terça-feira, 29 de março de 2011

Minha entrevista ao jornal de Ipatinga


Sociólogo, Mestre em Ciências Políticas e Doutor em Ciências Sociais, o renomado professor Rudá Ricci é também consultor do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação Estadual (Sind_UTE) e consultor da Constituinte Escolar de Ipatinga, que está em pleno processo de realização. Ele também é diretor geral do Insituto Cultiva e membro da Executiva Nacional do Fórum Brasil do Orçamento, membro do Observatório Internacional da Democracia Participativa e recebeu o Prêmio Grande Mérito Educacional. O professor é autor de "Terra de Ninguém" (Editora Unicamp), co-autor em "A Participação em São Paulo" (Editora UNESP), Orçamento Participativo Criança (Editora Autêntica) e Dicionário da Gestão Democrática (Editora Autêntica), Lulismo (Editora Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira), entre outros. Colunista da Band News FM MG.Em sua entrevista o professor Rudá Ricci apresenta conceitos sobre o que de fato é uma constituinte escolar e como especificamente a constituinte escolar de Ipatinga sendo sido desenvolvida. Em sua fala, o professor também dá destaque para algumas características únicas apresentadas pela constituinte escolar de Ipatinga, além de apresentar dados estarrecedores sobre a realidade enfrentada pelos profissionais da educação no município, relacionados ã violência levantados pelo Instituto Cultiva, do qual é diretor geral. O professor Rudá Ricci demonstra também sua preocupação quanto ao reflexo destes dados no atual Sind_UTE de Ipatinga e na atual realidade política em política em Ipatinga.

Explique o que é uma constituinte escolar.

Professor Rudá Ricci - O nome constituinte significa um processo no qual se constitui alguma regra básica. Quando falamos de uma constituinte que vai, por exemplo, elaborar a constituição de um país, nunca se parte de algo pré-elaborado, mas sim de um acordo entre cidadãos em relação a quais são as normas de convivência. Quando falamos em Constituinte Escolar a regra é a mesma. Devemos convocar a comunidade escolar, composta por pais, alunos, professores, diretores de escolas, e, se possível, sociedade civil. Ipatinga inova por contar com organizações da sociedade civil, nem sempre diretamente vinculadas à educação. O que fizemos foi chamar toda a comunidade para dizer o que, do ponto de vista de cada um dos segmentos, é básico para a educação de Ipatinga. É um erro quando uma constituinte escolar já vem com uma proposta definida para se discutir. A idéia é que se comece do zero e que a população defina uma direção. A constituinte não é uma proposta de governo, mas sim uma proposta de estado. É uma proposta do município, independente de partido ou governo. Caso contrário não seria uma constituinte, mas uma convenção partidária.

Na sua avaliação, como está o desenvolvimento da constituinte escolar de Ipatinga?

Acompanhei a primeira constituinte escolar realizada no Brasil, em Porto Alegre e fui consultor da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte por muitos anos. Como consultor, insisti muito para a realização de uma constituinte em Belo Horizonte, como foi feito. Posso dizer que a melhor constituinte que vi até agora é a de Ipatinga, por ter uma série de inovações importantes. Primeiro: ela não nasceu de um texto base, como aconteceu em Porto Alegre, que amarrou toda a discussão desde o início. Segundo: Porto Alegre e Belo Horizonte definiram seus eixos temáticos antes mesmo da população discutir.

O que mais há de inovação em Ipatinga?

Ipatinga começou sua constituinte com um diagnóstico. Fui da equipe do Paulo Freire, o maior educador que o Brasil já teve. Uma das coisas que ele me ensinou é que, sempre quando vamos elaborar uma proposta popular, temos que primeiro ouvir para depois falar. E nesse caso, a Secretaria Municipal de Educação foi ao encontro com esta aspiração do Paulo Freire. Ela perguntou em separado para pais, professores e comunidade escolar, quais eram os principais problemas da Secretaria. Isso é de um desprendimento, de um espírito democrático que raramente eu vi no Brasil. A partir daí, foi devolvido o resultado das pesquisas. Todos os dados foram colocados na internet e todos tiveram acesso. Houve um cuidado especial no trato com os professores da rede. Abrimos todos os resultados de pesquisa e pedimos a eles que corrigissem aquilo que achavam não estar correto, ou que tinha algum viés. A partir daí, houve uma segunda etapa de discussão, perguntando, também em pesquisa, quais eram as propostas da comunidade em relação aos principais problemas que o diagnóstico tinha apontado. Somente após esta carga imensa de informação é que fizemos as conferencias em todas as regionais de Ipatinga, para que assim a população apresentasse suas propostas. Veja, eu nunca vi um processo deste em nenhum lugar. Claro que há pessoas sem muita informação, e isso é normal, que acham que devem fazer conferencia e trazer gente de fora inclusive, de universidade, para então dizer o que deve ser feito. Isso é uma visão. Mas eu posso dizer como especialista da área que esta é uma visão equivocada, uma visão atrasada. O correto é acreditarmos na democracia. Este é um espírito democrático que temos que louvar.

Entre os pontos negativos apontados pelas pesquisas realizadas, qual foi o de maior relevância em sua opinião?

