município, a disputa
política fosse levada para um segundo turno: pela primeira vez o percentual de votos declarados para a candidata petista se situava abaixo da soma do percentual de votos dos demais candidatos. Resta aqui averiguar, então, o que determinou alteração tão
significativa no quadro de preferências dos eleitores.

4. No caso do município pesquisado, uma segunda variável, de natureza sociológica – a religião –, entrou em jogo, concorrendo com o vetor econômico que vinha orientando o voto quase que de maneira exclusiva. Cabe aqui salientar que, se as conclusões
derivadas de um colégio eleitoral com características particulares, um município da periferia metropolitana, não podem ser generalizadas para o conjunto do país, podem e devem com certeza ser projetadas para os grandes entornos metropolitanos e para um segmento específico do eleitorado, justamente aquele mobilizado nos dias que antecederam o primeiro turno – o segmento evangélico.

5. Nesse caso, Nova Iguaçu, como os demais municípios das periferias metropolitanas, constitui amostra robusta: em média, essas áreas concentram hoje mais de 30% de eleitores com denominação evangélica. Como afirmamos, até 15 dias antes da realização do primeiro turno nenhuma variável de natureza sociológica – notadamente a variável religiosa – condicionava de forma significativa a direção do voto. A candidata do PT se situava na dianteira das preferências nos dois segmentos religiosos mais
importantes do município – católicos (38% da amostra) e evangélicos (35%); ressalta ainda o fato de que, até aquele momento, a intenção de voto da candidata do PV entre os evangélicos não destoava de sua intenção de voto no conjunto do eleitorado, repetido o observado no período pré-eleitoral.

6. No espaço de alguns dias, esse quadro se modifica de maneira surpreendente: se entre os eleitores católicos, a candidata do PT mantém a primeira posição, com 60% dos votos declarados, entre os eleitores evangélicos as posições se invertem – a candidata do PV chega a mais de 50% das preferências nesse segmento, o que a
conduziria a dobrar suas intenções de voto no conjunto do eleitorado. Importa chamar a atenção aqui para dois fatos de igual relevância: tão importante quanto assinalar para a magnitude dos votos dos segmentos evangélicos e o seu impacto sobre voto global é verificar o escasso interregno de tempo em que esse eleitorado foi
mobilizado na direção de uma candidatura.

7. Ainda, pelos dados de nossa pesquisa, se a religião impactou fortemente a direção do voto no primeiro turno, a temática do aborto não o fez (o tema atravessou sem variação todas as candidaturas); o que sugere que essa conversão do voto se deveu
essencialmente ao forte poder de condução do voto dos líderes evangélicos – pastores de todas as ordens. Antes do que uma conversão no campo dos valores, a movimentação do voto evangélico expressou o forte poder de condução do voto dos líderes religiosos
na tanto na cúpula como na base.


Minha opinião:
A. Rio de Janeiro não é uma boa amostra nacional, entre outros motivos, pelo impacto das variáveis violência e o próprio engajamento do governador. Havia, ainda, toda uma forte propaganda das grandes obras envolvendo Olímpiadas e Copa do Mundo. Somente assim se explica a queda de eleitorado de Fernando Gabeira em tão pouco tempo

B. Se aborto foi um tema transversal e se este tema veio à baila pelas mãos de algumas lideranças religiosas mais fundamentalistas, há uma precipitação na conclusão 7 do resumo apresentado acima. Primeiro porque toma-se como dado que as igrejas representem exclusivamente os fiéis. No caso das igrejas evangélicas esta premissa pode ser correta, mas não é o que ocorre entre católicos. Não há como dissociar a variável religião do tema do aborto no final do primeiro turno. Em outras palavras: o autor parece relacionar voto evangélico com o impacto do tema aborto. Mas o tema perpassou eleitores de várias religiões. Bispos católicos se uniram, principalmente no centro-sul do país, com pastores evangélicos no que denominaram de "Santa Aliança".

C. Acredito que até neste ponto a pauta conservadora foi "roubada" dos partidos mais conservadores do país. Algo que Maia, obviamente, não deve concordar.

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