A única questão que me preocupa no que os dados da pesquisa revelaram, é que existe uma cultura da violência e da agressão em Ipatinga. Há um dado que mais chamou a atenção da minha equipe: 50% dos professores da rede municipal já sofreram algum tipo de violência verbal, principalmente por parte de pais de alunos. Isso é um dado estarrecedor, sendo esta uma profissão de formação das pessoas. Ser educador significa construir um espaço de reflexão e de autonomia. E quando criamos este espaço para o estudante, falamos de respeito. Eu só consigo ter uma sala de aula onde todos são autônomos e que consegue construir esta autonomia se todos dão espaço uns para os outros. Então, uma construção educacional é uma construção de tolerância. Quando vemos que 50% dos professores da rede municipal de Ipatinga sofreram violência, principalmente por parte de pais, isso preocupa. O dado é o seguinte: 50% já sofreram violência verbal por parte de pais de aluno, e cerca 25% sofreram violência física de aluno.

O que isso quer dizer?

Que estes professores estão sobre uma tensão absurda de uma sociedade violenta. Isso pode pregar certas peças e gerar situações constrangedoras. Por exemplo: Sou consultor estadual do Sind_UTE, (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação) mas não consigo entender porque o Sind_UTE de Ipatinga, o mesmo sindicato, é muito mais agressivo do que qualquer outra sub-sede no estado. Para mim isso é estarrecedor, e somente os dados da pesquisa anterior me explicam esta situação como sociólogo. Este é um momento em que deveríamos festejar essa ação democrática da prefeitura e o sindicato deveria estar se organizando para debater suas propostas nas conferências regionais que serão realizadas. Mas infelizmente ele perdeu o bonde da história, perdeu o timing, e agora, no final de semana, fez uma conferencia. Melhor tarde do que nunca, mas porque tarde? Porque o sindicato, durante um ano inteiro no qual nos debatemos, não fez esta conferência? E aí há uma série ações que parecem fora de contexto e muito agressivas.

Agressivas por quê?

Porque, por exemplo, se todas as pesquisas, dados e relatórios dessas conferências que fizemos em duas semanas foram divulgados na internet, aberto a todos, e se em cada sala onde houve debate nas conferências regionais da constituinte, foi feito um relatório final assinado pelo coordenador daquele debate, que foi eleito pelos professores, pais e alunos, qual o motivo do sindicato desconfiar que aquele processo não foi democrático? Se fossemos continuar a agir assim eu diria: “O que me prova que o relatório da conferência que o Sind_UTE fez na semana passada não foi manipulado?” Se eu fizer esta pergunta eu questiono uma entidade de representação e não ganho nada com isso. E seria um erro fazer esta pergunta como consultor desta entidade a nível estadual. Ora, se eu pondero que eu não posso fazer uma pergunta tão agressiva, pondero também que o sindicato deve aprender a ser tolerante com o diferente. Porque a democracia não é feita pelos iguais. Ela é feita pelos diferentes e pelo acordo entre os diferentes. Eu fiquei me perguntando durante estes meses que eu estou aqui por que o Sind_UTE de Ipatinga é tão diferente do Sind_UTE do Estado. Tão aberto e democrático no estado e tão agressivo como é o Sind_UTE de Ipatinga. A resposta sociológica que eu dou é: Porque é uma cidade mergulhada na violência.

Como acha que os dados apresentados na pesquisa refletem no posicionamento do sindicato?

Não é possível que os professores recebam agressão dos pais e o sindicato que representa os professores não seja contaminado por essa agressão. Então, o que eu queria dizer como sociólogo, educador e consultor do Sind_UTE é que o sindicato se abra para a democracia. Que ele aprenda que obviamente há dificuldades, mas eu quero sugerir que o sindicato faça um pacto com a cidade. Que eles pensem além da sua preocupação, da sua categoria. Que eles pensem na cidade, nas crianças, nos adolescentes, que serão futuros dirigentes sindicais. Quero lembrar que a diretoria do sindicato passa, mas a cidade fica. Então o que nós sindicantes e representantes da democracia vamos deixar para nossos filhos e netos? E eu perguntaria honestamente aos dirigentes do Sind_UTE de Ipatinga “O que afinal estão deixando? Estão deixando uma mensagem de pessoas que são perseverantes na luta pelos direitos, e que ao mesmo tempo são magnânimos no debate, que estão abertos para a cidade, que vão além dos interesses imediatos e da busca pelo poder, , que não estão pensando na perpetuação de seus cargos, ou estão deixando uma mensagem de raiva, rancor, de embate a qualquer custo, de desmonte da esperança da população na democracia?.”

Como você entende este embate entre sindicato e governo em Ipatinga?

Tenho uma preocupação grande em relação a esta situação em Ipatinga. Este clima beligerante não tem nada a ver com a educação. Eu quero só lembrar que a educação acaba quando inicia a violência. Com violência não há mais educação. Uma cidade que derruba prefeito o tempo inteiro, que parece ter amor pelo desgaste político e paixão pela destruição pela reputação das pessoas, não consegue construir estabilidade. Que mensagem estamos deixando enquanto educadores? Que o correto é destruir o outro e não ser fiscalizador do outro. Ao invés da gente desmantelar a história de vida das pessoas, nós temos que pensar em construir constituições fortes. Eu acho que a política de Ipatinga está excessivamente violenta e personalizada. Claro que quando você está no meio do furacão, você pensa que este problema não te afeta. Mas quero dizer que, eu que não sou de Ipatinga, sinto na alma o grau de agressividade exagerada que existe na política deste município. A constituinte vem para diminuir este clima beligerante e convidar a todos para que na diferença construa a educação deste município.

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